sexta-feira, maio 28

Revolução hospitalar?

Para compreendermos, o que se está a passar com a reforma da saúde em curso, nada melhor, do que, olharmos à experiência de outros países europeus.
Dado o seu inegável interesse, inserimos, neste "post", o artigo de Paulo Kuteev Moreira (1), publicado no Diário Económico de 22.01.04


Revolução hospitalar?

Uma anedota. Quatro especialistas de gestão em saúde, ao cruzarem-se num aeroporto internacional, descobrem que estavam a caminho dos países uns dos outros em busca de inspiração para as suas reformas.

O grupo constata então que, enquanto dois deles estavam prestes a adoptar o sistema de financiamento dos outros, os respectivos estavam prestes a abandoná-lo para adoptar o sistema dos primeiros. O bom humor é sério. Enquadremos este fenómeno curioso.

A organização do nosso Serviço Nacional de Saúde foi ”copiada” do NHS inglês. Este, por sua vez, tinha sido copiado do sueco. Regressemos, por isso, à origem.

Estocolmo, 1991. O sistema de saúde sueco sofria de ineficiências várias, incluindo listas de espera para além do clinicamente aceitável, défice orçamental e elevados níveis de insatisfação de utentes e profissionais. O famoso ”Modelo de Estocolmo” foi a solução planeada por este povo empreendedor.

Suportado por valores transversais a todas as forças políticas, como ”liberdade de escolha”, ”diversidade da oferta”, ”concorrência regulada” e ”acesso universal ilimitado”, o modelo originou mudanças profundas. O acesso e o financiamento mantiveram-se universal e público. Alguns hospitais tornaram-se entidades sujeitas a uma lógica empresarial em concorrência com prestadores privados. O governo regional reduziu o seu papel na prestação de cuidados de saúde e concentrou-se na sua missão de financiador e regulador. Abandonou-se a lógica do orçamento baseado no histórico e adoptou-se o financiamento através das receitas dos serviços prestados e de acordo com uma tabela de preços actualizada anualmente. Esta pretendia reflectir a responsabilidade financeira do prestador e o controle de custos reais por parte do financiador. O controlo financeiro passou a ser feito através de análises de performance organizacional e numa lógica de comparação entre prestadores. O controlo de qualidade passou a ser feito por entidades independentes do prestador. Introduziram-se incentivos à produtividade dos profissionais. A oferta de cuidados de saúde passou a ser influenciada pela procura e não apenas pelo senso-comum dos políticos.

Por entre muitos casos polémicos, incluindo a venda de um hospital público, a reforma lá foi obtendo resultados. Durante os primeiros anos, a produtividade hospitalar média aumentou a um ritmo anual de 16%. As avaliações comparativas de produtividade demonstraram uma vantagem de entre 10% e 15% em favor dos hospitais de lógica empresarial. Os tempos de espera diminuíram a uma taxa anual de 30% até estabilizarem em níveis clinicamente aceitáveis. A contratualização pública com controlo de custos reduziu o preço de alguns serviços entre 10% (ex. transporte de ambulâncias) e 40% (ex. laboratórios, radiografias). O sector privado cresceu e muitos profissionais de saúde criaram as suas próprias empresas de pequena dimensão. Cidadãos de outras regiões da Suécia acorreram a Estocolmo para satisfazerem as suas necessidades de diagnóstico e tratamento. A diversidade de empregadores aumentou a motivação dos profissionais de saúde que, assim, passaram a ter mais alternativas. Os sindicatos aceitaram esta evolução cujo lema foi, durante vários anos, ”Do Monopólio à Diversidade”. Que maravilha!?
E vai daí, em 2002 o governo regional que implementou esta ‘revolução hospitalar’ perdeu as eleições! O que correu mal? Uma resposta objectiva: os hospitais endividaram-se e o défice do financiador aumentou! Ora, de acordo com um trabalho da Timbro, um famoso ‘think-tank’ independente sueco, o elevado défice originado pela reforma fez ruir a sua credibilidade. Chegadas as eleições, a oposição optou por apregoar o descalabro das contas e pressagiar a subida de impostos. O governo não apresentou alternativa a este cenário. O eleitorado desconfiou. E virou à esquerda.

