Prevenção, educação sexual
Há algum tempo atrás, Helena Matos, uma cronista de um dos maiores diários portugueses, afirmava que o sexo é uma “matéria dos amantes” e não uma matéria escolar. Mais referia que, as tentativas de integrar o sexo na vida escolar, resultaram sistematicamente em tentativas de manipulação e controlo moral das crianças e jovens.
Esta crença, em parte verdadeira, é bastante frequente: a de que a sexualidade se aprende e se deve aprender – como sempre aconteceu – na própria vida quotidiana e nas interacções amorosas e que, neste processo, a intervenção de profissionais é desnecessária e mesmo indesejável.
No seu início, a ideia da educação sexual surgiu como uma reacção ao conservadorismo moral e ao silêncio a que as questões sexuais estavam votadas neste modelo moral. A ideia, era que, face ao silêncio das famílias e da sociedade, era preciso que os profissionais agissem e abordassem estas questões com os jovens, num processo com uma ampla vertente de esclarecimento e de libertação pessoais.
Tal necessidade foi também fundamentada nas questões da prevenção da gravidez não desejada e, já nos anos 90, na questão da SIDA. A educação sexual era vista, numa perspectiva de saúde, como um factor de prevenção das doenças. A educação sexual profissionalizada, foi assim frequentemente definida pela negativa e em alternativa ao papel que outros agentes de socialização não podiam ou não queriam realizar.
No entanto, e como é sabido, nas últimas décadas do século XX operou-se nas sociedades ocidentais um conjunto de transformações profundas e aceleradas nos valores, normas e práticas sociais sobre as questões da sexualidade (Vilar, 2003).
O modelo reprodutivo, que limitava no plano moral as expressões da sexualidade aos campos das práticas reprodutivas, do matrimónio e da heterossexualidade, deu lugar a um modelo “recreativo” em que a sexualidade é vista essencialmente como uma dimensão lúdica da vida.
Esta dimensão lúdica é entendida no seu sentido mais global, ou seja, não só como a necessidade de satisfação física da “fome sexual” ou da descarga energética de que nos falavam Freud ou Reich, mas como um campo de expressão da totalidade humana – corpo, emoções, desejos, fantasias, significações e relacionamentos.
A sexualidade deixou de ser um terreno privilegiado de controlo social, tal como foi descrito por Michel Foulcault (1976) para ser sobretudo um terreno de construção individual onde a diversidade parece imperar.
Como refere também Michel Bozon (2002: 31), “Na sexualidade contemporânea, a procriação não ocupa mais do que um espaço reduzido e marginal.
A sexualidade aparece mais como uma experiência pessoal, fundamental na construção do sujeito, no centro de um domínio que se desenvolveu e ganhou um peso considerável ao longo dos séculos, a esfera da intimidade e da afectividade.
O repertório sexual alargou-se, as normas e trajectórias da vida sexual diversificaramse, os saberes e as representações da sexualidade multiplicaram--se”.
Não que tenha desaparecido o controlo social sobre a sexualidade mas, na nossa sociedade, ele opera-se sobretudo na delimitação dos comportamentos extremos e que são considerados desviantes ou criminosos, como por exemplo a pedofilia e não nos comportamentos individuais.
Fora estes problemas específicos, a sexualidade é hoje socialmente considerada uma área fundamentalmente de expressão íntima dos indivíduos e dos casais, devendo ser preservada, por isso, dos ditames morais do meio social envolvente.
Este conjunto de mudanças que descrevemos reflectiram-se naturalmente em todos os actores e processos e condições de socialização. De forma resumida, podemos dizer que uma das características típicas da vivência da sexualidade na modernidade tardia é a modificação radical dos contextos comunicacionais em que ela ocorre, no sentido de uma multiplicação e quase saturação de mensagens sobre os “temas sexuais”.
De facto, a sexualidade deixou de ser um tabú.
Ao contrário dos universos fechados e erotofóbicos típicos de épocas anteriores, vivemos hoje uma época de permissividade em matéria de normas de moral sexual (Reiss, 1990) e, portanto, a educação sexual informal e espontânea é actualmente mais fácil e fluente.
Por isso, e face ao processo de liberalização das normas sociais relativas à sexualidade, e face ao lugar central que as questões sexuais ocupam nos universos mediáticos da modernidade, algumas vezes, como no caso já referido, vemos surgirem posições que questionam e subvalorizam a actual necessidade da educação sexual intencional.
