sábado, maio 26

Desempenho do sistema de saúde português

Evidência ou ruído?
Em causa os critérios em que assenta estudo sobre sistemas europeus de saúde

Recentemente foi publicado um estudo sobre a avaliação do desempenho dos sistemas de saúde europeus — Euro Health Consumer Index (EHCI) link realizado por uma empresa privada (Health Consumer Powerhouse-hcp), cujos principais patrocinadores são empresas com interesse na área da saúde. A avaliação envolve cinco dimensões: os direitos dos doentes; a acessibilidade aos cuidados de saúde; os resultados de saúde; a prevenção da doença e a abrangência dos cuidados de saúde prestados e os medicamentos. Em 2012 Portugal está situado em 25º lugar num total de 34 países, referindo ainda os autores que “existe um fracasso em Portugal devido à estagnação do sistema de saúde”.
Sem questionar o mérito de desenvolver modelos para avaliar o desempenho dos sistemas de saúde, a metodologia utilizada pela EGCI apresenta problemas científicos muito importantes que comprometem a credibilidade dos resultados e contribuem para desinformar o público:
— Não reflete as preferências dos consumidores, dado que não foi construída na sua perspetiva;
— Existe uma falta de transparência no sistema de avaliação. Dos 42 indicadores que integram o EHCI, 15 resultam de inquéritos realizados pela empresa HCP, não se conhecendo o número de respostas por país, nem sendo possível consultar cada questionário, o que suscita reservas sobre a representatividade e fiabilidade do inquérito (os pontos dos inquéritos compreendem cerca de 46% do total da classificação);
— Existe uma utilização não fundamentada de indicadores de estrutura, de processo e de resultados nas cinco dimensões analisadas;
— Existem indicadores com medições objetivas e outros com medições perfeitamente subjetivas, o que também compromete a credibilidade dos resultados;
— Sistema de ponderação dos indicadores completamente arbitrário, refletindo as preferências dos classificadores.

Em Portugal isto é importante porque se para os 15 indicadores medidos pelos inquéritos a classificação portuguesa tivesse o valor máximo, o resultado atual de 589 pontos (25º lugar) passaria para 767 pontos, correspondendo ao 8º lugar, o que daria uma ideia completamente diferente do desempenho do sistema de saúde.
Em termos de síntese, parece que estamos na presença de uma boa ideia, mas com aplicação controversa e subjetiva, dado que nem todos os indicadores utilizados têm evidência científica, pelo que não disponibiliza informação relevante para os consumidores, o que compromete a sua validade e aceitação, pelo que devem ser ignorados na avaliação do sistema de saúde português.
Assim, em termos internacionais devem ser desenvolvidos esforços no sentido de a Academia (parcerias internacionais) ser responsável pela criação, aplicação e publicitação do desempenho dos sistemas de saúde europeus.
Em Portugal devem ser utilizados modelos de avaliação de desempenho mais abrangentes dos que são disponibilizados pela Administração Central do Sistema de Saúde, para se identificarem os principais problemas e permitir a introdução das reformas necessárias à melhoria da acessibilidade e à otimização da qualidade e da eficiência, sem comprometer a universalidade do sistema, nem se diminuírem os benefícios existentes, ou seja, sem introduzir racionamento no consumo de cuidados de saúde.

Carlos Costa, professor auxiliar na Escola Nacional de Saúde Pública, expresso 26.05.12

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2 Comments:

Blogger Tavisto said...

Como bem salienta Carlos Costa, os resultados da avaliação de desempenho dos sistemas de saúde apresentados pela Health Consumer Powerhouse são de credibilidade duvidosa. Critérios utilizados à parte: maior peso de indicadores de satisfação dos utentes que dos “outcomes” tradutores de ganhos em saúde e de eficiência, são os potenciais conflitos de interesse, os financiadores são empresas privadas com fortes interesses na área da Saúde, que mais comprometem a credibilidade da avaliação.
Objecto de avaliação da HCP têm sido os sistemas de saúde dos estados europeus muito embora em 2011 (salvo o erro) tenha também estendido a avaliação ao continente Norte-Americano, seleccionando o Canadá mas, vá-se lá saber porquê, ignorando os EUA.
O modelo Português, habitualmente mal posicionado no ranking da HCP onde os sistemas de saúde assentes em seguros-saúde batem sistematicamente os financiados predominantemente pelo orçamento de estado, ocupa o 12º lugar entre 191 países avaliados pela Organização Mundial de Saúde. Porém, os detractores do SNS, com o objectivo de por causa o nosso modelo da saúde, têm sistematicamente ignorado os resultados da avaliação da OMS e valorizado o da HCP. Curiosamente este ano ficaram calados e a DGS desvalorizou, utilizando o argumento que estes dados não podem ser comparados aos de anos anteriores porque os critérios utilizados não foram os mesmos.
Aqui chegados pergunta-se: Que fiabilidade merece o relatório da HCP e como valorizar a conclusão sobre o País “25 th place, 589 points. Seems to be one of the rather few countries (along with Spain?), where the financial crisis has had notable effect on the healthcare system”. Estará, ou não, a crise que atinge a Zona Euro a ter gravosa repercussão sobre os resultados em Saúde?
Olhando para o que se passa na Grécia, vanguarda da desgraça que se abateu sobre os países mais periféricos, tudo indica que sim. Um estudo publicado na revista Lancet em Outubro 2011 “Health effects of financial crisis: omens of a Greek tragedy” mostra que as consequências sociais da crise, em particular nos resultados em Saúde, são evidentes e devastadoras atingindo de forma mais acentuada os grupos mais vulneráveis.
Face a estes dados, seria no mínimo prudente que os responsáveis da DGS olhassem mais em pormenor para o relatório da HPC ao invés de, procurando agradar ao Governo, o desvalorizarem refugiando-se em razões de carácter técnico.

8:13 da tarde  
Blogger e-pá! said...

"...introdução das reformas necessárias à melhoria da acessibilidade e à otimização da qualidade e da eficiência, sem comprometer a universalidade do sistema, nem se diminuírem os benefícios existentes, ou seja, sem introduzir racionamento no consumo de cuidados de saúde."

Inteiramente de acordo mas, no actual contexto, é tentar a 'quadratura do círculo'.
Os portugueses já perceberam que a universalidade, a acessibilidade e a eficiência do SNS, não sairão incólumes do pacote de 'reformas' agendadas pela equipa da João Crisóstomo que, perante quaisquer tipo de dificuldades (que as há...) exibe, à toa, o 'espantalho' da sustentabilidade.

10:29 da tarde  

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