Dia de Camões
Doces águas e claras do Mondego,
doce repouso de minha lembrança,
onde a comprida e pérfida esperança
longo tempo após si me trouxe cego;
de vós me aparto; mas, porém, não nego
que inda a memória longa, que me alcança,
me não deixa de vós fazer mudança,
mas quanto mais me alongo, mais me achego.
Bem pudera Fortuna este instrumento
d'alma levar por terra nova e estranha,
oferecido ao mar remoto e vento;
mas alma, que de cá vos acompanha,
nas asas do ligeiro pensamento,
para vós, águas, voa, e em vós se banha.
2 Comments:
[Jornal de Notícias] Schlegel defendia que Camões só, por si, vale uma literatura inteira. É uma afirmação que continua a fazer sentido?
[Eugénio Lisboa] Sim. Na literatura portuguesa, Camões continua a reinar de forma suprema. Gosto muito de Pessoa, mas qualquer tentativa de equiparar a sua obra à de Camões é um óbvio exagero. Subscrevo, em parte, a opinião do meu amigo Helder Macedo, para quem toda a obra de Fernando Pessoa cabe na algibeira de Camões. Trata-se de um poeta extraordinário, cujo génio só é revelado na totalidade se for lido em Português. É certo que não existem traduções perfeitas ou sequer aproximadas, mas algumas edições de "Os Lusíadas" publicadas em Inglês - como a da Penguin - são particularmente más.
À semelhança do que Espanha faz com Cervantes, Portugal tem feito tudo para promover a obra de Camões?
Não nos esqueçamos que somos uma nação pequena, muito menos poderosa do que a Espanha. Não temos uma teia de institutos Cervantes espalhados pelos Mundo, por exemplo. Temos que nos adaptar à nossa pequenez.
Como contornar a aversão que muitos estudantes sentem quando confrontados com o ensino de "Os Lusíadas"?
O pior que se pode fazer a Camões é dá-lo a ler à juventude cedo demais, quando não existe ainda maturidade para compreender e assimilar toda a riqueza da sua obra. É contraproducente para um autor ser leccionado nas escolas antes do tempo.
Como se explica que "Os Lusíadas" tenham sido alvo de tantas leituras diversas, algumas das quais até acusam Camões de anti-semitismo e radicalismo cristão?
Todos os textos ricos prestam-se a uma grande multitude de leituras. Por outro lado, existe hoje um excesso de interpretação, a que não será alheio o facto de as universidades colocarem os meninos, através de mestrados e doutoramentos, a esmiuçarem até à exaustão a obra de vários autores. Tenho lido autênticos dislates nos últimos tempos, um dos quais fazia referência a um pretenso homo-erotismo na obra de Régio! A interpretação de um texto literário admite alguma liberdade, mas só até certo ponto.
Uma leitura de "Os Lusíadas" poderia atenuar o défice de auto-estima dos portugueses?
O que pode elevar a auto-estima é ver a manipulação genial da língua que Camões faz. Não só em "Os Lusíadas", mas também nos sonetos e nas odes. A grandeza literária em todo o seu esplendor encontra-se aí fortemente expressa.
O génio de Camões ofuscou vários autores do mesmo período quinhentista, como Bernardim Ribeiro, Garcia de Orta, António Ferreira ou Fernão Mendes Pinto. Qual destes autores lhe merece maior atenção?
Mesmo não sendo topo de gama, Bernardim Ribeiro é muito interessante. Tal como Cesário Verde, é um autor único. Não conheço poetas equivalentes noutras literaturas, mas ambos serviriam espantosamente para promoção cultural no estrangeiro.
O dia da Raça está de volta !
Enviar um comentário
<< Home