Os gestores do dinheiro público
Sou apenas médico, chefe de serviço da carreira hospitalar, director de um serviço, ninguém me atribuiu o título de ‘gestor’ e nem isso me preocupa, dado o carácter pelo menos dúbio que essa designação ganhou nos nossos dias no nosso país. Limito-me a gerir o serviço onde trabalho, mas vou apreciando o trabalho de colegas que, também sem terem adquirido, por uma qualquer nomeação ou curso, aquele epíteto, gerem com muito êxito empresas de prestação de cuidados médicos. Não somos ‘gestores’, mas como cidadãos temos a possibilidade e a capacidade de apreciar os resultados das várias gestões públicas, sobretudo na área da saúde, enquanto cidadãos médicos, habituados por isso a fazer e a entender a gestão clínica (que se vai agora chamando «clinical governance»). Das instituições de saúde. São na realidade os médicos quem pode saber profundamente o que faz falta e o que não faz, o que é imprescindível para uma boa medicina a um baixo custo, onde se pode poupar e onde é necessário investir em recursos humanos e materiais para ter os melhores resultados a curto, médio e longo prazo, na certeza de que a medicina que fica mais barata é a boa medicina.
A obsessão constante do Ministério tem sido gastar o menos possível com a saúde, o que se tem reflectido - diga o senhor ministro o que disser aos órgãos de comunicação social - numa redução também quantitativa e qualitativa, dos cuidados de saúde oferecidos e prestados às populações doentes. Que cada vez têm que percorrer mais quilómetros, perder mais tempo e gastar mais dinheiro em transportes para serem observadas por um médico. As equipas médicas hospitalares foram diminuídas, sendo em várias situações os doentes recebidos e seguidos por pessoal sem a devida qualificação. Os enfermeiros, os técnicos e os auxiliares de acção médica escasseiam. A introdução de medicamentos novos é proibida, o uso de técnicas terapêuticas e de diagnóstico mais modernas criticado por serem dispendiosas. Os médicos são aconselhados a reduzir consultas e a limitarem o número de intervenções cirúrgicas. E não são pagos pelo valor da hora extraordinária como deviam ser, tendo o Governo ido ao ponto de alterar uma lei sua só para não pagar o que devia pagar. Assim todos os devedores o pudessem fazer… Enfim, um esforço titânico e inventivo, acima de tudo para poupar dinheiro, invocando sempre a apregoada falta de sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde.
Mas eis senão quando se anunciam gastos sumptuários (milhões de euros) com sistemas informáticos vários, de natureza administrativa, que seriam eventualmente de alguma utilidade se não estivéssemos num país em que se questiona a própria sustentabilidade da assistência médica aos cidadãos por parte do Governo. Sistemas informáticos que não deveriam ter qualquer prioridade de aquisição, porque os doentes são vistos e tratados igualmente sem eles, porque há países muito mais evoluídos e ricos do que nós que não os possuem nos seus hospitais. Somos os mais avançados do mundo nestes «gadgets» informáticos administrativos, mas depois questiona-se, por exemplo, e por razões económicas, o uso de «stents» medicamentosos em doentes coronários… Não é espantoso?!
E tudo o que o Ministério conseguiu poupar, pelo racionamento imposto em 2006, parece não ter chegado, pois o senhor ministro já anunciou para 2007 cortes nos funcionários da saúde num total de 40 milhões de euros. Que é quanto vai custar o tal sistema informático para marcar consultas, como se as marcações não se fizessem agora, sem quaisquer problemas.
Que em termos de gestão de um orçamento deficitário isto nos choca, choca. Principalmente porque esse orçamento trata acima de tudo da saúde das populações.
Mas se calhar sou eu a falar, que não sou gestor, sou apenas médico.
