segunda-feira, janeiro 24

Rescaldo debate Louçâ / Portas

Devemos considerar Portas de hipócrita relativamente à questão do aborto tendo em atenção a sua orientação sexual?
Coerência moral dos Políticos
"Os posts antecedentes de Vicente Jorge Silva e Luís Nazaré sobre um incidente entre Paulo Portas e Francisco Louçã partem de um pressuposto certo, ou seja, o de que é lícito exigir aos políticos coerência entre as suas posições públicas e a sua vida privada, podendo ser publicamente expostos em caso de contradição. Assim é defensável a denúncia pública de uma dirigente política contrária à despenalização do aborto em nome do "direito à vida", vindo depois a saber-se que ela mesma praticou um.
A questão é de saber se no caso concreto pode ser invocada uma situação desse tipo. Concretamente, existirá alguma contradição moral entre ser contra a despenalização do aborto e ser, por hipótese, homossexual? Um homossexual não poderá adoptar uma moral reaccionária nessa matéria (e noutras)? A sua posição antidespenalização tornar-se-á inadmissível só por causa da sua orientação sexual? Por mim não vejo nenhuma incompatibilidade moral entre as duas coisas. Os homosexuais não têm por que ser "liberais" noutras matérias.
Voltando ao caso concreto, Portas pode ser ultrademagógico e até pouco ou nada sincero na sua cruzada contra a despenalização do aborto, como são muitos políticos de direita para cativar o voto religioso e conservador. Ele deve ser politicamente combatido por essas posições. Mas, a meu ver, a sua real ou suposta orientação sexual não é relevante nessa matéria.
Francamente parece-me mais contraditório e mesmo "hipócrita" que os que se afirmam campeões da não discriminação por motivo de orientação sexual e dos direitos dos gays não admitam depois que eles possam ter uma posição "heterodoxa" no que respeita à despenalização do aborto. Eis porque não posso aplaudir Louçã, antes pelo contrário.
Vital Moreira, 23.1.05 - Causa Nossa.

8 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Apesar da hipocrisia do Portas não deixou de ser uma tremenda falha do Louçã.

3:03 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Eu acho que é necessário chamar aos bois pelos nomes.
O senhor Portas arma-se em santinho, invoca a defesa da família cristâ e depois comporta-se como um hereje. Temos que ser rigorosos em relação a este assunto, porque a Igreja Católica assim o exige. O Sol quando nasce é para todos.

3:48 da tarde  
Blogger xavier said...

Mais sobre o debate Portas-Louçã e a hipocrisia
Pois eu vi o debate Louçã-Portas, meu caro Vicente Jorge Silva. E posso-te assegurar que a tirada de Francisco Louçã nem sequer pecou por excesso. Pelo contrário, foi um ferro curto no lombo de quem imagina deter uma condição moral superior a não sei o quê e estar imune ao escrutínio da coerência e do juízo cidadão. A provocação inicial foi lançada por Paulo Portas, de um modo manifestamente insolente e descabido. Louçã limitou-se a mostrar que não era feito de pau e contra-atacou com razão e nervo. Fez bem. Por todas as razões que desenvolves no post abaixo e porque estamos carentes de autenticidade, sobretudo a provinda dos espíritos normalmente mais compostos.
Luís Nazaré- Causa Nossa

4:21 da tarde  
Blogger xavier said...

"A velha esquerda moralista"
«Deliberadamente ou não o BE fez o jogo da direita mais conservadora, colando-se a ela nos seus valores e preconceitos. (...) O uso da vida privada de cada um com objectivos políticos é uma arma sempre populista e quase sempre indecorosa» - Ana Sá Lopes, hoje no Público (texto indisponível online), a propósito do ataque do Bloco de Esquerda a Paulo Portas, esgrimindo uma contradição entre a sua presumida vida privada e a sua oposição à despenalização do aborto.
Para quê dizer por outras palavaras o que está bem dito nas palavras transcritas? Afinal a esquerda que se pretende nova pode ser tão velha, ou mais, do que a antiga no que respeita ao moralismo conservador.
MMLM - Causa Nossa

4:24 da tarde  
Blogger xavier said...

