terça-feira, julho 27

Análise do novo Programa da Saúde

1. –  Uma das maiores dificuldades do Serviço Nacional de Saúde, desde a sua criação, foi o facto de depender quase, exclusivamente, do orçamento geral do estado.     

___________Ano 2000___%_Ano 2001_%__Ano 2002___%

Orçamento de estado       4 652,3     95,3         5 035,9     94,9       6 225,2       95,3

Receitas Próprias                    229,4        4,7              273,1         5,1             310,3          4,7 
___________________________________________________________
T O T A L                                     4 881,7   100,0        5 309,0    100,0       6 535,5       100
,0

(Unidade: Milhões de Euros)
O estado assumia-se, simultaneamente, como prestador, financiador e regulador do Sistema de Saúde.

2. - O programa de saúde do XVI Governo (tal como o anterior), considera prioritário a continuação da reforma estrutural do sector da saúde.
Vejamos os contornos desta  reforma:

a) - Prevê-se que o  Estado continue como prestador do sistema de saúde (SPA).

Mas, sempre que se comprove que os sectores privado e social gerem com maior eficácia, menores custos e, essencialmente, com um evidente benefício para quem carece de cuidados, há que optar por esta via.
A reforma estrutural, referida na introdução do programa de saúde do XVI governo Constitucional, tem por objectivo a transformação do sistema de saúde de carácter monopolista e administrativo num sistema misto onde coexistam entidades públicas, privadas e sociais.

O problema está em saber quem é que avalia e como se avalia "a existência de evidente benefício para os utentes".
Por outro lado, qual o equilibrio que se pretende estabelecer entre estas entidades.
Será que o objectivo é simplesmente esvaziar o sector público, reduzindo, drasticamente, a intervenção do estado como prestador?

b) - Financiamento:

O Estado compromete-se a financiar o sistema de saúde com base na contratualização das prestações, ou seja, assegura o financiamento como contrapartida do cumprimento de objectivos estabelecidos com as unidades de saúde.
O financiamento é, assim, contrapartida das prestações de saúde, aferidas de acordo com as necessidades dos utentes, não visando pois a satisfação das necessidades internas do próprio sistema.

É à sombra deste financiamento, garantido por contratos de trinta anos de duração, que se desenvolve a actividade privada da saúde.
Não conseguimos vislumbrar outro sector de actividade onde o risco do negócio tenha tamanha protecção do estado.

c) - O Estado compromete-se a garantir o direito constitucional dos portugueses (Direito à Saúde), que se concretiza no acesso universal (independentemente do seu estatuto sócio-económico) e na Equidade (independentemente do local onde se resida) dos cuidados de saúde, tendencialmente gratuitos.

2. – Os objectivos estratégicos previstos no novo Programa da Saúde são os seguintes:

a)- propiciar melhores cuidados de saúde e com maior proximidade ao utente, assumindo o desafio da qualidade;
b) - garantir a acessibilidade dos portugueses aos cuidados de saúde, em especial no que se refere às listas de espera cirúrgicas e à melhoria do acesso aos cuidados primários;
c) - assegurar a sustentabilidade financeira do sistema, incrementando a eficiência e o rigor na aplicação dos recursos disponibilizados;
d) - optimizar e promover os Recursos Humanos do sector;
e) - adoptar o Plano Nacional de Saúde como vector estruturante;
f) - continuar os programas de prevenção e tratamento da Toxicodependência, alcoolismo e de combate ao VIH/SIDA

3. - O programa prevê a implementação de Medidas nas seguintes áreas:

- Cuidados de Saúde Primários.
- Urgências
- Financiamento
- Grupo de Hospitais S A
- Grupo de Hospitais SPA
- Hospitais Universitários
- Internato Médico
- INEM
- Cuidados Continuados
- Listas de Espera
- Parcerias Público-Privado (PPP).
- Plano Nacional de Saúde
- Carta dos Equipamentos da Saúde
- Informatização dos Serviços
- Cartão do Utente
- MCDTS
- Política do Medicamento
- ERS- Entidade Reguladora da Saúde
- Centro de Atendimento da Saúde
- Recursos Humanos
- Política para a Toxicodependência
- Medidas de Promoção da Saúde
- Programa de luta contra a SIDA.

