segunda-feira, dezembro 20

Privatização da Saúde


1. - Apesar de extensa, SaudeSA decidiu publicar na integra a entrevista de Vasco de Mello à "Vida Económica", dado o seu grande interesse para a compreensão do projecto de privatização da rede de hospitais do SNS, levado a cabo pelo ministro da Saúde, Luís Filipe Pereira.
2. - A Entrevista: Introdução:
O Grupo José de Mello Saúde, quer ganhar quatro dos dez concursos para a construção dos novos hospitais que o Ministério da Saúde vai lançar em regime de parceria público-privada.
Em entrevista exclusiva à "Vida Económica" à margem de um seminário sobre "Parcerias público-privadas na Saúde: Que perspectivas?". Vasco Luís de Mello, administrador do grupo José de Mello Saúde, foi peremptório: apesar da "forte concorrência neste sector", "decidimos fixar um objectivo, ambicioso, que é ganhar quatro [concursos]". Para tal, contam com um consórcio de "empresas líder de mercado nas diferentes áreas",(fora o resto...) que trabalhará lado a lado com o grupo nestes projectos. "Só com esta metodologia é possível construir e dotar as infra-estruturas da qualidade e funcionalidade pretendidas", disse Vasco Luís de Mello à "Vida Económica".

- Vida Económica - Afirmou, na intervenção que proferiu durante o seminário "Parcerias público-privadas na Saúde: Que perspectivas?", que, de entre os 10 novos hospitais em regime de parceria público-privada que vão ser lançados pelo Ministério da Saúde, o grupo José de Mello Saúde espera ganhar quatro concursos para quatro novos hospitais. É assim efectivamente?