Duarte Vilar , Sociólogo
Esta crença, em parte verdadeira, é bastante frequente: a de que a sexualidade se aprende e se deve aprender – como sempre aconteceu – na própria vida quotidiana e nas interacções amorosas e que, neste processo, a intervenção de profissionais é desnecessária e mesmo indesejável.
No seu início, a ideia da educação sexual surgiu como uma reacção ao conservadorismo moral e ao silêncio a que as questões sexuais estavam votadas neste modelo moral. A ideia, era que, face ao silêncio das famílias e da sociedade, era preciso que os profissionais agissem e abordassem estas questões com os jovens, num processo com uma ampla vertente de esclarecimento e de libertação pessoais.
Tal necessidade foi também fundamentada nas questões da prevenção da gravidez não desejada e, já nos anos 90, na questão da SIDA. A educação sexual era vista, numa perspectiva de saúde, como um factor de prevenção das doenças. A educação sexual profissionalizada, foi assim frequentemente definida pela negativa e em alternativa ao papel que outros agentes de socialização não podiam ou não queriam realizar.
No entanto, e como é sabido, nas últimas décadas do século XX operou-se nas sociedades ocidentais um conjunto de transformações profundas e aceleradas nos valores, normas e práticas sociais sobre as questões da sexualidade (Vilar, 2003).
O modelo reprodutivo, que limitava no plano moral as expressões da sexualidade aos campos das práticas reprodutivas, do matrimónio e da heterossexualidade, deu lugar a um modelo “recreativo” em que a sexualidade é vista essencialmente como uma dimensão lúdica da vida.
Esta dimensão lúdica é entendida no seu sentido mais global, ou seja, não só como a necessidade de satisfação física da “fome sexual” ou da descarga energética de que nos falavam Freud ou Reich, mas como um campo de expressão da totalidade humana – corpo, emoções, desejos, fantasias, significações e relacionamentos.
A sexualidade deixou de ser um terreno privilegiado de controlo social, tal como foi descrito por Michel Foulcault (1976) para ser sobretudo um terreno de construção individual onde a diversidade parece imperar.
Como refere também Michel Bozon (2002: 31), “Na sexualidade contemporânea, a procriação não ocupa mais do que um espaço reduzido e marginal.
A sexualidade aparece mais como uma experiência pessoal, fundamental na construção do sujeito, no centro de um domínio que se desenvolveu e ganhou um peso considerável ao longo dos séculos, a esfera da intimidade e da afectividade.
O repertório sexual alargou-se, as normas e trajectórias da vida sexual diversificaramse, os saberes e as representações da sexualidade multiplicaram--se”.
Não que tenha desaparecido o controlo social sobre a sexualidade mas, na nossa sociedade, ele opera-se sobretudo na delimitação dos comportamentos extremos e que são considerados desviantes ou criminosos, como por exemplo a pedofilia e não nos comportamentos individuais.
Fora estes problemas específicos, a sexualidade é hoje socialmente considerada uma área fundamentalmente de expressão íntima dos indivíduos e dos casais, devendo ser preservada, por isso, dos ditames morais do meio social envolvente.
Este conjunto de mudanças que descrevemos reflectiram-se naturalmente em todos os actores e processos e condições de socialização. De forma resumida, podemos dizer que uma das características típicas da vivência da sexualidade na modernidade tardia é a modificação radical dos contextos comunicacionais em que ela ocorre, no sentido de uma multiplicação e quase saturação de mensagens sobre os “temas sexuais”.
De facto, a sexualidade deixou de ser um tabú.
Ao contrário dos universos fechados e erotofóbicos típicos de épocas anteriores, vivemos hoje uma época de permissividade em matéria de normas de moral sexual (Reiss, 1990) e, portanto, a educação sexual informal e espontânea é actualmente mais fácil e fluente.
Por isso, e face ao processo de liberalização das normas sociais relativas à sexualidade, e face ao lugar central que as questões sexuais ocupam nos universos mediáticos da modernidade, algumas vezes, como no caso já referido, vemos surgirem posições que questionam e subvalorizam a actual necessidade da educação sexual intencional.
Duarte Vilar , Sociólogo
4 Comments:
Vamos gastar rios de dinheiro em IVG porque Portugal não fez os trabalhos de casa da Prevenção como lhe competia.
