segunda-feira, junho 7

Propaganda SA

Sobre os esforços de manipulação da opinião pública do Ministro da Saúde. relativamente ao êxito da empresarialização dos Hospitais, inserimos neste "post" o excelente artigo de Manuel Villaverde Cabral:


Há uns dias, o ministro da saúde divulgou com pompa e circunstância os resultados de um inquérito da Universidade Nova de Lisboa sobre a qualidade apercebida dos novos Hospitais SA.
Os resultados do inquérito revelam elevada satisfação por parte dos utentes e daí pretendia o ministro tirar dividendos políticos com os Hospitais SA.
A operação não era inédita e não foi mais transparente do que a anterior.
Na realidade, o objectivo desta nova operação era legitimar a "gestão empresarial" dos hospitais públicos, com vista, seguramente, à sua futura privatização ou à entrega da gestão à iniciativa privada.
Os lisonjeiros resultados do inquérito serviam apenas para o ministro dar a entender que os Hospitais SA são melhores do que os outros e que isso se deve à "gestão empresarial".
Ora, nada disto se infere do inquérito apresentado, a cuja versão "power point" tive acesso. O que está em causa não é o inquérito. Pelo contrário. Embora curto e parcial, o inquérito parece excelente.
A prova é que os resultados são idênticos aos do estudo que eu próprio dirigi em 2001, por encomenda da Apifarma, e publicado sob o título "Saúde e doença em Portugal" (imprensa as Ciência Sociais, 2002, 300 páginas).
O que está em causa, portanto, é a manipulação da opinião pública feita pelo ministro da saúde. Com efeito, os resultados do inquérito apresentado só confirmam que não houve qualquer alteração significativa na avaliação que os utentes fazem dos hospitais públicos.
A criação dos Hospitais SA não mudou nada. Nem era de esperar que isso acontecesse no escasso período de três meses após a sua criação a que o inquérito se reporta.
Tão pouco surpreende a elevada satisfação revelada pelos utentes dos Hospitais SA. Como explicámos no nosso estudo de 2001, a avaliação subjectiva dos cuidados de saúde é inevitavelmente afectada por aquilo a que se chama, na literatura internacional, "the gratitude bias."
Este enviesamento da gratidão - explicado por um misto de vulnerabilidade física e psicológica dos doentes com o seu reconhecimento ante os profissionais de saúde - é tanto maior quanto mais grave foi a situação dos inquiridos.
Sendo assim, ao restringir o inquérito aos internamentos hospitalares, sem cobrir as consultas externas, a avaliação subjectiva dos utentes só podia ser alta, como já sucedia em 2001.
E não é por acaso que os hospitais que obtêm maior satisfação por parte dos utentes são as diversas unidades regionais do Instituto Português de Oncologia, onde são tratadas as patologias que maior preocupação inspiram à população, como também ficou patente no nosso estudo.
Repare-se que não estou a sugerir que a avaliação dos doentes seja meramente subjectiva. A reputação de excelência que o IPO tem é certamente merecida. O que estou a dizer é que a excelência não é de hoje nem se deve à transformação em Hospitais SA. Nem no IPO nem nos outros hospitais públicos, cujo "ranking" apresentado não tem qualquer validade técnica, pois a avaliação objectiva da qualidade dos cuidados de saúde não se faz deste modo.
E tão pouco é significativo o baixo número de reclamações, igual ao de 2001,apresentado pelo ministro como prova da eficiência dos Hospitais SA. Estamos, pois, ante um mero exercício de propaganda das pretensas virtudes da "gestão empresarial", que só pode enganar os incautos e prejudicar o futuro do sistema público de saúde!

Manuel Villaverde Cabral
Publicado no Diário de Notícias de
07 Maio de 2004.


Comentário:

Tal como sucedeu com a publicação do Relatório sobre o 1.º ano de actividade dos Hospitais SA, no qual se "maquilharam", deliberadamente, os dados de informação, também se pretendeu utilizar os resultados deste inquérito para apregoar as virtudes da empresarialização dos hospitais em curso.