Filhos da Nação
José Sócrates não merece a nossa confiança.
Eu explico porquê.
Três meses depois de conseguir a maioria absoluta, o primeiro ministro marimbou-se nos compromissos estabelecidos com os portugueses, e, escudado no relatório Constâncio, encenou o que há muito sabia: a dimensão do défice, justificação para por em prática a subida dos impostos e o ataque aos funcionários públicos.
Quem nos engana desta forma continuará a fazê-lo.
Não contente em nos mentir, José Sócrates quer fazer de nós bufos ao pretender que cada cidadão passe a vigiar o cumprimento das obrigações fiscais dos familiares, amigos e conhecidos. Uma medida que o primeiro ministro classificou eufemisticamente de “ruptura cultural”.
O futuro de Portugal está traçado: a constituição de uma comunidade de delatores fiscais devidamente acarinhada pelo governo da república. Eventualmente, serão criados prémios para os cidadãos que tenham bufado mais vizinhos relapsos e no 10 de Junho lá teremos o presidente da república a condecorar os novos heróis da nação.
Outra promessa feita pelo primeiro ministro diz respeito aos Hospitais do SNS que, segundo José Sócrates, não são para privatizar.
Podemos imaginar o que irá acontecer ...
Eu explico porquê.
Três meses depois de conseguir a maioria absoluta, o primeiro ministro marimbou-se nos compromissos estabelecidos com os portugueses, e, escudado no relatório Constâncio, encenou o que há muito sabia: a dimensão do défice, justificação para por em prática a subida dos impostos e o ataque aos funcionários públicos.
Quem nos engana desta forma continuará a fazê-lo.
Não contente em nos mentir, José Sócrates quer fazer de nós bufos ao pretender que cada cidadão passe a vigiar o cumprimento das obrigações fiscais dos familiares, amigos e conhecidos. Uma medida que o primeiro ministro classificou eufemisticamente de “ruptura cultural”.
O futuro de Portugal está traçado: a constituição de uma comunidade de delatores fiscais devidamente acarinhada pelo governo da república. Eventualmente, serão criados prémios para os cidadãos que tenham bufado mais vizinhos relapsos e no 10 de Junho lá teremos o presidente da república a condecorar os novos heróis da nação.
Outra promessa feita pelo primeiro ministro diz respeito aos Hospitais do SNS que, segundo José Sócrates, não são para privatizar.
Podemos imaginar o que irá acontecer ...
6 Comments:
O caminho certo
Portugal tem razões para começar a olhar o futuro com esperança.
O primeiro-ministro anunciou esta semana, no Parlamento um conjunto de medidas que ultrapassam o mero combate financeiro ao défice orçamental. José Sócrates promete actuar estruturalmente num Estado que nos estava a engolir, abrindo caminho para retirar o país da trajectória de menos e menos crescimento económico em que entrou.
Nenhum país europeu, e menos ainda Portugal, tem dinheiro para, neste momento, manter alguns privilégios. Nenhum europeu quer ser como os Estados Unidos. Mas também não pode continuar a manter um Estado Social e uma administração pública que, devido à dimensão que atingiu e aos benefícios que oferece, é o seu pior inimigo. Manter o Estado Social europeu passa por medidas de curto prazo que vão custar a todos. Não fazer nada é escolher a ruptura do regime com a morte do Estado Social
Mas existem outros caminhos, afirmam alguns. De facto existem. Mas envolvem custos muito mais elevados no actual mundo global.
Manter tudo como está ou, como alguns reivindicam, nivelar por cima - nas reformas e na saúde - é escolher criar mais desemprego e menos crescimento. O Estado precisaria de mais e mais impostos e contribuições para pagar aos seus funcionários e garantir aos trabalhadores do sector privado o subsídio de desemprego, de doença e reformas prometidas. As empresas portuguesas, que já enfrentam sérias dificuldades hoje, estariam, aí sim, condenadas. E seria ainda mais difícil atrair investimento estrangeiro.
