quarta-feira, dezembro 10

Verbo, verbas, política


Interesses: Li o estudo de três investigadores da U. Nova (Avaliação da experiência…HFF 1996-2008) e quero afirmar que nada tenho contra esta ou aqueles. Também nada me leva a favorecê-los, excepto o respeito e admiração que sinto pela Instituição e pelos seus excelentes professores, a começar pelos que integram a ENSP.

Verbo: anúncio
Os autores prometem suprir a ausência de «… avaliação criteriosa que identificasse as vantagens e inconvenientes do modelo, o seu impacto no sistema de saúde e os resultados …» indicando 2 objectivos «fundamentais»: «Apresentar visão global da experiência de gestão privada do HFF pela Mello Saúde no período 1996-1008»; «Avaliar a execução do contrato, os resultados obtidos e o impacto da sua actuação na qualidade do serviço prestado e no sistema de saúde». (os «inconvenientes» caíram na passagem para os objectivos, e não mais foram preocupação).

Verbo: produto entregue
Antevia-se um trabalho de medição e avaliação que teria de ser:
a. Vasto, com muitos indicadores abrangendo diversas áreas e variáveis do HFF e de hospitais idênticos, e abrangente, para todo o período e que nos desse a tal «visão global» (filme e não fotografia) da performance do hospital e da relação com o Estado.
b. Variado, com informação quantitativa e qualitativa, p. ex., dimensões da qualidade e satisfação (ões).
c. Largo, para abranger inúmeros interessados na prestação do HFF (população e CSP, p. ex.), mas fino, para destrinçar (entre as múltiplas variáveis que intervêm) os efeitos que o HFF provocou no «sistema de saúde», seja no SNS – hospitais, CSP, CCI e outros serviços – e restantes serviços de saúde públicos e privados.
Parece óbvio que a perspectiva representada por «c» não está presente, a da alínea «b» foi apenas aflorada e a «a» foi tratada parcialmente (sem parcialidade).
Escolheram-se hospitais «congéneres» (mesma espécie) quando o que se impunha era seleccioná-los dentro da mesma gama, complexidade e diferenciação. Hospitais para onde o HFF refere, porque não consegue tratar ou são casos de maior gravidade, são tratados em pé de igualdade (HS Maria?). Basta atentar no quadro 17 (pág. 109) para concluir que o HFF tem: menor ICM que a média nacional; ICMs médico e cirúrgico muito longe do HSM e HGSA.
Comparam-se valores globais (D. Saídos e demora média, p. ex.) como se as componentes e os doentes fossem semelhantes, o que não é verdade (2 ex.s):
Maior % de doentes de obstetrícia leva a custos e demora média menores. De modo idêntico com doentes “indevidos” no internamento – ex., admissões inapropriadas, verdadeiras cirurgias de ambulatória (CA). HFF tem o maior nº de partos dos «congéneres», a menor % de CA (estarão no internamento?) e mais de 10% de admissões inapropriadas. Maior % de doentes idosos, graves (severidade) e de áreas complexas tem o efeito contrário (estes aspectos foram esquecidos no estudo).
Ter uma das maiores urgências pode não merecer uma medalha. Tendo um baixo nº CE/urgência e com as consultas dos CSP a diminuir havia que aumentar as CE e articular com CSP e com ARS (nada se diz sobre articulação com CSP e sobre ARSLVT foge-se como do diabo da cruz). Se a % de casos verdadeiramente urgentes for baixa há inapropriação e baixa diferenciação, o que talvez explique a baixa do seu custo unitário.

Apresentam-se muitas “fotografias” de 2007, nenhuma análise comparativa com os hospitais ao longo de todo o período (diversas variáveis) e pouca (e genérica) sobre produção e eficiência.

Quanto à alínea «b» são visíveis as limitações da análise sobre a qualidade técnica e a satisfação dos clientes - médicos referentes e doentes. Comparação com os valores de hospitais também não há. Mostra-se “fotografia” de 2007 sobre satisfação de colaboradores (pág. 101), que nada diz sobre aspectos que os profissionais valorizam, nem sobre a dimensão da amostra, actividades e grupos profissionais envolvidos. O turnover era muito elevado e só baixou após 2005. A satisfação de doentes aparece apenas para 2005-07, com pouco detalhe e sem comparação com hospitais – evidencia problemas em 2005 (segundo o texto também em 2004).