- Vasco Luís de Mello - Em primeiro lugar o que queremos é que o mercado se abra, que haja concorrência. O que pretendemos com a fixação deste objectivo é manifestar o nosso forte compromisso com o programa das PPP [parcerias público-privadas] e, por isso, acho que é importante fixarmos objectivos ambiciosos, e coerentes com o conhecimento e experiência do Grupo José de Mello Saúde.
- VE - Ganhar quatro concursos para quatro hospitais seria, no seu entender, atingir uma meta satisfatória?
- VLM - É uma meta. Ela tem o valor que tem. Como sabe, há hospitais mais pequenos e hospitais maiores. Não se trata de saber se ficamos satisfeitos. Nós vamos fazer o melhor possível. Temos consciência de que, em termos práticos, não vamos conseguir ganhar todos os concursos, como é evidente, e internamente decidimos fixar um objectivo, que consideramos ambicioso, que é ganhar quatro (concursos), mas, como sabe, há uma forte concorrência neste sector.
- VE - O grupo José de Mello Saúde está a constituir algum consórcio internacional para concorrer a estas parcerias?
- VLM - O nosso consórcio já está formado. No que diz respeito à parte clinica - penso que é a isso que se refere -, nós temos mantido contactos no sentido de haver transferência de ''know-how'' e de conhecimento na área clínica. Não necessitamos, para tal, de ter um parceiro de capital estrangeiro. E devo dizer-lhe que nós já tivemos no Hospital Amadora-Sintra, desde o início, um parceiro muito forte, que foi o Grupo Générale de Santé, e chegámos à conclusão de que, por muito bom que seja esse parceiro - e é o caso do Grupo Générale de Santé, que é dos maiores grupos europeus na área da Saúde -, a nossa realidade, a forma como nós trabalhamos e a forma como nós prestamos os cuidados de saúde em Portugal é extremamente diferente dos outros países. Podemos aprender, mas o que acho é que a contribuição de uma entidade estrangeira é diminuta.
- VE - A construção de raiz de um hospital envolve não só a parte clinica mas desde logo a construção do edifício e outras vertentes, como a manutenção dos equipamentos, a hotelaria, limpeza e outras. Com que parcerias irão funcionar nestas áreas?
- VLM - O consórcio é constituído por empresas líder de mercado nas diferentes áreas. Nós somos especialistas na prestação de cuidados de saúde, mas não sabemos construir. E, tanto na área da construção, com a Somague, a Edifer e a MSF, como na área da manutenção, com a Efacec, como na área da segurança, com a Prosegur, como na área do ''catering'', da hotelaria, com o Grupo Trivalor, nós fomos buscar os melhores parceiros do mercado em cada uma destas áreas.
- VE - Trata-se, portanto, de parcerias que já estão formadas, prontas a operar?
- VLM - Exactamente. Aliás, todos estes parceiros já participaram no projecto [do primeiro novo hospital em parceria público-privada] Escala Loures [cujo concurso está em fase de avaliação de candidaturas] e todos eles vão participar connosco nos próximos projectos. E é importante que eles estejam presentes desde o início porque, como nós temos de decidir, desde o sistema de alimentação ao sistema de limpeza, ao sistema de segurança, temos de pensar em introduzir o trabalho dessas empresas especializadas desde o início em que se está a conceber o hospital. Só com esta metodologia é possível construir e dotar as infra-estruturas da qualidade e funcionalidade pretendidas. Recurso a médicos e enfermeiros espanhóis
- VE - A escassez de meios humanos clínicos, quer médicos, quer enfermeiros em Portugal, é um facto incontestável. Com a construção destes novos hospitais, como pensam suprir essas carências? O recurso a médicos espanhóis é uma possibilidade?
- VLM - É uma possibilidade e ela já existe em vários hospitais SA, inclusive. E na área da enfermagem essa realidade ainda é muito mais acentuada, porque, felizmente para nós, em Espanha existe um excesso de profissionais na área da enfermagem e, para já, nós conseguimos superar essas necessidades. Agora o problema é que a distribuição etária, geográfica e por especialidades dos nossos médicos aqui em Portugal - penso que o problema se põe mais à parte médica - vai causar alguns problemas específicos em certas zonas do País e em certas especialidades. Na área da enfermagem já estão a ser lançados uma série de novos cursos nessa área e, como são cursos com duração de três anos, penso que vamos conseguir superar essa carência.
- VE - A transferência de algumas funções dos enfermeiros para outros profissionais de saúde nos novos hospitais PPP pode ser um expediente para solucionar a carência de enfermeiros?
- VLM - Esse é um problema mais de cariz laboral, que se prende com a celebração dos contratos de trabalho, e que eu não domino. A única coisa que consigo dizer em relação a isso é que faz sentido nós valorizarmos mais o trabalho de todos os profissionais de saúde. Acho, portanto, que era valorizante para esses profissionais dedicarem o seu trabalho a tarefas mais específicas da enfermagem e os enfermeiros serem auxiliados por auxiliares de acção médica, por exemplo. O certo é que as coisas também não se fazem de um dia para o outro. Por isso, é preciso apostar nessa classe [auxiliares de acção médica] para ela poder vir a ajudar a enfermagem. A nossa preocupação é, pois, no sentido de valorizar a enfermagem. Aliás, é uma coisa que se vê lá fora, onde as enfermeiras já não fazem certo tipo de tarefas. "O Estado tem também de dar o exemplo"
- VE - Não lhe parece aceitável que o Estado, ao construir de raiz 10 novos hospitais, queira assegurar o cumprimento de elevados padrões a esses níveis?
- VLM - É perfeitamente aceitável. Eu acho é que, neste caminho que se pede para seguir, o Estado tem também de dar o exemplo. Eu sei que não é fácil para o Estado dar o exemplo, mas penso que se devia tentar melhorar todo o Serviço Nacional de Saúde e não lançar alguns hospitais em particular e fazer com que esses sejam extraordinários. E tudo o resto? O que é que se faz com tudo o resto?
- VE - Entende essas exigências do Ministério da Saúde como um entrave?
- VLM - Não, não é um entrave. Eu acho que é o caminho certo. Agora o que acho também é que, numa parceria, tem de haver um objectivo comum, tem de haver interesses complementares e o espírito que nós vemos hoje nas parcerias ainda não é um espírito de grande parceria. Temos que conseguir ultrapassar uma certa desconfiança que existe sobre a iniciativa privada.
- VE - A Entidade Reguladora da Saúde pode ter um papel importante no sector da Saúde em Portugal?
- VLM - Sim, essencial. Essencial, não só na Saúde como noutras áreas, como na financeira, nas telecomunicações, de forma a acompanhar devidamente a abertura do sector.
- VE - Pode servir, então, para disciplinar o sector da Saúde em Portugal?
- VLM - Sim. E sobretudo para defender os direitos dos utentes.
- Comentários da SaudeSA:
a) - Este negócio fabuloso envolve, além das prestacóes de cuidados de saúde, também o fornecimento de outros serviços, adjudicados, até agora, através de Concursos Públicos, como alimentação, assistência técnica, limpeza, segurança, que passarão a ser assegurados pelas empresas pertencentes ao consórcio adjudicatário das parcerias (Trivalor).
b) - De assinalar o interesse do Vasco de Mello na criação do grupo dos auxiliares de enfermagem que consta, precisamente, do ACT proposto pelo Ministro da Saúde aos profissionais dos hospitais SA e que foi objecto de uma forte contestação por parte da ordem e sindicato dos enfermeiros.
c) - Extraordinária a revelação de Vasco de Mello de que não é necessário um parceiro estrangeiro para área de cuidados de saúde devido ao facto de em Portugal se trabalhar de forma muito diferente.
O que é que ele terá querido dizer? Que em Portugal se trabalha com menos qualidade? Não respreitando procedimentos internacionais? Pouco temos a aprender com o que se faz por essa Europa e USA quanto à prestação de cuidados. Fantástico! Basta lembrar os recentes episódios ocorridos no Amadora Sintra (encerramento da maternidade e a morte da pequena Raquel devido à troca de soros). Um mimo!
d) - Quanto aos recursos humanos para as novas unidades hospitalares também não é problema: Importam-se de Espanha, promovem-se auxiliares, arregimenta-se um batalhão de médicos tarefeiros, itinerantes país fora, e temos mais este problema resolvido. De estarrecer!
e) - Entidade reguladora da saúde? Venha ela que nós cá estamos para lhe dar a volta. Fornecemo-lhes uns telemóveis e uns PCs para poderem trabalhar e teremos assegurada a defesa dos utentes.
O que levará empresários deste calibre a investir na saúde?
Por certo negócios seguros, como os das parcerias, com contratos a trinta anos garantidos pelo estado.