E porque não se aumentam os impostos sobre o capital? Esse é um dos grandes problemas do mundo global em que vivemos. Cada vez mais, é impossível tributar o capital, pura e simplesmente porque ele foge. É uma ilusão pensar que um país, mesmo que fosse os Estados Unidos, consegue fazer isso. A solução para este problema passa pela criação de entidades globais - um sonho - ou pela crescente tributação do consumo para não prejudicar o factor trabalho. Levanta-se, então, o problema da injustiça dos impostos indirectos, que tem de ser resolvido por via de uma redistribuição feita pela despesa. A sociedade de informação permite hoje, como nunca, empreender essa política. O Estado, se quiser, sabe exactamente quem precisa de apoio social.
Há ainda as alternativas mais radicais, como o país fechar-se sobre si próprio. Sabemos bem o que isso significou com 40 anos de Estado Novo.
José Sócrates reúne condições políticas, como o país não tinha desde Cavaco Silva, para concretizar as reformas que criam condições a uma nova fase de crescimento do país. Além do que anunciou, vai ter de actuar na saúde, na segurança social e nas autarquias. Parece ter coragem e sabedoria política para concretizar as mais difíceis reformas da democracia portuguesa.
Um país democraticamente maduro estaria a cooperar com o Governo, tal como aconteceu na Irlanda e nos países nórdicos. Esta é a segunda tentativa, em três anos, de resolver um problema que todas as elites e lideranças deste país, dos partidos aos sindicatos e patrões, sabem que é grave e ameaça, a prazo, o próprio regime por via do empobrecimento. É isso que queremos?
____
Helena Garrido é redactora principal do DE
Penso que o que não pode perpetuar-se é uma cultura que premeia os infractores,os "chicos" espertos, fazendo desses objecto de admiração,e tolerando que apareçam nas revistas cor de rosa, impantes nos seus "sinais" exteriores de riqueza e dizendo abertamente que não pagam impostos.
Tem vindo a aceitar-se que a fuga aos impostos é um sinal de esperteza, esquecendo que quando uns não pagam, outros vão ter que pagar mais por causa disso.
Acho que uma postura colectiva de não aceitação desses comportamentos e de censura social, poderá fazer mais pela transparência fiscal que umas centenas de inspectores, além de ficar mais barato a todos.
Bom começo
O primeiro-ministro definiu o momento: vive-se uma situação excepcional, o que exige medidas excepcionais.
Perfeito, sobretudo agora que se sabe que as medidas lançadas atacam tanto a despesa do Estado como beneficiam a receita. O que obriga a um ponto prévio: o Governo foi corajoso e chegou mais longe do que a maioria, pelo que é perca de tempo acusar José Sócrates de quebrar promessas eleitorais – isso seria supor que se decidiu subir impostos por prazer de maltratar os portugueses. Propõe-se, assim, que se olhem as medidas em três níveis: o da emergência (que se propõe reduzir o défice já), o da política (que busca a moralização do sistema) e o estrutural (que visa lançar a economia portuguesa na rota do crescimento), avaliando dessa forma o seu impacto.
Medidas de emergência: o aumento de impostos é a medida principal, visando sobretudo (via aumento de receitas imediato) sossegar Bruxelas e impedir que as agências de ‘rating’ internacional encareçam o preço de dinheiro para Portugal. Podia voltar a discutir-se a virtude do recurso a algum tipo de receitas extraordinárias, mas o Governo decidiu e o futuro de Portugal exige que se apoie a medida. E se o aumento do preço do combustível parece mais do que razoável (porque estimula os comportamentos correctos no consumidor), a subida do IVA levanta uma questão importante: medidas excepcionais devem ser limitadas no tempo, já que se recorre a elas para resolver problemas excepcionais – ou seja, problemas que um dia deixam de o ser. Assim, valeria a pena ter a garantia de que este aumento do IVA termina no instante em que os problemas se extinguirem. Portanto, os aumentos de impostos podem até ser aceites na medida em que são tão extraordinários quanto a situação. Finda a emergência, acaba-se com o aumento.
