Papel do Estado
Cumprimento o Tonitosa que, p/ nível da s/ crítica, só pode ser pessoa de alto gabarito intelectual e conhecimento teórico muito sólido. C/ estas opiniões temos oportunidade de aprender!
Estamos de acordo globalmente e nas questões técnicas - sobre a aplicação à saúde (apenas discutirei a saúde) temos porventura pequenas diferenças de opinião. Aproveito p/ alinhavar algumas ideias s/ o tema e fazer um desafio aos bloguistas.
1º- Papel do Estado na Saúde?
I - Não defendo o "Estado Mínimo" c/ Saúde entregue a Grupos Privados Lucrativos, porque:
a)- A Saúde é um bem essencial em que a intervenção do Estado garante simultaneamente coesão social e equidade - distribuição "equitativa" p/ diferentes pessoas e locais (não apenas onde é rentável financeiramente).
b)- O processo de produção de saúde é muito exigente e de características muito próprias:
i)- Deve começar em primeiro p/ promoção da saúde e prevenção da doença (em todos os serviços de saúde e locais) - como normalmente não é fácil medir os privados fazem, qd muito, os mínimos;
ii)- Produção deve ser no tipo de serviço (local) e tempo apropriados, sob coordenação de cuidados/actividades apertada e c/ papel de apoio/orientação do doente bem feito p/ benefício geral (p/ ensino e auto-cuidados, p/ garantir aceitabilidade e cumprimento da prescrição, etc.).
c)- Saúde não é como outras actividades ("indústrias") em que tudo é fácil de medir/avaliar e em que mais produtos (actos) consumidos é melhor. É reconhecida a dificuldade de avaliar e controlar, o que põe problemas:
i)- Custo de monitorizar e controlar é muito elevado e deve ser levado à conta da maior eficiência (antecipada) dos privados;
ii)- Custo dos actos a mais e perigos (ex. infecções, morte) c/ financiamentos que se relacionam c/ produção e incentivos aos profissionais p/ produzirem (ainda que não seja pagamento p/ acto) - no financiamento p/ capitação o risco de actos a menos existe e será sempre difícil destrinçar se resultados se devem aos cuidados de saúde ou a outros factores (autores dizem q efeito dos cuidados saúde será menor q 10% ...);
d)- A concorrência na Saúde é importante (p/ maior qualidade e eficiência e p/ evitar orientação e captura p/ profissionais) mas a cooperação também o é - p/ vezes o interesse/estratégia dos grupos privados lucrativos não facilita/fomenta a cooperação (ou oferece apenas a que é medida/controlada!). Seguiria p/ a Saúde a opinião de pessoa de altíssimo gabarito "Existem frequentemente objectivos, sociais por exemplo, de uma sociedade que não são totalmente alcançados pelo livre funcionamento do mercado que podem exigir respostas diferentes da promoção da concorrência mas surgem normalmente como excepção" (PPB).Tem havido promiscuidade entre políticos (governos) e grandes Grupos Económicos em Portugal, o que prejudica o funcionamento do mercado (concorrência) e a adequada regulação p/ Estado. Porque na Saúde seria diferente?
e)- O desvio do contrato e a estatística “criativa” na saúde (gerando consequências negativas p/ o país) é possível e difícil de detectar: i)- Seleccionar doenças (ex. de menor risco; que garantem maior margem), doentes (ex. mais graves, mais afluentes) e incrementar codificações (“upcoding”); ii)- Multiplicar actos desnecessários (ex. MCDT ou CE quando pagas ao acto; internamentos quando podia ser Cir. Ambulatória ou H Dia), ineficazes ou c/ diferenciação maior que necessário (ex. RMN vs Rx).
II - Papel dos privados (lucrativos/não lucrativos)?
a)- Os problemas acabados de referir são mais graves c/ privados lucrativos e de grande capacidade de influenciar o Estado, os quais podem “trabalhar” melhor os aspectos listados no ponto 1ºe) extraindo vantagens económicas indevidas à custa de: dificuldades do Estado em controlar; desconhecimento e ausência de reclamação dos doentes. Lembro a propósito: o ridículo que foi ver o Estado e Grupo de Saúde reivindicando ambos terem a haver soma muito substancial (!); dificuldade revelada pelo Estado p/ acompanhar e controlar essa concessão.
b)- Quando o Estado tem menor intervenção na produção de serviços de saúde a grande maioria dos prestadores são não lucrativos (ex. Holanda e EUA) - esta realidade tem sido esquecida (escondida) em Portugal.