7 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Será que o Campos fala pelo PS, ou será a sua velha propensão para a asneira. Esperemos que o Engenheiro não nos defraude
Entrevista do Campos ao DN - Negócios

"Dez hospitais novos são de mais"

A experiência da empresarialização dos hospitais é para continuar?

Sim. Não vamos agora passar uma borracha em cima de tudo o que se fez.

Mas é contra a criação de uma holding para os hospitais SA...

Sim. Ou temos uma holding ou hospitais autónomos. A vantagem dos hospitais SA é precisamente a de permitir autonomia na gestão. Devemos manter os hospitais, mas temos é de avaliar a experiência. Porque o Governo, infelizmente, não fez uma avaliação correcta. Embrulhou-se em propaganda desnecessária e hoje ninguém confia nos números do Governo sobre as contas dos hospitais SA. Tem de haver uma auditoria independente das contas. Sabemos que há hospitais que registaram como cirurgias injecções e curativos.

O próximo Governo deverá manter a lista de construção de 10 hospitais em regime de parcerias público-privadas?

É preciso rever essa lista, porque isso são hospitais a mais. Aqueles que estão na calha não se devem tocar. Estou a falar dos hospitais de Loures, Cascais, Sintra, Braga e Vila Franca de Xira. Agora, o da Guarda não é nada necessário. O de Évora pode esperar por melhores dias, assim como o do Algarve. Em compensação, aqui em Lisboa há, se calhar, vantagens económicas em transformar os velhos hospitais civis de Lisboa, S. José, Desterro, Capuchos, Santa Marta, Estefania e Curry Cabral num novo hospital. O que não se pode é voltar a fazer uma experiência como a de Loures, sem definir desde logo quais são os serviços que vão ser extintos noutros hospitais, para que aquele hospital abra. Loures, por exemplo, vai ter de absorver uma parte da Maternidade Alfredo da Costa, mais uma parte do Pulido Valente, mais uma parte de Santa Maria. Esse trabalho não está feito e tem de ser feito rapidamente.

