Taxas Moderadoras
O Ministério da Saúde publicou novas taxas moderadoras (link) do Serviço Nacional de Saúde (SNS), com várias reacções adversas. Aliás, responsáveis do Ministério da Saúde vieram esclarecer que as taxas moderadoras não têm como objectivo obter receitas, e sim disciplinar a procura. Na organização de um sistema de Saúde é adequada e normal a sua introdução. A motivação para a sua existência vem de aspectos mais gerais e não de problemas de contenção orçamental.
De forma simples, pela incerteza subjacente ao momento e montante das despesas em Saúde de cada um, procuram-se mecanismos de protecção contra essa incerteza. A protecção tem, porém, um custo associado: sendo protecção total no momento de consumo, o custo para o utente é nulo o que gera oportunidade para usar em excesso. Caso a ida a uma urgência hospitalar tivesse custo zero é certo que haveria mais pessoas a recorrer a ela mesmo na presença de problemas menores. Duas situações seriam então possíveis – espera para atendimento ou aumento da oferta de serviços. No primeiro caso, verifica-se a imposição de um custo adicional, tempo de espera, a quem estiver doente. No segundo caso, cria-se um custo global para a sociedade, dado que é necessário recolher mais fundos para pagar a expansão dos serviços para acomodar a maior procura.
Ter uma taxa moderadora é, por isso, uma forma de reduzir a necessidade de fundos. Essa redução vem de se evitar a utilização quando o ganho de Saúde é praticamente nulo e em que apenas o custo seria significativo. Um cidadão tem vantagem em que exista taxa moderadora como forma de se auto-controlar no consumo de cuidados médicos.
Ou seja, a existência das taxas moderadoras é interessante do ponto de vista do desenho do sistema de Saúde porque poupa na utilização de recursos que geram pouco (ou nulo) benefício, e não por originar receita adicional.
Como ilustração, o conjunto dos grandes hospitais tem um custo unitário total de uma urgência, em 2004, de cerca de 160 euros (fonte: IGIF). Se o aumento actual na taxa moderadora para estes hospitais em 1,60 euros reduzir 2 em cada 100 urgências hospitalares, a poupança de custos via menos urgências seria dupla da receita adicional. E é de esperar que esta seja uma sub-avaliação grosseira – o custo de mais urgências pode ser consideravelmente superior ao valor médio; podem ser desviadas urgências para centros de Saúde e ao evitarem-se urgências desnecessários também se poupam testes e análises complementares de benefício nulo em termos de ganhos de Saúde.
O valor exacto da taxa moderadora depende da importância relativa que seja dada à protecção contra a eventualidade de ter de pagar por cuidados médicos necessários, por um lado, e evitar custos elevados para benefícios inexistentes, por outro lado.
Dos habituais argumentos contra as taxas moderadoras – maior dificuldade de acesso de grupos mais desfavorecidos e os custos de Saúde de uma barreira no acesso –, a evidência internacional sugere que a primeira preocupação é minorada com isenções (o que ocorre em Portugal) e que a segunda preocupação não tem sustentação real.
Por fim, para que as taxas moderadoras cumpram efectivamente o papel de moderação de utilização desnecessária dos serviços de saúde, é essencial que sejam efectivamente cobradas.
Será igualmente relevante que haja um seguimento (e sua divulgação) dos efeitos que esta medida produzirá (ou não), para que finalmente se conheça com rigor qual a sua utilidade como instrumento de política no sector da Saúde.
Em suma, embora a taxa moderadora seja uma barreira ao consumo, é-o também ao consumo desnecessário e inútil. Como este último tem de ser pago, é puro desperdício de recursos que todos temos de pagar. A escolha é entre pagar mais em caso de uma urgência ou pagar mais em impostos (ou outro tipo de contribuição) para financiar cuidados sem valor adicional em termos de ganhos de saúde. A maioria das posições expressas contra o princípio da taxa moderadora é sinal de pouca reflexão sobre o funcionamento do sector.
De forma simples, pela incerteza subjacente ao momento e montante das despesas em Saúde de cada um, procuram-se mecanismos de protecção contra essa incerteza. A protecção tem, porém, um custo associado: sendo protecção total no momento de consumo, o custo para o utente é nulo o que gera oportunidade para usar em excesso. Caso a ida a uma urgência hospitalar tivesse custo zero é certo que haveria mais pessoas a recorrer a ela mesmo na presença de problemas menores. Duas situações seriam então possíveis – espera para atendimento ou aumento da oferta de serviços. No primeiro caso, verifica-se a imposição de um custo adicional, tempo de espera, a quem estiver doente. No segundo caso, cria-se um custo global para a sociedade, dado que é necessário recolher mais fundos para pagar a expansão dos serviços para acomodar a maior procura.
Ter uma taxa moderadora é, por isso, uma forma de reduzir a necessidade de fundos. Essa redução vem de se evitar a utilização quando o ganho de Saúde é praticamente nulo e em que apenas o custo seria significativo. Um cidadão tem vantagem em que exista taxa moderadora como forma de se auto-controlar no consumo de cuidados médicos.