III - Há falhas do Estado mas também há óbvias falhas do mercado!!
a)- A comparação entre modelos c/ maior intervenção do Estado (SNS) e maior papel do mercado (ex. EUA) mostra que aqui há maiores problemas em eficiência macroeconómica e em protecção do rendimento e equidade - acredito q sejam melhores em qualidade e eficiência micro.
b)- Eficiência macroeconómica: na recta de regressão traçada c/ PIB e despesas de saúde (ambos per capita e em PPC) os países c/ SNS estão, na maioria, abaixo da linha (valor esperado) – EUA está muito acima (gasta muito mais do que s/ nível riqueza permitia esperar), Portugal está também acima da linha.
c)- Protecção do rendimento e equidade: basta ter mais de 48 milhões de pessoas nos EUA excluídos do acesso ao sistema (salvo em urgência) p/ o desqualificar nestes objectivos! (que um Europeu não compreende nem aceita).
d)- Unidades nos EUA serão mais eficientes, c/ melhor tempo de resposta e qualidade. Os SNS têm que importar os métodos de gestão, aumentar a concorrência e a escolha e melhorar a regulação do sistema.
e)- Temos em Portugal aspectos que são talvez o pior dos 2 sistemas, s/ que se obtenham todos os seus benefícios.
SemMisericordia
Estamos de acordo globalmente e nas questões técnicas - sobre a aplicação à saúde (apenas discutirei a saúde) temos porventura pequenas diferenças de opinião. Aproveito p/ alinhavar algumas ideias s/ o tema e fazer um desafio aos bloguistas.
1º- Papel do Estado na Saúde?
I - Não defendo o "Estado Mínimo" c/ Saúde entregue a Grupos Privados Lucrativos, porque:
a)- A Saúde é um bem essencial em que a intervenção do Estado garante simultaneamente coesão social e equidade - distribuição "equitativa" p/ diferentes pessoas e locais (não apenas onde é rentável financeiramente).
b)- O processo de produção de saúde é muito exigente e de características muito próprias:
i)- Deve começar em primeiro p/ promoção da saúde e prevenção da doença (em todos os serviços de saúde e locais) - como normalmente não é fácil medir os privados fazem, qd muito, os mínimos;
ii)- Produção deve ser no tipo de serviço (local) e tempo apropriados, sob coordenação de cuidados/actividades apertada e c/ papel de apoio/orientação do doente bem feito p/ benefício geral (p/ ensino e auto-cuidados, p/ garantir aceitabilidade e cumprimento da prescrição, etc.).
c)- Saúde não é como outras actividades ("indústrias") em que tudo é fácil de medir/avaliar e em que mais produtos (actos) consumidos é melhor. É reconhecida a dificuldade de avaliar e controlar, o que põe problemas:
i)- Custo de monitorizar e controlar é muito elevado e deve ser levado à conta da maior eficiência (antecipada) dos privados;
ii)- Custo dos actos a mais e perigos (ex. infecções, morte) c/ financiamentos que se relacionam c/ produção e incentivos aos profissionais p/ produzirem (ainda que não seja pagamento p/ acto) - no financiamento p/ capitação o risco de actos a menos existe e será sempre difícil destrinçar se resultados se devem aos cuidados de saúde ou a outros factores (autores dizem q efeito dos cuidados saúde será menor q 10% ...);
d)- A concorrência na Saúde é importante (p/ maior qualidade e eficiência e p/ evitar orientação e captura p/ profissionais) mas a cooperação também o é - p/ vezes o interesse/estratégia dos grupos privados lucrativos não facilita/fomenta a cooperação (ou oferece apenas a que é medida/controlada!). Seguiria p/ a Saúde a opinião de pessoa de altíssimo gabarito "Existem frequentemente objectivos, sociais por exemplo, de uma sociedade que não são totalmente alcançados pelo livre funcionamento do mercado que podem exigir respostas diferentes da promoção da concorrência mas surgem normalmente como excepção" (PPB).Tem havido promiscuidade entre políticos (governos) e grandes Grupos Económicos em Portugal, o que prejudica o funcionamento do mercado (concorrência) e a adequada regulação p/ Estado. Porque na Saúde seria diferente?
