Política de Saúde - do que não gosto
1. Todos lembramos ainda o ruído provocado pela implantação de um sistema de identificação bio métrica no Hospital Pedro Hispano. Agora (Ver Post de 28.01.2007 “Os gestores do dinheiro público”), o Dr. CCA, presidente APMCH, mas, reclamadamente “enquanto cidadão médico”, declara-se chocado porque o M.S. vai gastar “40 milhões de euros. Que é quanto vai custar o tal sistema informático para marcar consultas, como se as marcações não se fizessem agora, sem quaisquer problemas”. Montantes à parte (porque não possuo informação que os confirme), o que há de comum nestas duas medidas? O facto de serem duas boas medidas, apresentadas (com base no que foi audível) como medidas avulsas, sem que se mostre a sua inserção, o seu contributo e necessidade para a concretização de objectivos estratégicos da política de saúde, ela própria carecida de mais esclarecedora divulgação, já que a respectiva definição não pode arrogar-se do grau de participação que teria sido desejável. Ao permitir que cheguem aos cidadãos, médicos ou não médicos, de forma desgarrada (e, tantas vezes, precipitada e sincopada para não dizer adulterada) está a passar-se o convite da sua apreciação nos mesmos termos, também limitada ao seu conteúdo concreto, esquecendo que devem ser vistas como instrumentais em ordem a objectivos mais amplos dos quais retiram a sua validade, justificação e prioridade.
2. Um dos erros cometidos ao longo dos últimos trinta anos (não valerá a pena ir mais atrás) foi o divórcio completo entre as carreiras do pessoal da saúde e respectivas remunerações, por um lado, e a produtividade do mesmo pessoal, pelo outro. As melhorias remuneratórias foram sempre decididas como resposta a processos reivindicativos e nunca ligadas a qualquer exigência de produtividade ou a qualquer outro factor representativo de mérito, já que a exigência de submissão a concursos tem de ser entendida sem exceder o que, na realidade, eles são. Por isso, entendo que LFP e CC andaram muito bem em não avançar com a fixação das chamadas remunerações variáveis, que a lei já permite mas para cuja implementação, com sentido útil, não estão ainda criadas condições. Se tivessem avançado sem mais, o único resultado que poderiam esperar atingir teria sido o de acrescentar ao desperdício o montante que viriam a despender, esterilizando uma medida estratégica que poderá ter influência importante na mudança sentida como necessária no âmbito do SNS (e não só).
3. Tanto quanto pude apreender entre o ruído produzido, o sistema de identificação bio métrica no Hospital Pedro Hispano foi apresentado como processo de controlo da presença física de todo o pessoal, incluindo, portanto, os médicos que, a justo título, todos consideramos o grupo profissional liderante e condicionador de qualquer mudança no âmbito da saúde. Parece-me, porém, evidente que os objectivos pretendidos vão muito além do simples controlo da presença física. Se não fosse assim, até seria dificilmente aceitável que nesse controlo – que, por si só, nada produz e nada garante – se investisse tanto. Bastaria recorrer ao tradicional picar do ponto. Num contexto de informatização global, modelo para o qual todos os HH caminham, um sistema de identificação bio métrica, é isso mesmo, ou seja, um processo simples e fiável de identificar a qualquer hora os estatutos das pessoas que prescrevem, que executam prescrições, que fazem consultas, tratamentos ou outras intervenções, em resumo: que praticam qualquer um da multiplicidade de actos em que se desdobra a actividade profissional no Hospital ou noutro contexto.
