De cedência em cedência
Depois de ter acordado com a indústria farmacêutica o congelamento de preços dos medicamentos até 2009, o Ministério da Saúde autorizou em Março do corrente ano um aumento extraordinário de 121 apresentações, sob ameaça dos laboratórios em retirá-los do mercado. link
4 Comments:
ESTADO JÁ DEVE MAIS DE 700 MILHÕES DE EUROS À INDUSTRIA FARMACÊUTICA
Dos 241 pedidos de aumentos de preços, o Governo autorizou 121, num total de 60 fármacos. Oposição questiona a legalidade deste aumento e defende controlo de critérios
O Estado está a dever 712,4 milhões de euros à indústria farmacêutica, segundo dados da Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (Apifarma) relativos a Abril deste ano. Nesta dívida estão incluídos valores do sector público hospitalar e de entidades públicas empresariais.
Esta quantia é adiantada sem que o Governo tenha ainda divulgado os valores definitivos das contas do Serviço Nacional de Saúde (SNS) relativas a 2007. A dívida à indústria farmacêutica poderá estar associada ao aumento do preço de alguns medicamentos, denunciado, anteontem, durante a interpelação parlamentar sobre política de Saúde, na Assembleia da República.
O Ministério da Saúde (MS) recebeu um total de 241 pedidos de aumentos de preços de representações de medicamentos (forma como são vendidos, em comprimidos ou em bisnagas). No passado mês de Março, autorizou 121 desses pedidos relativos ao aumento extraordinário do preço, a que correspondem 60 medicamentos.
O secretário de Estado adjunto da Saúde, Francisco Ramos, em resposta a questões colocadas pelos deputados do PCP e do Bloco de Esquerda (BE), num requerimento apresentado ao Ministério da Saúde, reconheceu, anteontem, ter havido uma revisão excepcional de preços de alguns produtos, justificando essa alteração "face ao risco" de as empresas retirarem do mercado medicamentos antigos e com uma segurança testada, mas já com um preço "degradado" e substituí-los "por mais recentes e bastantes mais caros". Na perspectiva do secretário de Estado, faz, por isso, sentido "aumentar esses preços" e permitir que se mantenham no mercado, defendeu.
Esta versão é contrariada pelo deputado do BE João Semedo, que denunciou aumentos em "cerca de 300" fármacos, frisando que alguns dos produtos cujo preço subiu "não são produtos envelhecidos", mas sim novos.
Na exposição apresentada ao Governo, o deputado do BE salienta que este aumento "constitui uma inversão" na política de redução do preço dos medicamentos que tem vindo a ser defendida pelo Governo e nota que "os portugueses em nada beneficiaram" disso, já que o MS diminuiu, simultaneamente, "as comparticipações do Estado na compra de medicamentos".
Por outro lado, João Semedo contesta a base legal deste aumento, referindo que a legislação existente regula a diminuição e não o aumento do preço dos medicamentos. E, no mesmo requerimento, questiona: "Que contrapartidas está o Governo disposto a oferecer às empresas da indústria farmacêutica que não foram contempladas com estes aumentos?"
Também o líder parlamentar do PCP, Bernardino Soares, disse no Parlamento que, em alguns casos, o preço pago pelo utente subiu "quatro vezes", defendendo que o processo de revisão excepcional de preços deveria ter sido "mais transparente", através da divulgação e controlo dos critérios.
Também os medicamentos não sujeitos a receita médica foram alvo de aumento, segundo o relatório anual do Observatório Português dos Sistemas de Saúde, apresentado ontem. A "informação disponível aponta para o aumento generalizado dos preços dos medicamentos não sujeitos a receita médica face ao período prévio à liberalização", refere o documento, esclarecendo que "os preços de venda ao público nestes novos estabelecimentos são superiores aos preços praticados nas farmácias".
Laboratórios farmacêuticos contactados ontem pelo PÚBLICO remeteram para mais tarde explicações sobre o que os levou a pedir esta subida extraordinária de preços, isto depois de o Governo ter acordado com a indústria que não haveria aumentos até 2009.
