Miss Swaps condiciona
“Consenso sobre estatuto
empresarial dos hospitais está em sério risco”
SNS A
gestão dos hospitais públicos está condicionada pelo Ministério das Finanças,
alerta Francisco Ramos.
Francisco Ramos é o presidente da III Conferência Economia e
Financiamento em Saúde, organizada pelo Diário Económico e pela MSD, que se
realiza amanhã, em Lisboa. Presidente do conselho de administração do Instituto
Português de Oncologia de Lisboa, Francisco Ramos esteve ao comando de um
grande hospital do Serviço Nacional de Saúde durante o programa de ajustamento.
No balanço de três anos de ‘troika’ identifica resultados positivos, mas a
reforma hospitalar “ficou por fazer”.
Aproveitou-se o programa de ajustamento para
reformar de facto o Serviço Nacional de Saúde (SNS) e garantir a sua
sustentabilidade?
O memorando da
‘troika’, na área da saúde, previa um conjunto de medidas para redução de
custos. Ao fim destes três anos, é fácil identificar resultados positivos de
quebra significativa nos preços de vários “factores de produção” de cuidados de
saúde: medicamentos, trabalho (seja por redução de salários, seja por aumento
da carga horária, seja por limitações nas prestações de serviços), testes
diagnósticos e técnicas
terapêuticas. Foi possível cumprir o objectivo de reduzir a despesa em saúde
sem comprometer os volumes de produção de cuidados. Mas, o memorando previa
também o reforço e desenvolvimento da reforma dos cuidados de saúde primários e
a reforma dos cuidados continuados. Aparentemente, não houve condições para que
continuassem a ser uma prioridade. Estes seriam elementos essenciais para
melhorar a sustentabilidade do SNS e foram deixados para segundo plano.
O que é que ficou por
fazer?
O aspecto mais
relevante do que ficou por fazer é a chamada reforma hospitalar. Na minha opinião,
tem três pilares: estatuto, financiamento e organização interna. Neste momento,
não há boas notícias em nenhuma destas questões. O consenso sobre o estatuto
empresarial dos hospitais públicos está em sério risco de ser estilhaçado, a
pretexto da integração dos hospitais EPE no perímetro das contas do sector administrativo
do Estado. Não tem que ser assim! O financiamento com base na produção, outro
aspecto consensual, está também fortemente ameaçado por uma interpretação
abusiva e defensiva da Lei dos Compromissos, recuperando, na
prática, o modelo de financiamento por dotação global. Quanto à organização
interna, modernizar a gestão das profissões de saúde, organizar
progressivamente a prestação de cuidados em função dos doentes, incentivar a
harmonia entre autonomia técnica e objectivos de gestão institucional são
elementos decisivos para um melhor desempenho dos hospitais
públicos. O consenso sobre a melhor forma de avançar está longe de ser alcançado,
o que dificulta a sua concretização.
Chegámos ao ponto em
que novos cortes implicam a redução do acesso e da qualidade dos serviços prestados
aos doentes?
Nos últimos três anos
o objectivo principal foi a redução da despesa, concentrando a capacidade de
decisão nos órgãos tutelares dos hospitais. Embora discutível, o resultado foi
alcançado. Agora, não me parece possível obter sucesso, desperdiçando a
capacidade das administrações dos hospitais de adequar os meios disponíveis aos
objectivos. Tomar a decisão de contratar a substituição de uma enfermeira em
licença de maternidade no gabinete da senhora ministra das Finanças, ou
insistir em fixar objectivos de redução de despesa, sem olhar ao passado
próximo de cada unidade hospitalar são métodos que, se persistirem, garantem consequências
negativas para o acesso e a qualidade dos cuidados prestados.
O documento da
Reforma do Estado apresentado pelo Governo prevê a separação do financiamento da
prestação de cuidados. A ideia não é nova, mas nunca avançou. Faz sentido
agora?
Entre outros
aspectos, bem mais relevantes, o SNS caracteriza-se por concentrar no Estado a
responsabilidade de organizar o financiamento e a prestação de cuidados de
saúde. Sempre que a proposta de separação foi colocada, esteve implícita a
ideia de mudança do sistema, com a chamada privatização da prestação, dando
corpo ao “mito urbano” que os hospitais privados são, por natureza, mais
eficientes que os públicos.
Foi crítico em
relação à falta de profissionais de saúde nos hospitais. O Contrato de
Confiança do PS defende o regime de exclusividade (progressivo) dos
profissionais de saúde. Resolveria o problema dos recursos humanos no SNS?
O trabalho a tempo
inteiro nos serviços públicos de saúde seria um excelente instrumento para melhorar
a capacidade do SNS. Esta é uma boa oportunidade para concretizar o consenso entre
as principais forças políticas, o chamado “arco de governação”, passando dos
apelos verbais a exemplos concretos.
A redução da despesa
com medicamentos foi um dos cavalos de batalha da ‘troika’.É possível continuar
a cortar aqui? A (verdadeira) tecnologia em saúde é cara mas traz benefícios
aos doentes. É altura de se iniciar a discussão sobre o racionamento?
É possível continuar
a reduzir despesa em todas as áreas,incluindo medicamentos, embora em volume bastante menos
significativo que no passado recente. Mais importante que o racionamento será
discutir o modelo de fixação de preços. Estou muito de acordo com a posição recente
do Dr. Paulo Macedo na Assembleia Mundial de Saúde, apelando à concertação
entre países. Relevante seria também criar rotinas comparativas com outras
tecnologias. Apesar de todas as restrições, hoje, Maio de 2014, é ainda mais
fácil aderir a um novo medicamento
que reforçar a capacidade cirúrgica (ou em radioterapia, por exemplo) de um
hospital público. Também neste aspecto, não tinha que ser assim… ■
DE 27.05.14
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