A educação sexual nas nossas escolas não existe.
A educação sexual das populações não existe.
O dinheiro que não se gastou em educação e prevenção vai gastar-se daqui em diante em IVG.
Declaração de interesses: votei a favor da IVG.
A maternidade na adolescência continua a ser um problema em Portugal, apesar de a percentagem de mães até aos 19 anos estar a diminuir - de 6,24 por cento do total de nados vivos em 2000 para 5,04 por cento em 2005. Mas é nos países em desenvolvimento que este problema atinge uma dimensão assustadora - um em cada seis nascimentos ocorre em raparigas entre os 15 e os 19 anos. O cenário nacional e internacional da maternidade na adolescência é traçado numa compilação de dados do Projecto Rosa, que amanhã vai ser divulgada em Lisboa.
O projecto foi elaborado pela Associação para o Planeamento da Família (APF) e financiado pelo Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento do Ministério dos Negócios Estrangeiros. O objectivo é "ajudar ao desenvolvimento de uma consciência cívica no âmbito da igualdade relativamente aos países mais pobres", adianta Alice Frade, da APF.
Entre outros dados, o levantamento revela que os partos de mulheres entre os 15 e os 19 anos representam 17 por cento de todos os nascimentos nos países menos desenvolvidos e que o risco de morte materna devido à gravidez em raparigas desta faixa etária é quatro vezes superior, quando comparado com o das mulheres entre os 25 e os 29 anos.
O projecto abordou ainda outros riscos associados à gravidez e maternidade adolescente, como as infecções por HIV/sida e outras doenças sexualmente transmissíveis. "Metade de todas as novas infecções por HIV/sida, cerca de seis mil diariamente, ocorrem entre jovens com idades compreendidas entre os 15 e os 24 anos." Sobre o aborto, o documento lembra que, por ano, 4,4 milhões de raparigas entre os 15 e os 19 anos interrompem a gravidez. Quarenta por cento destes abortos serão efectuados "em condições inseguras".
JP 29.07.07
A Clara, reproduz um artigo clarividente e preocupante.
Eu não votei no referendo de Fevereiro, porque o dito só serviu para promover Sócrates, porque podia ter sido aprovado na A.R e porque a solução é uma falácia. Mas, o que lá vai, lá vai.
À preocupação do autor do texto que a Clara reproduz, nada me apraz reproduzir uma outra preocupação. Aqui vai. Com a sensação de estarmos num mundo de "doidos".
:
Unsafe abortion: the preventable pandemic (COPYRIGHT 2006 The Lancet Publishing Group).
Temporal trends in unsafe abortion have been inconsistent internationally. Between 1995 and 2000, a decline of 5 or more percentage points took place in the unsafe abortion rate in eastern, middle, and western Africa, the Caribbean, and Central America. Other developing areas had no appreciable change in the rate of unsafe abortion.
OU: +++++++++++++++++++++++++++++++++
Fear of Inability to Conceive in Pregnant Adolescents
From the Brown Medical School, Departments of 1Obstetrics and Gynecology, 3Community Health, and 4Medicine, and 2Women & Infants Hospital of Rhode Island, Rhode Island Hospital, Providence, Rhode Island.
OBJECTIVE: To estimate the demographic and health history differences between pregnant adolescents who had fears that they would not be able to conceive and those without these fears.
METHODS: Three hundred pregnant adolescents presenting for their first prenatal visit participated in a cohort study that addressed attitudes about pregnancy. All participants were aged younger than 20 years and gave informed consent. The outcome of interest was a positive response to the question "Did you have any fears that you wouldn’t be able to get pregnant?" Independent measures included health history and demographic variables.
RESULTS: Among participants, 42% stated they had fears about not being able to conceive. The total sample included 20% 12–15 year olds, 39% 16–17 year olds and 41% 18–19 year-olds. There was no statistically significant difference in fear of not being able to conceive by maternal age, reported sexually transmitted disease rates, or age at first intercourse. More adolescents who expressed fear of infertility had a previous spontaneous abortion, previous pelvic examination, and were sexually active for a longer period of time compared with those without this fear.
CONCLUSION: A large proportion of pregnant adolescents in this study expressed fear that they would not be able to conceive. Understanding the basis of the fear is critical to appreciating its association with current and future adolescent pregnancy and contraceptive use.
LEVEL OF EVIDENCE: III
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