Medidas políticas: são três, principalmente, e visam compensar o impacto social das medidas de emergência, numa estratégia de “uma no cravo, outra na ferradura”. A primeira consiste em congelar o salário dos gestores públicos, o que é uma dessas medidas absolutamente populares cujos efeitos deixam muito a desejar: o que o Estado precisa é de melhores gestores públicos, concorrendo directamente com os privados na busca do melhor ‘management’. Empresas públicas competitivas geram emprego e dividendos que revertem, justamente, para as contas do Estado. A segunda é a subida da taxa máxima de IRS para os 42%, supondo que com isso fazem crer ao povo que serão os mais ricos também a pagar a crise. Esqueceram um detalhe: esses ricos que declaram rendimentos de 60 mil euros/ano estarão dispostos a negociar com a empresa diminuição do salário em folha em troca de benefícios não taxados. A terceira? Fim das reformas vitalícias para titulares de cargos públicos, quando o que se discute é o Estado ser capaz de atrair os melhores políticos – gente que ganha muito mais no sector privado. Resumindo, um plano corajoso como o que foi apresentado dispensava estas medidas populistas que olham apenas para as eleições autárquicas e que não contribuem para a moralização do sistema.
Medidas estruturais: a principal, e a que demonstra uma coragem sem precedentes por parte deste Governo, é a tão desejada reforma da administração pública. O ministro das finanças, Luís Campos e Cunha (sublinhe-se já), merece felicitações especiais por ter sido capaz de convencer o Governo de que cosmética em finanças públicas já nada faria pela economia nacional. E o que fez de tão extraordinário este Governo? Terminou com benefícios incompreensíveis que ainda eram dados aos funcionários públicos – esses que esgotam 65% do seu esforço diários em tarefas dirigidas uns as outros e cujas despesas representam 15% do PIB nacional. Em euros, fala-se aqui de salários no valor de 1,26 mil milhões de euros/ano entre 1995/2000 e, no período de 2000/2004, mais 675 milhões de euros/ano. Sobram dúvidas, claro: será o Governo capaz de executar reforma assim? Resistirá a uma greve geral? O país do não funcionalismo público tem de estar atento e não ceder ao discurso datado dos sindicatos.
Isto dito – que é muitíssimo neste país – insista-se na tese da coragem (de Campos e Cunha e Sócrates) e apele-se ao sentido de responsabilidade de cada português. Esta reforma foi mais longe do que nunca. Tem problemas, e é apenas sobre eles que se deve discutir nos próximos dias.
Martim Avillez Figueiredo
DN
Chegou mesmo a hora de agir
-----------------------------------
Este programa de reforma da despesa pública não é um acto inconsequente de meia dúzia de loucos que, de repente, decidiram cortar a eito e pôr o país em polvorosa. É o arranque de uma reforma tão fundamental quanto as mais fundamentais das decisões que foram tomadas em três décadas de democracia.
Este ataque corajoso ao «fartar vilanagem» em que se transformou a utilização de dinheiros públicos é algo tão importante para o nosso futuro quanto foram a adesão a adesão à CEE (para estabilizar o regime político) ou as privatizações (para estabelecer uma economia de mercado).
— — — — — — — — — — — — — — — — — —
Estes três parágrafos não são deste texto. Nem foram escritos a propósito do Plano Sócrates. Foram escritos a 22 de Junho de 2001 e publicados um dia depois de o Conselho de Ministros aprovar 50 medidas para a reforma das finanças públicas.
Só recordo o que então escrevi por dois motivos. O primeiro é para constatar a impressionante repetição do que andamos a dizer, há pelo menos quatro anos. O segundo é para daqui tirar a devida ilação: não basta aprovar programas, elaborar discursos cheios de boas intenções.
No nosso caso, infelizmente, até publicá-las em lei não significa nada. Como os brasileiros, também já assimilámos a ideia de que há umas leis que «pegam» e outras não.
Existe, assim, um importante ponto prévio neste Plano Sócrates: só merece aplauso no dia em que «pegar».