«Vícios privados, públicas virtudes»
Registo os contra-argumentos apresentados pelo Vital e a identificação da Maria Manuel com a posição da Ana Sá Lopes no «Público» acerca do debate Portas-Louçã. Congratulo-me com esta polémica entre amigos, que, aliás, me faz ter remorsos da minha recente e prolongada ausência no Causa Nossa. Já agora, uma fraternal provocação: não estarão vocês a ser «politicamente correctos» em demasia?
Em primeiro lugar, julgo que é redutor entender a coerência no plano moral como circunscrita a uma alínea temática -- e basta ver o caso Buttiglione para meditarmos sobre isso. Recordo que a homofobia de Buttiglione aparecia estritamente associada aos dogmas fundamentalistas sobre o aborto (um tema e outro aparecem, aliás, ligados no discurso ideológico do Vaticano) e outros.
Claro que é contraditório que o Bloco capitalize todo um folclore «gay» e Louçã caia depois nas sugestões que fez a Portas: é o lado sibilino e sacrista da personagem. Mas insisto: quando Portas esgrime um argumento como o de comparar genericamente o aborto a um assassinato e o mesmo Portas aparece notória e publicamente identificado com posições como as de Buttiglione -- simultaneamente homofóbico e fundamentalista do chamado «direito à vida» -- como é que eu lhe respondo? Fico calado e paralisado? Cedo ao politicamente correcto, «divido as orações» e teorizo em abstracto, defensivamente, perante uma acusação de assassinato que me visa moralmente?
Se, por hipótese, um padre vem esgrimir comigo teses semelhantes, eu não lhe posso responder que ele não gerou vida e eu gerei? Que eu tenho uma família constituída mas não faço gala disso nem aceito a família como valor ideológico, enquanto ele pretende reivindicar, contra mim, o monopólio ideológico da defesa da família sem a ter constituído?
Então qual é o problema com Portas, que nem tem o álibi religioso de ser padre? Subentende-se, é óbvio, que é por causa dos rumores sobre as suas supostas ou reais inclinações sexuais. Mas deverão esses rumores complexar-me e inibir-me quando o mesmo Portas não tem inibições de qualquer espécie em lançar acusações de assassinato sempre que o tema do aborto é abordado?
Finalmente: em abstracto, não me parece lógico nem consequente que um dirigente de um partido que perfilha ostensivamente uma ideologia hiperconservadora no plano moral se ache dispensado de ser coerente com ela em todos os domínios da sua vida privada. Ou seja: eu não tenho culpa de ele ser hiperconservador e utilizar uma suposta superioridade moral contra mim, se acaso infringe as regras fundamentalistas que me quer impor. Isso chama-se duplicidade -- e a duplicidade não pode ser acantonada, conforme as conveniências do dúplice, neste ou naquele campo específico das suas opções morais públicas e do seu comportamento privado.
Serão os nossos brandos e excelentes costumes que nos permitem mais esta originalidade, agora em matéria de tolerância da duplicidade moral? Por isso invoquei o caso Portillo. Porque foi entendido -- e o próprio Portillo a isso se submeteu -- ser politicamente insustentável que um partido com uma agenda moralmente conservadora tenha como chefe alguém com um comportamento privado que não corresponde a essa agenda. Não tenho de concordar nem discordar, tenho apenas de constatar. Esse é um problema dos fundamentalistas morais, não é meu. É a velha questão dos «vícios privados, públicas virtudes». E não sou eu que apregoo estas e escondo aqueles debaixo do tapete.
Vicente Jorge Silva - Causa Nossa

4:26 da tarde  
Blogger Francisca said...

Estou totalmente de acordo com o anónimo das 3.48pm e com os argumentos de Vicente Jorge Silva.
Acho incrível que se tenha uma atitude de defesa relativamente ao Portas (pois, coitado, ele é de direita, católico,eventualmente hipócrita, demagógico, contraditório e não olha a meios na actual caça ao voto ou na destruição pretérita de carreiras políticas) e se exija que o Louçã seja de ferro perante arrogantes provocações só por respeito a uma hipotética orientação sexual que ele, Louçã, não condena nem desconsidera.
É tão legítimo ser de direita como ser de esquerda.
É respeitável ser católico, ter outra religião ou nenhuma.
Mas "não se pode estar na vinha e no bacelo", ser arrogante, ter um discurso "à desprezo" e não esperar troco apostando no complexo de heterosexualidade do outro.

10:49 da tarde  
Blogger Francisca said...