PÚBLICO, 20.06.2008, Paula Torres de Carvalho
1.) Tem razão o dep. João Semedo quando afirma:
"este aumento "constitui uma inversão" na política de redução do preço dos medicamentos que tem vindo a ser defendida pelo Governo e nota que "os portugueses em nada beneficiaram" disso, já que o MS diminuiu, simultaneamente, "as comparticipações do Estado na compra de medicamentos".
Mais uma vez a política de CC, baseada na imposição de reduções e em ínvias negociações com a IF a dar resultados contraditórios.
Perante este quadro quanto tempo vai demorar o ajuste das comparticipações?
Certamente que será nomeada uma Comissão que apresentará um relatório daqui a 2 anos ...
Qual o valor global do aumento de custos para os utentes resultantes desta medida?
2.) As razões invocadas pelo Sec de Estado para a subida de preços dos medicamentos evocando o "risco" de retirada de produtis com longo tempo de permanência no mercado (alguns deles indispensáveis!) mostra a "fraqueza" do Estado perante o mercado farmacêutico.
Mas quem está assoberbado de dívidas não tem poder negocial.
Se não perante tão grave ameaça haveria a possibilidade de regular o mercado e introduzir normas estabilizadoras e condicionadoras em relação à retirada de fármacos.
3.) Finalmante, os medicamentos não sujeitos a receita médica - um "must" da posse deste Governo - parecem traduzir mais uma pedrada no charco.
O OPSS afirma: "A informação disponível aponta para o aumento generalizado dos preços dos medicamentos não sujeitos a receita médica face ao período prévio à liberalização"...
Quatro conclusões:
A) O mercado farmacêutico em Portugal, continuando deificado, em obediência à doutrina liberal, continua à margem dos produtos de eminente interesse social, não está minimamente regulado, permittindo tudo - desde a chantagem à cartelização;
B) Por estes caminhos é previsível que o SNS não vai durar 60 anos, como o NHS...
C) Onde está o rigor orçamental?
D) Porque se insiste em não efectuar um orçamento suplementar?
Na verdade, para a maioria dos portugueses que não são técnicos de saúde, o Estado não paga atempadamente - é caloteiro - e sujeita-se, por isso, às exigências da Industria farmacêutica.
Ao actuar estrictamente condicionado pelo orçamento (sei que o dinheiro é finito...) e fugindo como o diabo da cruz de orçamentos suplementares vamos construindo um "País de credores".
Algum dia acabará o crédito lançando o País no caos?
O problema é "desmontar" esta arrepiante imagem...de "uns bons malandros".
A revisão anual dos preços dos medicamentos tinha por referência o grupo comparado de três países, Espanha, França e Itália.
CC procedeu à alteração do comparador internacional dos preços definitivos dos medicamentos que passou a incluir também a Grécia não se sabe bem porquê.
Depois de ter acordado com a indústria farmacêutica o congelamento de preços dos medicamentos até 2009, o governo cedeu rever os preços em alta dum pacote de medicamentos de grande utilização, tendo como referência o grupo comparado dos países referidos.
Não se compreende muito bem à primeira vista esta medida tendo em atenção a imposição administrativa da redução generalizada dos preços de 6% em dois anos consecutivos, a não ser o actual estado de fraqueza deste governo.
Questionado pelo PCP e pelo BE no Parlamento, o secretário de Estado Adjunto e da Saúde disse que nos últimos dois meses houve uma «revisão excepcional de preços» na sequência da «descida de milhares de formas de apresentação de medicamentos» antigos.
«Face ao risco de as empresas os retirarem do mercado e os substituírem por medicamentos mais recentes e bastantes mais caros, há evidência de que faz sentido aumentar esses preços», e permitir que se mantenham no mercado.
João Semedo, criticou o Governo por autorizar algumas empresas farmacêuticas a aumentar o preço de «cerca de 300 medicamentos», e frisou que alguns dos produtos cujo preço aumentou «não são medicamentos envelhecidos mas recentes».
Bernardino Soares acentuou que os aumentos, na parte paga pelo utente, em alguns casos foram de «quatro vezes» e defendeu que deveria haver um controlo sobre os critérios.
