domingo, agosto 1

Fuga para o Alto Mar

No Alto mar, a luz escorre lisa sobre a água.

"Como é que se pode olhar para o mar sem solidão? Como é que se pode olhar para o mar e ter que ver antes a multidão têxtil a cores, ver a praia, não a praia da areia mas a praia dos corpos, a balbúrdia?(Eu sei que esta nota é reaccionária. Eu sei da história toda. Eu sei que também aqui há um bem escasso e suposto ser para todos, logo estar cheio. Eu sei que desde que a Frente Popular concedeu férias pagas, também os operários têm direito ao seu Deauville particular. Eu sei que a ecologia acabou naquele dia, eu sei que a terra é pequena e as gentes muitas. Eu sei que cada chinês tem direito inalienável ao seu automóvel e frigorífico, pese embora à camada de ozono, a abundância da abundância. Eu sei que hoje a praia é o povo voltado de costas a dourar, ou pelo menos uma parte substancial do dito. Eu sei disso tudo. Mas, Senhor, porque não nos dás mais espaço, para se poder olhar o mar como deve ser?). Mas, Senhor, porque não nos dás mais espaço, para se poder olhar o mar como deve ser? Dá e generosamente, por esta costa fora. Onde? Em todos os recantos onde só se chegue a pé e com mais de dez minutos de caminhada." JPP- Abrupto.
A solução é fugir para o Alto Mar:

Sophia de Mello Andresen

No alto mar
A luz escorre
Lisa sobre a água.
Planície infinita
Que ninguém habita.
O Sol brilha enorme
Sem que ninguém forme
Gestos na sua luz.
Livre e verde a água ondula
Graça que não modula
O sonho de ninguém.
São claros e vastos os espaços
Onde baloiça o vento
E ninguém nunca de delícia ou de tormento
Abriu neles os seus braços.