Não é o caso do aumento de impostos, porque esse obviamente «pega». O programa de estabilidade de Campos e Cunha vai aliás frustrar aqueles que, de forma precipitada, aceitaram o aumento do IVA apenas por ser uma «medida provisória».
O agravamento de impostos deve ser apoiado, sim. Por ser necessário. E ele não é necessário como «receita extraordinária» para safar as contas deste ano e de 2006. Será necessário na exacta medida em que a sua causa principal durar: ou seja, a própria crise orçamental. Portanto, é melhor avisar desde logo as pessoas que o IVA a 21% veio para ficar por uns bons anos.
Porque, em matéria de combate à despesa, o Plano Sócrates é só isso: um bom plano. Como era estimulante o plano de Pina Moura há quatro anos. Como eram importantes as ideias que Manuela Ferreira Leite anunciou e não conseguiu concretizar na administração pública.
Como era ambicioso o plano de Bagão Félix contra a evasão fiscal e que acabou mutilado pelas mãos dos deputados da própria maioria.
Ninguém está, portanto, de pé atrás em relação ao eng. Sócrates por ser céptico. É pura precaução. Para não se começar a aplaudir da plateia e acabar na frente de um espelho com figura de parvo.
— — — — — — — — — — — — — — — — — — Desde quarta-feira que, pelo contrário, este primeiro-ministro dá finalmente boas razões para ser apoiado.
As medidas que Sócrates propõe no combate ao défice são, realmente, «diversificadas e abrangentes» – como, aliás, Vítor Constâncio «adivinhava» há mais de uma semana.
Que são diversificadas, não há dúvida. Basta ver a extensão da lista. E são abrangentes também, pois é inquestionável que ninguém ficará à margem dos sacrifícios. É neste ponto que reside o maior mérito do Plano Sócrates. Também o seu vírus da morte.
Está visto e revisto que Portugal foi o único país a fazer o caminho para a moeda única sem se submeter a sacrifícios.
Mudou, em 1999, o regime em que a nossa economia sempre havia funcionado e os portugueses não foram preparados para as consequências dessa mudança. Nem antes, nem durante, nem depois. E não o foram de uma forma deliberada e demagógica. Em suma, irresponsável.
A classe política vive, por causa disso, mal com a sua consciência. Sente-se, por isso, obrigada à autoflagelação.
As pensões vitalícias de deputados, ex-primeiro-ministros e outros titulares de cargos públicos podem ser extintas por todas as razões menos uma – a que foi usada.
Tal como é perverso evocar as dificuldades orçamentais como motivo para «moralizar» os esquemas de pagamentos às administrações das empresas públicas.
Ao atacar com bravura o mar de problemas, este Governo sabe com que inimigos pode contar, mas não imagina se aparecem aliados. Tem maioria absoluta, o que é raro. Mas não chega.
Deste ponto de vista, Sócrates desperdiçou uma oportunidade, no debate parlamentar de quarta-feira, de «arrastar» para as reformas o dr. Marques Mendes – e este colocou-se a jeito para isso.
O maior risco que vivemos é aparecerem uns idiotas perigosos, cheios de fórmulas sedutoras que acabem por fazer o povo cair de amores pelas políticas de facilidade. As mesmas políticas que nos desacreditaram e que nos tiraram da rota do desenvolvimento.
Há algo pior que a angústia generalizada. É a descrença colectiva, a perda de confiança no Estado de direito, nas suas instituições e no mercado. Afinal, a única via construída pelo Homem para atingir o progresso.
Das quatro horas de debate mensal, o que fica de mais importante não é o IVA. Foi ouvir Sócrates responder a «alguém que dizia que devia ser muito mau estar no Governo numa altura destas».
«Não, meus senhores, pelo contrário, é muito bom e um privilégio estar no Governo numa altura destas». Tem, portanto, 4 anos para mostrar que está à altura dessa fortuna.