3.1 - Numa das últimas entrevistas ao Diário Económico, Correia de Campos considerava como falhas graves da política de Luís Filipe Pereira, os Cuidados de Saúde Primários e a Política de Promoção da Saúde.
Como que respondendo a esta crítica, o ministro da saúde apresenta um conjunto extenso de medidas de intervenção nestas áreas.

a) - Relativamente aos Cuidados de Saúde Primários, a gestão das suas unidades pode ser assegurada através da “gestão pública directa, de acordo com os princípios do Dec.Lei nº.60/2003 de 1 de Abril, ou através da gestão contratualizada com abertura preferencial às cooperativas de profissionais de saúde, e também a entidades do sector social e à iniciativa autárquica, universitária e/ou outras, utilizando modelos de contratualização baseados em capitações e em incentivos ligados a ganhos de saúde; contratualização de serviços com grupos de Médicos dos Centros de Saúde incluindo acordos de intersubstituição e complementaridade.”

b) – Promoção da Saúde:

- Prevenção nas Escolas:
O programa considera prioritárias as abordagens preventivas, cujo enfoque assente na promoção de estilos de vida saudáveis e na prevenção do abuso do álcool e de tabaco. A Escola continuará a ser um espaço privilegiado para tais intervenções, apostando-se, cada vez mais, na formação de professores, pais e educadores.

- Prevenção Comunitária:
Dar continuidade à política de prevenção comunitária, com envolvimento das Autarquias, através da implementação dos Planos Municipais de Prevenção, Planos Intermunicipais de Prevenção e Planos Integrados, no sentido de progressivamente cobrir todo o território nacional;

Prevenção nas Prisões:
Através da definição de uma política de intervenção nas prisões, com complementaridade de estratégias.

- Programas de Prevenção da doença:
- Com destaque para o papel a desempenhar pelo Médico de Família, devendo reconhecer-se todas as situações potencialmente graves no nosso tempo, tais como o VIH/SIDA e outras doenças sexualmente transmissíveis, a tuberculose, as hepatites, as diversas doenças oncológicas, a diabetes, as doenças associadas ao tabagismo e a Toxicodependência;

3.2 - Relativamente ao GRUPO HOSPITAIS SA, o programa prevê a criação de uma estrutura de decisão e acompanhamento tipo “Holding” em substituição da Unidade de Missão.
Medidas visando a melhoria contínua da qualidade, o aumento da eficiência e da produtividade:
- programas transversais de qualidade;
- a promoção da acreditação dos Hospitais;
- a gestão atempada e humanizada dos Serviços de Urgência;
- a articulação efectiva com os Cuidados Primários e Continuados;
- o sistema de incentivos na política de gestão dos Recursos Humanos;
- o processo de informatização dos Hospitais;

3.3 - Quanto aos HOSPITAIS SPA, o programa prevê a aplicação de formas de gestão com utilização de critérios de gestão empresarial, assentes na celebração de contratos-programa anuais, utilizando sempre que possível, nestes Hospitais metodologias e processos de gestão já introduzidos e testados com sucesso na rede de Hospitais SA.

3.4 - Quanto às PARCERIAS PÚBLICO / PRIVADO, prevê-se o reforço da concessão da gestão de unidades prestadoras de cuidados a entidades privadas ou de natureza social e o desenvolvimento e lançamento dos concursos públicos para as 9 (nove) Unidades Hospitalares já anunciadas, e negociar e adjudicar a construção e gestão da Unidade Hospitalar de Loures, cujo concurso público foi já efectuado e as propostas dos concorrentes apresentadas