e)- O desvio do contrato e a estatística “criativa” na saúde (gerando consequências negativas p/ o país) é possível e difícil de detectar: i)- Seleccionar doenças (ex. de menor risco; que garantem maior margem), doentes (ex. mais graves, mais afluentes) e incrementar codificações (“upcoding”); ii)- Multiplicar actos desnecessários (ex. MCDT ou CE quando pagas ao acto; internamentos quando podia ser Cir. Ambulatória ou H Dia), ineficazes ou c/ diferenciação maior que necessário (ex. RMN vs Rx).
II - Papel dos privados (lucrativos/não lucrativos)?
a)- Os problemas acabados de referir são mais graves c/ privados lucrativos e de grande capacidade de influenciar o Estado, os quais podem “trabalhar” melhor os aspectos listados no ponto 1ºe) extraindo vantagens económicas indevidas à custa de: dificuldades do Estado em controlar; desconhecimento e ausência de reclamação dos doentes. Lembro a propósito: o ridículo que foi ver o Estado e Grupo de Saúde reivindicando ambos terem a haver soma muito substancial (!); dificuldade revelada pelo Estado p/ acompanhar e controlar essa concessão.
b)- Quando o Estado tem menor intervenção na produção de serviços de saúde a grande maioria dos prestadores são não lucrativos (ex. Holanda e EUA) - esta realidade tem sido esquecida (escondida) em Portugal.
III - Há falhas do Estado mas também há óbvias falhas do mercado!!
a)- A comparação entre modelos c/ maior intervenção do Estado (SNS) e maior papel do mercado (ex. EUA) mostra que aqui há maiores problemas em eficiência macroeconómica e em protecção do rendimento e equidade - acredito q sejam melhores em qualidade e eficiência micro.
b)- Eficiência macroeconómica: na recta de regressão traçada c/ PIB e despesas de saúde (ambos per capita e em PPC) os países c/ SNS estão, na maioria, abaixo da linha (valor esperado) – EUA está muito acima (gasta muito mais do que s/ nível riqueza permitia esperar), Portugal está também acima da linha.
c)- Protecção do rendimento e equidade: basta ter mais de 48 milhões de pessoas nos EUA excluídos do acesso ao sistema (salvo em urgência) p/ o desqualificar nestes objectivos! (que um Europeu não compreende nem aceita).
d)- Unidades nos EUA serão mais eficientes, c/ melhor tempo de resposta e qualidade. Os SNS têm que importar os métodos de gestão, aumentar a concorrência e a escolha e melhorar a regulação do sistema.
e)- Temos em Portugal aspectos que são talvez o pior dos 2 sistemas, s/ que se obtenham todos os seus benefícios.
SemMisericordia
Etiquetas: Semisericórdia
2 Comments:
Será que os argumentos certeiros do SemMisericórdia arrumaram de vez com o tonitosa?
Cá estou eu na minha missão de acicatamento.
Caros SemMisericordia e Xavier,
Estou portanto desafiado pelo Xavier a voltar ao assunto: Papel do Estado.
E começo por questionar o Xavier: Onde foi o meu amigo buscar a ideia de ..."arrumar de vez com o tonitosa"?
Na verdade o que me parece é que o SemMisericordia e eu acabamos nesta matéria por estar mais de acordo do que em desacordo.
Vejamos:
I - Estado Mínimo
Em parte alguma do meu texto defendi o Estado Mínimo. Referi apenas que em relação com o comportamento do Estado deveríamos (poderíamos) questionar qual deverá ser o seu papel. E repare-se que eu próprio entendo que cabe ao Estado assegurar a provisão de bens públicos e serviços colectivos fazendo-o directamente sempre que o possa fazer melhor que os particulares. Acrescento agora: sempre que haja falhas do mercado. E elas existem, como o demonstra a Teoria e o evidencia a prática.
Digo depois que tendo o Estado chamado a si funções para as quais veio a provar-se não ter apropriada capacidade o seu papel passou a ser posto em causa com o aparecimento de teses como a do Estado Mínimo.
E sobre o Estado Mínimo mais não disse, nem tal tese defendi.