Carlos Costa Almeida, presidente APMCH, expresso 27.01.06
A obsessão constante do Ministério tem sido gastar o menos possível com a saúde, o que se tem reflectido - diga o senhor ministro o que disser aos órgãos de comunicação social - numa redução também quantitativa e qualitativa, dos cuidados de saúde oferecidos e prestados às populações doentes. Que cada vez têm que percorrer mais quilómetros, perder mais tempo e gastar mais dinheiro em transportes para serem observadas por um médico. As equipas médicas hospitalares foram diminuídas, sendo em várias situações os doentes recebidos e seguidos por pessoal sem a devida qualificação. Os enfermeiros, os técnicos e os auxiliares de acção médica escasseiam. A introdução de medicamentos novos é proibida, o uso de técnicas terapêuticas e de diagnóstico mais modernas criticado por serem dispendiosas. Os médicos são aconselhados a reduzir consultas e a limitarem o número de intervenções cirúrgicas. E não são pagos pelo valor da hora extraordinária como deviam ser, tendo o Governo ido ao ponto de alterar uma lei sua só para não pagar o que devia pagar. Assim todos os devedores o pudessem fazer… Enfim, um esforço titânico e inventivo, acima de tudo para poupar dinheiro, invocando sempre a apregoada falta de sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde.
Mas eis senão quando se anunciam gastos sumptuários (milhões de euros) com sistemas informáticos vários, de natureza administrativa, que seriam eventualmente de alguma utilidade se não estivéssemos num país em que se questiona a própria sustentabilidade da assistência médica aos cidadãos por parte do Governo. Sistemas informáticos que não deveriam ter qualquer prioridade de aquisição, porque os doentes são vistos e tratados igualmente sem eles, porque há países muito mais evoluídos e ricos do que nós que não os possuem nos seus hospitais. Somos os mais avançados do mundo nestes «gadgets» informáticos administrativos, mas depois questiona-se, por exemplo, e por razões económicas, o uso de «stents» medicamentosos em doentes coronários… Não é espantoso?!
E tudo o que o Ministério conseguiu poupar, pelo racionamento imposto em 2006, parece não ter chegado, pois o senhor ministro já anunciou para 2007 cortes nos funcionários da saúde num total de 40 milhões de euros. Que é quanto vai custar o tal sistema informático para marcar consultas, como se as marcações não se fizessem agora, sem quaisquer problemas.
Que em termos de gestão de um orçamento deficitário isto nos choca, choca. Principalmente porque esse orçamento trata acima de tudo da saúde das populações.
Mas se calhar sou eu a falar, que não sou gestor, sou apenas médico.
Carlos Costa Almeida, presidente APMCH, expresso 27.01.06
Depois do artigo de JMS no "Jornal Público", é a vez de CCA, confessar-se chocado com os gastos sumptuários em «gadgets» informáticos administrativos, como lhe chama, a contrastar com outras decisões economicistas impostas por CC ao pessoal da saúde. CCA justifica a indignação com a defesa da saúde das populações. Como de costume. Um responsável pela "clinical governance", baralhado com as prioridades.
8 Comments:
Xavier:
Pode-me enlencar uma lista de prioridades onde a "defesa da saúde das populações" não figure à cabeça?
Dotar o SNS de sistemas de informação fiável não contribuirá para melhorar o atendimento dos doentes? Melhorando assim a saúde das populações? (redução dos tempos de espera, marcações no próprio dia, telemedicina).
Estas intervenções revelam que as medidas de CC estão a mexer com os interesses instituídos.
Por outro lado, CC precisa de ter apoio maioritário da classe médica para ter êxito com a sua reforma.
Entre muitas, duas questões explicitamente expostas por CCA não podem continuar a ser iludidas:
"...A introdução de medicamentos novos é proibida, o uso de técnicas terapêuticas e de diagnóstico mais modernas criticado por serem dispendiosas. Os médicos são aconselhados a reduzir consultas e a limitarem o número de intervenções cirúrgicas..."
e, mais adiante:
" ...questiona-se, por exemplo, e por razões económicas, o uso de «stents» medicamentosos em doentes coronários…"
Informação fiável sim! Todavia, as pessoas primeiro.
Um quebra-cabeças nas prioridades pré-estabelecidas nos gabinetes.
João Pedro:
De facto, torna-se cada vez mais difícil um médico escrever sobre saúde. Aparecerá algum vigilante de serviço a anatemizá-lo.
Vejamos a sua afirmação:
"Quanto aos "stents" basta comparar os nossos consumos com os da vizinha Espanha para concluirmos como é disparatada esta afirmação."
Ora bem. Os stents metálicos têm sido progressivamente substituídos pelos stents libertadores de medicamentos com evidência de múltiplas vantagens para os últimos. Embora os novos "stents" sejam mais caros que os procedimentos alternativos melhoram a qualidade de vida ajustada do doente. Em todos os doentes mas com especial realçe nos doentes diabéticos. A evidencia clínica dos resultados não é contestada. Os custos dos stents libertadores de medicamentos é que são o busílis.