3.5 - POLÍTICA do MEDICAMENTO:
Para esta área importante da tecnologia da saúde, prevê-se o desenvolvimento das seguintes medidas:
- Garantia de um maior rigor na prescrição e na utilização dos medicamentos, conseguida através da criação de uma eficaz política de informação.
- Promoção e consolidação do mercado de medicamentos genéricos .
- Desenvolvimento de uma “política nacional de racionalidade terapêutica, através da promoção da qualidade da prescrição, da dispensa e do uso dos medicamentos, a nível do ambulatório e hospitalar, nomeadamente pela adopção de instrumentos de apoio à decisão e pelo desenvolvimento da prescrição. electrónica.”
- Proceder à reforma do sistema de comparticipações, com vista à obtenção de uma solução socialmente mais justa, garantindo ao mesmo tempo, que as doenças mais incapacitantes e os doentes de menores recursos tenham acesso privilegiado ao medicamento (comparticipação baseada no tipo de doença e incapacidade dos doentes e não no tipo de sustância activa).

4. - Conclusão:

4.1. - É reconhecida a capacidade do ministro da saúde na elaboração de um extenso programa de intervenção nas diversas áreas da saúde.
O programa de saúde do XVI governo traz poucas novidades, relativamente ao anterior, preocupando-se, fundamentalmente, com as medidas de consolidação das reformas já lançadas anteriormente.

4.2. - De qualquer forma, o novo programa não deixa de acentuar e desenvolver a intenção do estado em reduzir a sua intervenção na gestão das unidades de saúde.
Assim, prevê-se a concessão de exploração dos centros de saúde a entidades privadas e do sector social, além da exploração pública.
Prevê-se, igualmente, a concessão de exploração de hospitais do SNS a entidades privadas.
Relativamente ao projecto mais importante do Ministro da Saúde, prevê-se o desenvolvimento e reforço das parcerias público-privado (PPP) para construção e exploração de novos hospitais.
Estendendo a reforma aos Institutos de tutela, o novo programa prevê a criação de uma estrutura de decisão e acompanhamento tipo “Holding” em substituição da Unidade de Missão e das ARSs para os hospitais do sector empresarial. 
Estas medidas constituem o núcleo da política de saúde de Luís Filipe Pereira, cujo objectivo fundamental é  substituir o Estado (corporativismo, ineficiência, baixa produtividade) na gestão das unidades de saúde,  por quem, em seu entender, faz melhor: os empresários privados da saúde.

4.3. - Para que as reformas de Luís Filipe Pereira tenham  êxito perdurável, é necessário que até 2006 se cumpram os objectivos seguintes:

a) - Estabilidade do governo de Santana Lopes (o mais difícil);
b) - Conseguir uma maior adesão dos profissionais da saúde ao seu projecto de reforma;
c) - Nomeação de gestores hospitalares com reconhecida competência, libertando-se das nomeações impostas pelo aparelho partidário (objectivo que eu vaticino, desde já, como fracassado);
d) - Fazer a reforma dos Institutos que tutelam as várias actividades do ministério da saúde: ARSs, Igif, etc;
e) - Minorar o problema das listas de espera cirúrgicas;
f) - Que o projecto das parcerias se desenrole conforme o programado.

4.4 - Deste conjunto de reformas resultará um sistema de saúde de matriz totalmente diversa do actual, com a acessibilidade aos cuidados de saúde fortemente condicionada pela capacidade económica dos utilizadores. Com oferta de prestações de razoável qualidade por parte do sector empresarial e serviços degradados do SPA, utilizados, essencialmente,  pelos utentes de menores recursos.
A História repete-se.
Se José Sócrates vier a ser ministro da República Portuguesa, após a eleições de 2006, já terá o trabalho feito e não deixará de actuar tal como Blair, que fez campanha a prometer corrigir a reforma de Margaret Tacher e, depois de se tornar primeiro ministro, não só não cumpriu o prometido, como prosseguiu e e dinamizou a politica de saúde da sua antecessora (vg, a construção de hospitaios em parceria Público-Privado - PPP).
Já estamos habituados. As coisas em Portugal acontecem sempre com enorme atraso.