Sérgio Figueiredo
Jornal de Negócios
PA lição
A dramatização faz parte da política, sobretudo de cada vez que se pretende criar a atmosfera ideal para apresentar medidas impopulares. Foi esta a táctica escolhida por José Sócrates na encenação que rodeou a apresentação das conclusões da comissão liderada por Vítor Constâncio sobre a estimativa do défice público para 2005. O número é superior ao que o próprio Banco de Portugal havia calculado anteriormente e atinge proporções que, sem contar com eventuais derrapagens nas administrações locais e regionais, fornecem mais um elemento de prova da existência de um problema grave que tem de ser atacado com coragem e determinação. Mas a meia surpresa perante a dimensão do número encontrado não é motivo suficiente para que o primeiro-ministro, ou qualquer outro responsável actual do Governo ou do PS, possa argumentar que, afinal, a situação é pior do que se pensava.
O estado alarmante em que se encontram as finanças públicas portuguesas é algo de que ninguém minimamente atento poderá alegar desconhecimento, sem incorrer em descarada desonestidade intelectual. Tem origem numa despesa que cavalgou, ao longo de anos consecutivos, a um ritmo superior ao do crescimento da economia e esta circunstância foi objecto de numerosos alertas quer de instituições nacionais, como o banco central, quer de entidades externas, de que a Comissão Europeia é o caso mais evidente. O recurso a receitas extraordinárias sobejamente criticado pelo PS, mas que evitou outras soluções como a subida dos impostos, assim como as dificuldades enfrentadas na tarefa de contenção do crescimento dos gastos públicos foram sinais suficientemente fortes de que as ameaças nesta frente eram, e continuam a ser, enormes. Nenhum candidato a primeiro-ministro deveria ter ignorado estes simples factos e se Sócrates tem agora de enfiar na gaveta a promessa de que não agravaria a carga fiscal só deve queixar-se de si próprio e da ligeireza com que deu algumas garantias durante a campanha eleitoral.
Conhecer a estimativa da dimensão do défice serve apenas, e essencialmente, para antever durante quanto tempo mais o país poderá continuar a sustentar uma máquina pública cara e pesada antes de se ver forçado a reconhecer a falência generalizada. O saldo negativo de 6,83 por cento estimado pelo banco central para as contas das administrações públicas durante este ano é apenas mais um número. Não acrescenta nem retira nada ao que já se sabia, a não ser que quanto mais tempo os problemas demorarem a ser atacados, maior será o seu volume. Acima de tudo, apenas confirma, se tal ainda fosse necessário, que o mal tem de ser debelado através do ataque à raiz da doença e não através de medidas temporárias, indiferentemente de se saber se consistem na realização de operações irrepetíveis, na subida de taxas dos impostos indirectos ou no congelamento episódico de salários ou das progressões automáticas na função pública.
Pedro Santana Lopes errou largamente ao anunciar a retoma e o fim dos sacrifícios. José Sócrates, apostado em conquistar uma maioria absoluta com base na criação da ilusão de que um choque tecnológico seria suficiente para promover, de imediato, o crescimento económico e, por essa via, mandar para debaixo do tapete a inadiável reforma do Estado, não fez melhor enquanto esteve na corrida à liderança do Governo. O optimismo e a confiança dos agentes económicos não se decretam através de um discurso. Mas há quem persista em não querer aprender a lição.
Soube a pouco
erante a urgência do combate ao desequilíbrio das contas públicas, o conjunto de medidas anunciadas pelo Governo é dificilmente contestável. O aumento de taxas no IVA, no imposto sobre os produtos petrolíferos (ISP) e sobre o tabaco visam a arrecadação imediata de receitas adicionais para os depauperados cofres do Estado e as opções escolhidas, incluindo a criação de um novo escalão para rendimentos elevados no âmbito do IRS, preservam, nos limites do possível, alguma preocupação com a necessidade de distribuição do esforço acrescido que é pedido a empresas e famílias.