Espanha, por diversas questões, nomeadamente o reembolso, introduziu esta técnica mais tarde. Em 2002 a percentagem de uso era residual (4%).
Entretanto, em conformidade com os benefícios ou custos/benefícios, verificou-se uma forte tendência para o seu crescente uso. A qualidade dos cuidados passa por aí.
De 2002 a 2005, a taxa de utilização, em Espanha, cresceu 15 x (quinze vezes!), enquanto que, em Portugal, duplicou.
Estas tendências de crescimento, dispares, coincidem com a crise e/ou recessão económica em Portugal e a politica de contenção orçamental do governo português.
As dificuldades enunciadas por CCA poderão não ser tão demagógicas ou "disparatadas", como lhe chama.
Como estamos em análise comparativa com Espanha falta descortinar as verdadeiras causas da "travagem" de crescimento em Portugal.
Joãopedro:
No tal slide nº. 13 estará visível o que afirmo no comentário anterior:
"De 2002 a 2005, a taxa de utilização, em Espanha, cresceu 15 x (quinze vezes!), enquanto que, em Portugal, duplicou."
E, a partir daí, posso tirar as ilações que entender.
Claro que o slide pode ter outras leituras. Como p. exº. que a taxa de utilização portuguesa, em 2005 foi ainda ligeiramente superior à espanhola.
Mas se eu partir de Valença em direcção ao Algarve é natural que possa estar atrasado em relação a quem partiu de Beja. Neste caso ligeiramante. O caminhante de Valença está a andar mais rápido.
Terá menos obstáculos!
Este pessoal o que quer é continuar em roda livre. Tudo à lá garder. Ao molho e fé em Deus. Ao sabor do improviso. E muito sentimento. Em defesa dos doentinhos.
A guerra das agendas de marcação de consultas nos HHs é das mais antigas. A gestão dos tempos de consulta nos CSP tem sido impossível por falta de informação.
Ai daqui del rei que vem aí mais um equipamento electrónico para nos controlar!
Com esta forma de estar, com esta cultura de gestão, com esta malta, não vamos lá.
Depois há a ladaínha de queixumes, suspiros e ais, cumplicidades com os que queiram aderir a esta causa do deixa estar tudo como está, porque está muito bem.
Valha-nos Santa Engrácia.
Joãopedro:
"Aonde é que está a travagem de Portugal?"
- A "travagem" é referida num contexto comparativo e relativo: nesse espaço de tempo houve diferentes ritmos de crescimento.
"A Espanha partindo de um baixo crescimento em 2002 teria que crescer mais nesta série, naturalmente."
- A Espanha em 2002 partiu de uma baixa taxa de utilização (não de um baixo crescimento) para colocar-se numa posição próxima de Portugal. Recuperou. Aqui é notório que não houve bloqueios.
Por último, ainda não percebi se as taxas de crescimento que indiquei,referentes aos 4 anos do estudo de Correia da Cunha, estavam erradas. Passar de 4 para 64% não é crescer 15 x ?
Não vale a pena evocar o Carmo e a Trindade (Xavier, do semmisericórdia, tonitosa, aidenós, clara,vivóporto, vladimiro, guidobaldo, peliteiro,...).
Eu nunca coloquei em causa a seriedade dos seus comentários. Discordei, tenho outras leituras e exponho. O ciberespaço é, na minha concepção, praticamente ilimitado.
Senão tornar-se-ia numa decadente tertúlia.
Agora, quando não gosta, ou não concorda, é, logo,... "doses massiças de ignorância"..., "a roçar a desonestidade"..., etc. É o vício da rotulagem.
Por fim, não se auto-elogie. Deixe que sejam os "outros" a reconhecer-lhe o valor. Que terá com certeza!
Não vale a pena estar a apelar à compreensão dos dirigentes médicos pois para além de não terem, em geral, sido preparados para gerir (atigem cargos de gestão apenas por antiguidade), também não estão interessados em contribuir para que as coisas funcionem, desde que não seja a seu favor.
tudo o mais não passa de folclore e de "poder" sobre os "doentinhos" que felizmente para eles não se acabam.
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