É por questões financeiras que não se deve avançar com tantos hospitais?

Não necessariamente. É uma questão de prioridades. Temos de olhar para as zonas e ver onde são precisos hospitais novos, não é assim.

Então quem é que fez essa análise?

Foi o ministro Luís Filipe Pereira, que passou de quatro hospitais para dez, sem a correspondente análise. Os quatro que estavam definidos eram os da cintura norte de Lisboa Cascais, Sintra, Loures e Vila Franca de Xira. Foi a cedência a pressões de autarcas locais.

E o que defende para os centros de saúde? Também devem ter gestão privada?

Com certeza. Se temos hospitais concessionados, porque é que não havemos de ter centros de saúde com gestão privada? Geridos pelos próprios médicos ou por cooperativas. Isso está na Lei de Bases da Saúde, desde 1989. Nós temos de fazer experiências diversificadas.

Está na lei, mas a verdade é que ainda nunca foi feito. Se o PS vencer as eleições isso vai acontecer?

O que quero dizer é que não há argumentos constitucionais para impedir a gestão privada dos centros de saúde e não vale a pena pegarmos em tabus ideológicos. Não lhe vou dizer que os centros devem ser todos privatizados. Podem coexistir vários modelos.

12:15 da manhã  
Blogger xavier said...

Agradecemos o texto do Correia de Campos.
Pelos vistos já temos ministro!

1:12 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Chegou a hora dos patos bravos arribarem à Saúde.

1:30 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Correia de Campos não disse o que deveria ter dito. O projecto das parcerias prossegue mas sem a adjudicação das prestações de cuidados. Assim, estamos na mesma. Querem ver que vamos ter mais um Luís Filipe Pereira disfarçado de socialista!

11:51 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Não sei se já está decidido que, caso o PS ganhe as eleições, Correia de Campos seja o próximo ministro da Saúde.
O certo é que, CC tem intensificado, ultimamente, as suas intervenções nos órgãos de comunicação social.
Das duas uma: ou se trata de preparar o terreno para quando chegar a hora do exercício do cargo já ter a opinião pública preparada para a sua política ou a sua intenção é chamar a atenção para ser lembrado quando chegar a hora de decidir quem será o próximo ministro da saúde.
Correia de Campos acompanhou a visita de Sócrates ao Hospital Universitário de Coimbra.
Quanto a mim a primeira hipótese é a mais plusível.

12:06 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Como é que um empresário com as responsabilidades do senhor VLM cai na asneira de dar entrevistas a falar de matérias que não domina.
Se ele se limitasse a falar da engenharia financeira do empreendimento, das metas da empresa, tudo bem. Mas VLM aventura-se por caminhos inóspitos para os seus parcos conhecimentos da área da saúde:
- planeamento dos recursos da saúde: enfermeiros, médicos. O que ele diz sobre este tema é absolutamente disparatado.
- Criação da carreira de auxiliares de acção médica. Certamente para poupar em horas de trabalho de enfermagem.
- Sobre a forma diferente de trabalhar dos profissionais da Saúde em Portugal para justificar o facto de o seu consórcio não apresentar ao concurso das parcerias um parceiro para a área da prestaçãop de cuidados. O que ele devia era ser excluído do concurso.

2:49 da tarde  
Blogger Clara said...

Xavier já anteriormente analisámos profundamente
este problema das parcerias da Saúde.
As PPP constituem um objectivo estratégico para mudar a matriz das relações de trabalho dos profissionais de saúde do SNS. Representam um "by pass" às organizações de classe e uma tentativa de criar um novo sistema de prestadores privadas regulamentadas e dirigidas pelo emergente sector privado. Trata-se de deslocar o campo de batalha para novos terrenos onde o chamado "poder médico" poderá, mais facilmente, ser batido.
Isto enquadra-se naquela análise que considera que os profissionais da Saúde utilizam em certa medida o sistema de saúde em benefício próprio, criando um conjunto de privilégios extremamente difíceis de controlar.
Um abraço

4:12 da tarde  

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