E estou de acordo com o desenvolvimento feito pelo SemMisericórdia, como aliás se depreenderá de uma leitura (mais) atenta do que escrevi (de seguida) sobre o comportamento do Estado.
E em muitos dos meus comentários neste blog já dei relevo à saúde como bem essencial. E já me referi às falhas do mercado e às falsas vantagens dos HH privados em relação aos públicos, nomeadamente no que se refere ao "tratamento dos casos mais complicados" e selecção adversa.
Reconheço as dificuldades de avaliar/medir, controlar e monitorizar a "produção na saúde".
Apenas acrescento (sem discordância de fundo) que muitas das dificuldades apontadas pelo SemMisercicordia e os perigos que refere, confirmados muitas vezes pela realidade, seriam em parte ultrapassadas se os HH estivessem dotados de um adequado e autêntico sistema de registo e tratamento de dados (TIC)e diria mesmo, se por parte de muitos dos seus "agentes" houvesse verdadeiro interesse em que essa informação fosse obtida e divulgada.
Através de "benchmarking", (indicadores comparados, avaliação de boas práticas, etc.), evitar-se-iam os actos e custos a mais e seus perigos, a captura por profissionais, MCDT desnecessários, "upcoding", desvios de contrato e estatísticas criativas, etc..
Um verdadeiro e eficaz sistema de gestão de doentes e um rigoroso sistema de registo contabilístico, um adequado regsito dos actos e consumos clínicos (gestão séria) contribuiriam em muito para a minimização dos problemas referidos.
E a definição de "padrões" permitiria mais facilmente detectar comportamentos indesejados (porventura, manipulação de dados).
II - Papel dos Privados
Na minha análise o que pus em relevo foram as "falhas do Estado" mas nem por isso coloquei em alternativa o abandono do seu papel. Trata-se de analisar o "comportamento do Estado" e nele encontramos muitas vezes ineficácia e ineficiência. E disso dei exemplos nomeadamente na Saúde, com as listas de espera, e a "insatisfação" dos cidadãso e profissionais de saúde com o próprio Estado (SNS).
Referi a influência dos lobies sobre as decisões do Estado e também o SemMisercicordia o faz, na referência à sua capacidade para influenciar o Estado e retirar vantagens económicas indevidas.
O Estado, com efeito, que se julgava detentor de mais e melhor informação do que o Mercado, veio a revelar-se muitas vezes incapaz de tratar a informação que lhe está acessível, usando-a de forma incorrecta e errando, frequentemente, nos seus cálculos e nas suas previsões.
Querendo fazer muita coisa nem sempre foi capaz de fazer bem feito.
Estou com os que entendem que às instituições sem fins lucrativos deve caber um papel fundamnetal no domínio da prestação de cuidados de saúde. O Mercado Social não tem ainda entre nós a dimensão desejável nomeadamente no que se refere às Misericórdias, ainda a recuperar do "choque" das nacionalizações.
Mas, também aqui se não dispensa o controle pois há por vezes a tentação de colocá-las, tal como o próprio Estado, ao serviço dos que nelas "trabalham".
A comparação de modelos é sempre útil mas deve também ser avaliada em toda a sua dimensão.
Há sistemas onde o "seguro" tende a dar boa resposta tal como os há onde as desigualdades são acentuadas. Nos EUA onde há seguro (com diversos níveis de cobertura) geralmente "tudo funciona". Desde logo porque as próprias seguradoras funcionam. Onde não há seguro, há direito a "assitência mínima" e a esse nível também as coisa não estão muito mal. O problema coloca-se nos cuidados de maior complexidade não cobertos por seguro. Na verdade pode dizer-se que a qualidade e eficiência são levadas a custo da equidade e protecção.
A intervenção dos privados exige naturalmente regulação e controle. Mas o SNS não dispensa controle, avaliação e responsabilidade.
Estado, Sociedade e Mercado devem ser "chamados" a dar o seu contributo. E os seus papéis não têm que confundir-se. Devem sobretudo ser complementares.
Concluo pois como comecei: estou mais de acordo do que em desacordo com o SemMisericordia e nem vejo, na sua análise, significativas diferenças de opinião nas questões técnicas relativas à saúde aqui abordadas.
Não vejo por isso razões para apelar a ajudas "externas"!
Um abraço
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