terça-feira, fevereiro 22

Uma cereja no Inferno


A cereja é um fruto frágil e apetecido, alvo de ataques de pássaros e pragas indiferentes à sua beleza e sabor. A cereja no inferno morre e no inverno dificilmente sobrevive incólume à inclemência dos elementos.
A saúde é um bem frágil e estratégico para um país. Um país doente é um país sem presente e sem futuro. O sectot português da saúde tem vindo, ao longo dos anos, a ser pasto de interesses nem sempre claros ou legítimos, públicos e privados, individuais e colectivos. Uma horda imensa e sem rebuço que se serve a seu bel-prazer de um património colectivo. São as corporações que o ocupam, os políticos que o fustigam com políticas de toca e foge inconsequentes e tontas, os utilizadores que o abusam, os burocratas que o desumanizam. Cada nova ideia é para abater. Falar de racionalidade e eficiência é economicista (não sei onde foram desencantar tal palavra!). Inovar é encontrar novas forças de bloqueio. De facto, cada ano o inverno se aproxima mais do inferno. E o inferno, ao contrário do que apregoava Sartre, somos nós. Nós que estamos no sector e todos os dias baixamos um pouco mais os ombros. Nós que estamos no sector e nos deixamos tentar pelo fácil e aparente em alternativa ao difícil e adquirido. Nós que todos os dias esquecemos porque e por quem existimos. Nós que não temos engenho ou coragem para reconhecer os erros (não estamos nós fartos de diagnósticos?) e para empreender a mudança.
Salvar a cereja do inverno ou do inferno exige trabalho, muito trabalho. Mas exige, também, ética nos comportamentos, exigência de qualidade nas soluções e responsabilidade social nos resultados. Urge o tempo. Que a cereja no inferno morre.
Artur Vaz – Administrador hospitalar.