Do lado da despesa, os sinais transmitidos são positivos. Depois de anos consecutivos de promessas e hesitações, o Governo deu alguns passos com o objectivo de eliminar privilégios injustificáveis de que goza o poderoso grupo de pressão da função pública. O aumento da idade de reforma para os funcionários do Estado, a promessa de que será revisto o sistema de remunerações e de carreiras no sector, a intenção de aproximar o cálculo das pensões públicas ao regime que vigora entre os privados e o fim do pagamento a cem por cento da baixa por doença para quem tenha a felicidade de trabalhar nas administrações públicas são decisões de elementar justiça. Revelam, no que é mais importante, que José Sócrates parece estar disposto a mexer em terrenos até agora sagrados e que, a avaliar pela reacção dos sindicatos da área, vão forçar o líder do Executivo a enfrentar uma onda de conflitualidade destinada a tentar inverter o rumo das políticas.
A grande dúvida relacionada com as medidas anunciadas é a de que não resolvem qualquer problema substancial de fundo. O aumento dos impostos poderá ajudar a arrefecer o défice já em 2005, mas aumenta o peso do Estado na economia, em vez de o baixar, fechando o caminho àquilo de que Portugal mais precisa para receber um novo impulso no seu crescimento. Empresas e famílias terão menos dinheiro para investimento e consumo, novamente devido ao facto de o Estado se revelar incapaz de funcionar melhor e com menos recursos. As iniciativas que visam reduzir os gastos das administrações públicas apenas produzirão efeitos visíveis a longo prazo, o que sucederá na decisão de harmonização da idade legal de reforma entre sectores público e privado, e não terão consequências prolongadas no tempo, caso o Governo se fique por aqui, como acontece com o congelamento das progressões automáticas, prometido para vigorar apenas até 2006.
Apelidar as medidas anunciadas pelo primeiro-ministro como um "plano" para combater o défice e a despesa excessiva do sector público é um exagero. O quadro de iniciativas não evidencia uma estratégia consistente, integra medidas avulsas, ainda que entrem pelo bom caminho, e é manifestamente incompleto em relação ao que é necessário fazer. Fica aquém das expectativas, num país em que as administrações públicas gastam metade da riqueza gerada e onde os encargos com funcionários do Estado absorvem mais de 15 por cento do produto. A insistência na manutenção de auto-estradas sem portagens é apenas uma das omissões mais preocupantes, sabendo-se que, só este ano, essas infra-estruturas vão custar mais de 500 milhões de euros aos contribuintes e que, ainda por cima, os ganhos que serão obtidos com o agravamento do ISP serão desviados para assegurar aquele financiamento. Só um tremendo erro de perspectiva pode justificar que, com o Estado em situação financeira calamitosa, se exija a todos os contribuintes que subsidiem aquilo que só alguns utilizam.
Mas este é um entre diversos pontos criticáveis. Sobre os sectores da saúde e da segurança social, de onde chegam as tensões mais ameaçadoras para a boa saúde actual e futura das contas públicas, o silêncio foi, até agora, quase total. A necessidade de adoptar tectos contributivos, responsabilizando em maior grau os cidadãos pelas suas pensões de reforma, ou a racionalização dos gastos na saúde, de onde surgem, ano após ano, algumas das piores notícias na frente orçamental, são dois dos campos em que se pode proceder a um emagrecimento do Estado. E quanto à possibilidade de despedimentos na função pública, onde, como em qualquer outra organização, devia ser impensável sustentar postos de trabalho que não têm razão de ser, foi simplesmente ignorada.
Luís Campos e Cunha vai, nos próximos dias, apresentar o programa de estabilidade e crescimento. Do documento elaborado pelo ministro das Finanças não se espera que seja menos do que a expressão de uma estratégia articulada para endireitar as contas públicas e libertar a economia do asfixiante peso do Estado. Para já, o que foi anunciado soube a pouco. Jornalista
João Cândido Silva
Público
A CGTP defendeu esta segunda-feira, em conferência de imprensa, que as medidas agora anunciadas pelo Governo contrariam em absoluto aquilo que foi prometido em campanha eleitoral.
Enviar um comentário
<< Home