(heterossexualidade, desculpe a falta do "s").
E, com todo o respeito pela opinião do Vital Moreira, penso que existe uma manifesta contradição quando alguém "cola" a sua perspectiva de sexo à da visão da Igreja católica e, depois, o pratica sem a menor probabilidade de procriar.

12:45 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Bem-vindas as Críticas
Por FRANCISCO LOUÇÃ
Terça-feira, 25 de Janeiro de 2005
Li com atenção as críticas que Eduardo Dâmaso e Ana Sá Lopes dirigiram à minha intervenção no debate com do Dr. Paulo Portas. São bem-vindas as críticas, mas creio que partem de uma interpretação errada. Vale a pena, por isso, fazer um esclarecimento.

De facto, indignei-me e continuo a indignar-me quando os defensores da prisão das mulheres que abortaram acusam os defensores do respeito pelas mulheres de atentarem contra o "direito à vida". Por outras palavras, de serem cúmplices de assassinato. A criação da vida é uma responsabilidade e experiência inteiramente pessoal. Ninguém, e provavelmente ainda menos quem a vive, pode tolerar ser tratado com este desprezo infinito da acusação de homicídio pela sua opinião sobre uma lei. A vida não se discute e o que está em causa na política portuguesa é outra questão: é exclusivamente saber se a mulher deve ter o direito de fazer uma escolha sobre a sua maternidade ou se deve ser presa se abortar. Eu continuo do lado da liberdade e o meu adversário não.

Interpretar este debate como uma imposição moralista acerca da bondade de um determinado modelo de família seria surpreendente. Os meus críticos sabem bem que me tenho batido contra todas as tentativas de imposição, por parte do Estado, de qualquer modelo de família estandardizado e que propus e votei no parlamento - contra o PSD e o PP - a lei das uniões de facto. Continuarei sempre a defender esse direito, mesmo sabendo como sofri insinuações e calúnias construídas a partir dos preconceitos ou da surpresa de tal questão de liberdade ser pela primeira vez trazida para a agenda política. Essa lei garante, ao contrário da que estava em vigor, a inclusão de todos, sem qualquer tido de discriminação - e essa é a garantia de respeito que a República deve dar aos seus cidadãos. O resto, a escolha de modo de vida de cada pessoa, é, como sempre foi, estritamente do domínio do privado e não faz parte, em nenhuma circunstância, do debate político.

A diferença entre a posição política da esquerda e a do Dr. Santana Lopes ou do Dr. Paulo Portas, em contrapartida, é do domínio do debate e é decisiva nestas eleições onde se defrontam dois campos: toda a esquerda unida propõe uma lei moderada, nos exactos termos das leis europeias, que termine o ritual de humilhação nos tribunais; a direita unida propõe a manutenção da lei e em consequência da pena de prisão de 3 anos para as prevaricadoras. Mais ainda, o debate de hoje não se trata de um mero remake do passado, porque o argumento do "direito da vida" implica forçosamente que as actuais excepções da lei viessem a ser anuladas se a direita para tal tivesse maioria e muitos dos seus dirigentes já nem o escondem. Essa é claramente a posição de vários candidatos a deputados pelo PP e pelo PSD: a mulher violada que recorra ao aborto deve ser punida nos termos da lei com os mesmos 3 anos de prisão. É ainda notório que deputadas e deputados do PSD comprometidos com um novo referendo e com a descriminalização do aborto foram afastados das listas.

Para não deixar dúvidas, o partido do Dr. Paulo Portas fez campanha nas vésperas da revisão constitucional pelo reconhecimento da "personalidade jurídica do feto". O que implicaria que a moldura penal do crime de aborto passaria de 3 anos para no mínimo 8 anos de prisão e a anulação de todas as excepções da actual lei. Fê-lo com a pouca convicção de quem tem vergonha da sua própria posição, mas não deixou de o fazer, para responder positivamente a quem também defende que mesmo o uso do preservativo é um pecado. Mais uma vez, quem esteve do lado da liberdade foi a esquerda e não o fanatismo da direita.

E esta é a questão de hoje: ou uma posição moderada vence no único país da Europa onde ainda há julgamentos de mulheres por "crime" de aborto, ou o fanatismo intransigente continua. Não sei se o defendi sempre da forma mais esclarecedora, mas os leitores do "Público" que concordem ou que discordem da minha opinião sabem que não tenho outro compromisso que não seja com a liberdade e responsabilidade para a mudança desta lei, a partir da clareza da decisão democrática.

11:08 da tarde  

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