DD 18.06.08
Sobre o recente aumento de preços de cerca de 300 apresentações a justificação do governo só poderá ser considerada como desculpa esfarrapada pois que se vai tramar como de ostume são os utentes.
Um Estado refém das dívidas que acumula
O aumento dos preços dos medicamentos mostra como os governos precisam de ter as contas em dia
O que leva um governo a violar o seu compromisso de não aumentar os preços dos medicamentos (que estão sujeitos a aprovação prévia de organismos do Estado) até 2009, numa altura em que os consumidores já não suportam ouvir falar de aumentos de preços?
Descartando a hipótese do masoquismo, característica que este Governo não possui, só uma razão muito forte pode ter levado ao aumento de 121 produtos farmacêuticos. E esse motivo incontornável foi confessado pelo próprio secretário de Estado da Saúde, Francisco Ramos: foram as próprias farmacêuticas que impuseram esses aumentos, ameaçando retirar os produtos do mercado, se o preço não subisse. E, perante isto, o Governo viu-se obrigado a negociar quais e quanto passariam a custar mais ao doente.
O que o secretário de Estado não disse, mas a próprias farmacêuticas se apressaram a recordar, é que a dívida do Estado ao sector é neste momento superior a 700 milhões de euros. Um montante elevado que resulta essencialmente de fornecimentos a hospitais públicos serem pagos muito para lá dos prazos contratados.
O número não aparece por acaso e ajuda-nos a perceber por que é que o Estado está permanentemente refém de algumas indústrias.
Neste caso, são as farmacêuticas que, vendo-se a obrigadas a financiar os cofres públicos de uma maneira abusiva, têm capital de queixa para obrigar os sucessivos governos a compensar noutros tabuleiros as dívidas que vão sendo acumuladas.
Mas também podíamos estar a falar das farmácias, que são crónicas financiadoras do Estado nas comparticipações dos medicamentos. Uma dívida que chegou a tal ponto que fez medrar uma Associação Nacional de Farmácias à custa do seu papel de mediador financeiro entre o Estado e as suas associadas. Nasceu aí o grupo empresarial que a ANF é hoje e o poder com que o seu presidente, João Cordeiro, tem neutralizado sucessivos governos quando chega a hora de legislar sobre o sector.
Outro sector que financia cronicamente o Estado é, obviamente, o das construtoras. Há mesmo rankings das câmaras municipais que mais devem ou que mais meses ou anos se atrasam nos pagamentos.
Quando se fala da questão das dívidas do Estado a fornecedores, um valor global que andará entre os dois mil e os três mil milhões de euros (próximo de 1,5 por cento do produto anual da economia portuguesa), coloca-se geralmente o problema na asfixia financeira que esses montantes representam para milhares de empresas. E esse problema é real, é grave e devia ser rapidamente corrigido.
Pagar a tempo e horas não é só uma questão da mais básica honestidade da parte de um Estado que persegue desproporcionalmente contribuintes por dívidas ridículas. É também uma forma de injectar dinheiro na economia, agilizando uma cadeia de pagamentos com prazos terceiro-mundistas que colocam mal o país em qualquer comparação internacional.
Mas pagar as dívidas a fornecedores é ainda outra coisa muito importante: dá espaço aos governos e aos autarcas para definirem políticas e tomarem decisões podendo olhar nos olhos os que fiquem desagradados com elas.
Como vimos esta semana com o exemplo dos medicamentos, isso não acontece quando um secretário de Estado se senta para negociar com o sector farmacêutico ao qual o Estado deve milhões. Ou quando um autarca tenta recusar trabalhos a mais numa empreitada feita por uma construtora que ainda não recebeu o pagamento das últimas obras que concluiu para o município.
Um Estado que deve desta forma escandalosa não é um Estado livre. Não é um Estado com capacidade nem moral para definir as suas políticas e as impor a agentes privados, se for caso disso. Só para recuperar a liberdade de decidir vale a pena ponderar formas extraordinárias de pagar as dívidas que o Estado deixou acumular para lá de todos os prazos admissíveis.
jp 21.06.08
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