Curiosamente, a semana passada, o Prof. Gary Becker, veio falar-nos da incompetência do estado na gestão da Oferta de cuidados de saúde. Na semana anterior tinha cá vindo Philip Berman falar-nos do contrário. Por seu lado, o caso sueco revela a dificuldade de gestão da Procura de cuidados de saúde cuja imprevisível impetuosidade dificulta tanto a gestão da oferta pública como privada. Entretanto, vá-se lá compreender este animado ‘roulement’ de analistas anglo-americanos em Lisboa... Falta agora um sueco. Ou uma sueca, para o desempate?

(1) - Doutor pela University of Manchester em Healthcare Management and Communication e director da Licenciatura de Gestão em Saúde da Universidade Atlântica –Oeiras.
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Comentários (inseridos no DE):

v.guerra
Boa piada ,Paulo Moreira!Mas,sem duvida que estamos todos de acordo que a gestão dos nossos hospitais publicos deixa muito a desejar.A chamada "empresarialização" é uma possibilidade para introduzir indices de gestão e retirá-los das conveniências corporativas da classe médica.O grande problema é que neste como noutros casos o discurso renovador vem seguido de decisões mediocres.Quando se decide dar ordenados chorudos a gestores que não foram admitidos por concurso de competencia,mas eventualmente pelo cartão partidário,com o argumento que isso corresponde aos novos estatutos(decisão na secretaria) está-se a deitar por terra toda a experiência.E,esta actividade não é nada fácil de organizar,sem uma capaz articulação com a rede de cuidados primários.

David Gramaço Estamos claramente a «namorar» o sistema Norte Americano de saúde. As seguradoras especializadas estão já no mercado, e em força. Os hospitais SA estão a iniciar... A máquina está quase montada. O sistema Norte Americano em termos operacionais e em termos de performance tem excelentes indicadores comparativamente aos europeus, excepto a França que continua a portar-se razoavelmente bem. Mas, como todos os sistemas; tem falhas. Assisti de perto a uma situação lamentavel num hospital do estado da Pensilvenia em que uma luso-descendente morreu por não ter ficado internada «because she's not insured»!!!!!!! Teve uma trombose, foi-lhe dada a medicação para resolver a urg~ncia e posta na rua sem exames, por não ter seguro. Estamos a falar de um país em que as pessoas ganham o suficiente para terem um seguro privado de saúde. Copiar esse sistema para o implementar em Portugal,o país dos 500 euros por mês com 2% de aumento, é um suicidio, a não ser que os hospitais queiram assumir o papel de Talhos, papel que alguns desempenham actualmente muito bem.

Telmo Santos Estou absolutamente de acordo com o sr. V. Guerra. Este governo está a agir tal e qual como o desgoverno anterior, continua a nomear para cargos de responsabilidade e chefia não pela competência mas pelo compadrio e pela côr política o que é no mínimo um balde de água fria pela cabeça de quemneles confiou.

VM
Em primeiro lugar,não posso deixar de elogiar o conjunto de excelentes artigos sobre a saúde, que, o professor Paulo Moreira, tem publicado no DE.
Não duvido, que este tipo de reformas contribuam para a dinamização da economia.
A "abertura", do sector público da saúde é um objectivo de ouro dos interesses privados desde há muito.
Entendo, que as experiências da Suécia e do Reino Unido não são , no entanto, bons exemplos para o caso Português. Trata-se de países com economias muito diferentes. Basta comparar os produtos internos. Por outro lado, temos a questão social. Portugal tem hoje meio milhão de desempregados e 200 mil com fome.
Onde está o poder de compra dos Portugueses para pagar a saúde? Continuando o estado a ser o único financiador do SNS, a actual política de saúde, vai agravar a despesa pública com a saúde (pagamento aos prestadores privados).
A empresarialização, das unidades de saúde da rede nacional de cuidados é, absolutamente, prioritária.
A nossa revolução hospitalar(?), vai ter resultados diversos dos verificados na Suécia e R.Unido: Agravamento dos gastos do estado em saúde, prejuízo da qualidade dos cuidados, redução dramática da acessibilidade dos cidadãos portugueses à prestação de cuidados.