Ou seja, a existência das taxas moderadoras é interessante do ponto de vista do desenho do sistema de Saúde porque poupa na utilização de recursos que geram pouco (ou nulo) benefício, e não por originar receita adicional.
Como ilustração, o conjunto dos grandes hospitais tem um custo unitário total de uma urgência, em 2004, de cerca de 160 euros (fonte: IGIF). Se o aumento actual na taxa moderadora para estes hospitais em 1,60 euros reduzir 2 em cada 100 urgências hospitalares, a poupança de custos via menos urgências seria dupla da receita adicional. E é de esperar que esta seja uma sub-avaliação grosseira – o custo de mais urgências pode ser consideravelmente superior ao valor médio; podem ser desviadas urgências para centros de Saúde e ao evitarem-se urgências desnecessários também se poupam testes e análises complementares de benefício nulo em termos de ganhos de Saúde.
O valor exacto da taxa moderadora depende da importância relativa que seja dada à protecção contra a eventualidade de ter de pagar por cuidados médicos necessários, por um lado, e evitar custos elevados para benefícios inexistentes, por outro lado.
Dos habituais argumentos contra as taxas moderadoras – maior dificuldade de acesso de grupos mais desfavorecidos e os custos de Saúde de uma barreira no acesso –, a evidência internacional sugere que a primeira preocupação é minorada com isenções (o que ocorre em Portugal) e que a segunda preocupação não tem sustentação real.
Por fim, para que as taxas moderadoras cumpram efectivamente o papel de moderação de utilização desnecessária dos serviços de saúde, é essencial que sejam efectivamente cobradas.
Será igualmente relevante que haja um seguimento (e sua divulgação) dos efeitos que esta medida produzirá (ou não), para que finalmente se conheça com rigor qual a sua utilidade como instrumento de política no sector da Saúde.
Em suma, embora a taxa moderadora seja uma barreira ao consumo, é-o também ao consumo desnecessário e inútil. Como este último tem de ser pago, é puro desperdício de recursos que todos temos de pagar. A escolha é entre pagar mais em caso de uma urgência ou pagar mais em impostos (ou outro tipo de contribuição) para financiar cuidados sem valor adicional em termos de ganhos de saúde. A maioria das posições expressas contra o princípio da taxa moderadora é sinal de pouca reflexão sobre o funcionamento do sector.
Pedro Pita Barros, DE n.º 3839, 10.03.06
6 Comments:
Já conhecem a nova revista "Gestão & Saúde" editada aqui na P. de Varzim?
Excelente análise do PPB.
Há necessidade de implementar medidas que sustenham a procura desnecessária de cuidados de saúde.
Tenho dúvidas sobre a eficácia destes aumentos.
A desinquietação sobre esta matéria foi provocada pelo próprio ministro com o recado que decidiu enviar aos profissionais da Saúde com ameaças veladas de recurso ao financiamento através de co-pagamentos.
Daí as dúvidas suscitadas relativamente aos recentes aumentos das ditas taxas de moderadoras: moderação ou rampa de lançamento para os referidos co-pagamentos?
O futuro o dirá.
Todos sabemos que as alterações de preços ou de rendimento dos cidadãos tem efeitos directos na procura de bens de consumo.
Sendo a Saúde um bem especial não cremos que este aumento abrupto das taxas da urgência tenha a influência pretendida na procura de cuidados de saúde, afastando as falsas urgências.
Como os valores obtidos com este aumento também não são expressivos, o objectivo desta medida, tudo o indica, é a preparação do sistema de co-pagamentos tal como CC referiu no I Seminário sobre Financiamento Hospitalar em alternativa ao actual sistema de financiamentodo SNS.
A ver vamos.
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
PPB não tem razão. Penso que a moderação exercida pelo tempo e condições de espera nas urgências estará muito próxima do máximo a que se poderá ambicionar. Ou seja, neste contexto o aumento das taxas moderadoras apenas limitará o acesso aos que realmente precisam (ou sentem que precisam) de se deslocar a uma urgência. Deste modo, a poupança em cuidados desnecessários será praticamente nula, existindo apenas economia em cuidados úteis.
Podemos aliás fazer um raciocínio semelhante ao de PPB: se admitirmos que uma parte significativa dos cuidados não prestados (os tais 2%) levarem ao agravamento da condição existente, cujo tratamento ficará, por exemplo, 51% mais caro, então a tal receita adicional de 1,60 € por pessoa (160 € por cada 100) já não será suficiente para compensar o acréscimo de custos. Do mesmo modo, se em vez de 2% se evitarem 3% de cuidados necessários, bastará que o acréscimo de custos com os tratamentos chegue aos 34% para o aumento da taxa moderadora deixar de compensar...
De qualquer modo, e deixando de lado as fantasias contabilísticas, aumentar 23% uma taxa que deveria ser "tendencialmente gratuita" é, pura e simplesmente, desistir do conceito original de SNS, o que poderá ser legítimo e talvez até defensável, mas deveria ser assumido frontalmente.
Mais duas notas:
- O Ricardo tem toda a razão - esta medida é essencialmente uma manobra de preparação de espíritos;
- PPB é muito provavelmente o cidadão português que mais sabe de Economia da Saúde. O que não quer dizer que tenha sempre razão.
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