4. Mas este saber quem fez o quê vai no sentido de exigir e responsabilizar? Claro que vai. Como defenderíamos a desresponsabilização? Mas não só. Tratando-se, no fundo, da criação de um processo clínico electrónico:
- vai possibilitar a acessibilidade da informação do doente para qualquer dos utilizadores autorizados, a qualquer hora e em qualquer área do Hospital (Internamento, CE, CA, HD, SU) e mesmo fora dele (C.S., M.F.), de acordo com as regras que sejam definidas;
- vai garantir a segurança da própria informação clínica, porque só serão guardadas informações autenticadas com assinatura de alguém identificado e reconhecido como competente para o acto em causa;
- facilitará a implementação e o cumprimento por todos os profissionais dos protocolos clínicos, que os clínicos definirem e aprovarem, exigindo justificação explícita para os desvios que, no caso concreto, entendam necessários;
- poderá apoiar o Hospital ou o profissional cuja responsabilidade esteja a ser exigida, designadamente perante os Tribunais, facultando-lhes prova fácil da actividade desenvolvida no caso concreto;
- vai facilitar e possibilitar a recolha de informação, para fins de investigação, clínicos ou meramente administrativos, como facturação ou processamento de remunerações.
O que está, o que deverá estar em causa, é, pois, muito mais que um controlo meramente burocrático, carecendo de ser entendido numa base muito mais ampla. No fundo: inserido numa estratégia. Se o não for, perde consistência.
5. Considerações semelhantes seriam, a meu ver, pertinentes a propósito da aquisição do “tal sistema informático para marcar consultas”. Não estou convencido da suficiência afirmada por AAC sobre o processo actual de marcação das consultas. Mas creio que o próprio CCA o não estaria se tivesse visto essa decisão como fazendo parte de uma estratégia definida e claramente divulgada. Mas, quando Deus quer, a culpa não é dele ou não será só dele.
AIDENÓS
2. Um dos erros cometidos ao longo dos últimos trinta anos (não valerá a pena ir mais atrás) foi o divórcio completo entre as carreiras do pessoal da saúde e respectivas remunerações, por um lado, e a produtividade do mesmo pessoal, pelo outro. As melhorias remuneratórias foram sempre decididas como resposta a processos reivindicativos e nunca ligadas a qualquer exigência de produtividade ou a qualquer outro factor representativo de mérito, já que a exigência de submissão a concursos tem de ser entendida sem exceder o que, na realidade, eles são. Por isso, entendo que LFP e CC andaram muito bem em não avançar com a fixação das chamadas remunerações variáveis, que a lei já permite mas para cuja implementação, com sentido útil, não estão ainda criadas condições. Se tivessem avançado sem mais, o único resultado que poderiam esperar atingir teria sido o de acrescentar ao desperdício o montante que viriam a despender, esterilizando uma medida estratégica que poderá ter influência importante na mudança sentida como necessária no âmbito do SNS (e não só).
3. Tanto quanto pude apreender entre o ruído produzido, o sistema de identificação bio métrica no Hospital Pedro Hispano foi apresentado como processo de controlo da presença física de todo o pessoal, incluindo, portanto, os médicos que, a justo título, todos consideramos o grupo profissional liderante e condicionador de qualquer mudança no âmbito da saúde. Parece-me, porém, evidente que os objectivos pretendidos vão muito além do simples controlo da presença física. Se não fosse assim, até seria dificilmente aceitável que nesse controlo – que, por si só, nada produz e nada garante – se investisse tanto. Bastaria recorrer ao tradicional picar do ponto. Num contexto de informatização global, modelo para o qual todos os HH caminham, um sistema de identificação bio métrica, é isso mesmo, ou seja, um processo simples e fiável de identificar a qualquer hora os estatutos das pessoas que prescrevem, que executam prescrições, que fazem consultas, tratamentos ou outras intervenções, em resumo: que praticam qualquer um da multiplicidade de actos em que se desdobra a actividade profissional no Hospital ou noutro contexto.
4. Mas este saber quem fez o quê vai no sentido de exigir e responsabilizar? Claro que vai. Como defenderíamos a desresponsabilização? Mas não só. Tratando-se, no fundo, da criação de um processo clínico electrónico:
- vai possibilitar a acessibilidade da informação do doente para qualquer dos utilizadores autorizados, a qualquer hora e em qualquer área do Hospital (Internamento, CE, CA, HD, SU) e mesmo fora dele (C.S., M.F.), de acordo com as regras que sejam definidas;
- vai garantir a segurança da própria informação clínica, porque só serão guardadas informações autenticadas com assinatura de alguém identificado e reconhecido como competente para o acto em causa;
- facilitará a implementação e o cumprimento por todos os profissionais dos protocolos clínicos, que os clínicos definirem e aprovarem, exigindo justificação explícita para os desvios que, no caso concreto, entendam necessários;
- poderá apoiar o Hospital ou o profissional cuja responsabilidade esteja a ser exigida, designadamente perante os Tribunais, facultando-lhes prova fácil da actividade desenvolvida no caso concreto;
- vai facilitar e possibilitar a recolha de informação, para fins de investigação, clínicos ou meramente administrativos, como facturação ou processamento de remunerações.
O que está, o que deverá estar em causa, é, pois, muito mais que um controlo meramente burocrático, carecendo de ser entendido numa base muito mais ampla. No fundo: inserido numa estratégia. Se o não for, perde consistência.
5. Considerações semelhantes seriam, a meu ver, pertinentes a propósito da aquisição do “tal sistema informático para marcar consultas”. Não estou convencido da suficiência afirmada por AAC sobre o processo actual de marcação das consultas. Mas creio que o próprio CCA o não estaria se tivesse visto essa decisão como fazendo parte de uma estratégia definida e claramente divulgada. Mas, quando Deus quer, a culpa não é dele ou não será só dele.
AIDENÓS
8 Comments:
Emprenhando George Orwell e a aguardar o nascimento do Hospital Big Brother...
Sem masi palavras. Subscrevo, sem reservas o que o Aidenós refere como aspectos positivos das medidas de informatização em curso. Aliás tais medidas só pecam por tardias e foram iniciadas em alguns HH SA's.
Falta saber, porém, se estão a ser prosseguidos princípios correctos sob o ponto de vista da sua aquisição e custos. E parece que "às vezes não".
O guerrilheiro do JMS adora trocadilhos.
O texto do CCA, director de serviço, dirigente associativo, é o exemplo do do tipo de intervenção rasteirinha a explorar o sentimento dos pacatos cidadãos, com base no diz que diz, sem preocupação de fundamentar os factos apresentados, ao arrepio da informação da Saúde disponível.
Trata-se de um texto de intervenção política ao estilo do que de mais barato se faz entre nós.
Pretender controlar a assiduidade, e a produção das consultas externas, é demais. Um perigo capaz de minar o poder corporativo da classe. Há que combater estas veleidades do ministro, cavalgando a onda de descontentamento da populaça.
Subscrevo o texto do Aidenós.
O texto de CCA é totalmente populista. Aliás, uma parte muito significativa dos profissionais do SNS "dá" aos HH muito mais horas do que aquilo a que seria obrigado. Nesse aspecto até aguardo com alguma curiosidade o efeito desta medida.
Penso que a principal virtude da governação de CC parece ser a estratégia (mediaticamente discreta mas aparentemente bem orientada) de promover os sistemas de informação em Saúde dignos desse nome.
Nesta luta penso que CC merece o nosso apoio.
Decididamente o Aidenós é a nova estrela emergente da SaudeSA.
Análise certeira, exposição acessível, escrita escorreita.
Uma grande capacidade de análise dos temas da Saúde.
Mais um AH a caminho do MS ?
É que sempre que alguém brilha na Saudesa o ministro da saúde aproveita logo.
Subscrevo o que aqui tem sido escrito sobre o texto do CCA, mas meus amigos porquê só agora? O que têm andado a fazer os nossos administradores dos nossos HH que, no minimo, foram complacentes com o estado a que os HH chegaram. Não têm o minimo de poder sobre as consultas que se dão, sobre os dias de internamento, o numero de cirurgias,o numero de urgências, o horário do pessoal, etc, etc
Não têm qualquer infuência sobre quem produz o quê, nem quando, nem como, nem aonde. O que pretendem administrar/gerir então?
E não há nada nos sistemas informáticos dos HH para a formação e educação?
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