Seria importante saber como evoluiu a % de doentes dos 2 concelhos (AS) que foram tratados no HFF – urgência, CE, internamento, CA – face aos restantes hospitais de Lisboa. De modo semelhante quantos estavam em espera no HFF face ao total. Nada foi dito.
Sobre qualidade não basta referir a acreditação pelo KF, que é um requisito necessário mas não é suficiente. A % de cesarianas era 23,3% em 2000 e tem aumentado, até 34% em 2007. Não vimos analisada a % de reinternamentos. A única informação comparativa de qualidade (quadro 16) é desfavorável ao HFF, porque em vários indicadores tem limites inferiores e superiores piores: infecções na UCIC e UCICRE, mortalidade neonatal, prevalência de úlceras, regressos não programados a SU. A % de 1ªs CE tem vindo a diminuir (32,7% em 2000 e 24,2% em 2007) reflectindo problemas de acesso já que o nº «doentes à espera de CE duplicou» (dizem os autores sem explicar porquê).
A CA não foi tratada e merecia-o. O HFF tem uma % baixíssima de CA, em 2006 segundo a Comissão, a taxa de ambulatorização era apenas 4,5%, LVT tinha 26,3% e Portugal 28,9% (HGSA 46,8%). A % de CA no HFF vem caindo desde 2004, mas tem 4 salas com 996 operações/ sala (as do internamento têm 1271/sala ). Se HFF tivesse a % média de LVT teria tratado mais 2900 doentes/ano em CA.

Os autores tiveram o cuidado de apresentar a figura 16 onde, para 2007, apresentam o HFF como maior nº de partos entre os «congéneres». Nada disseram sobre a enorme quebra ocorrida desde 2000 (menos 1900, seja 32%) e desde 2002 (-23%). Acresce que a % de recém-nascidos de AS que nasceram no HFF no total dos nascidos em Lisboa passou de 16,2% em 2002 para 12,7% em 2007 (INE). Também ao contrário do que se diz (pág. 34: «taxa de natalidade … superior em 2000 e 2007 à média nacional acentua a pressão da procura») no HFF em 2000 nasceram 37,78% dos bebés de AS e em 2007 apenas 30,96%. Parece ser uma votação com os pés, que devia ser analisada no estudo porque pode indiciar problemas no HFF.

Espera: apresenta-se como um feito a redução do tempo de espera para cirurgia (menos 848 doentes) mas não se evidencia que aumentam muito na CE (mais 8644 e o nº doentes à espera/1000 hab mais que duplicou) onde pode ser mais perigoso, porque se desconhece a gravidade e sua evolução.

Quanto aos estudos comparativos temos que ser precisos quanto ás conclusões:
1º Estudo (1999): «… em termos globais a apreciação foi mais favorável ao HGO» (cf autores deste estudo).
2º Estudo (2003): «um dos modelos inovadores (HSS) apresenta globalmente melhores resultados que o outro (HFF)».

Este estudo esqueceu tantos aspectos de qualidade e se os mediu e comparou não os apresentou para podermos concluir sobre este aspecto tão importante. Ora aparentemente o HFF tem muita informação sobre qualidade e detalhada - já que a avaliação individual dos médicos a considera -, então porquê a ausência? Veja-se então:
Depois de afirmar que o acompanhamento e controlo pela ARS foi o problema …
Não tendo apresentado provas de que estava a falar dos mesmos produtos e da mesma qualidade …
Que faz o estudo? «Somos obrigados a presumir que o HFF cumpriu , ao longo destes anos, as exigências de qualidade impostas contratualmente». Ou a ARS não mediu? Ou não controlou porque (como se queixa) o sistema de informação do HFF não era falível? Ou porque esta conclusão era a que dava jeito?

Outras 2 afirmações merecem destaque:
O Estado poderia ter beneficiado muito com as inovações e as experiências do HFF. Se estavam mesmo convencidos disso porque não puseram essa informação «preciosa» no site, ou publicaram a contabilidade analítica, ou promoveram seminários com os restantes hospitais, ou…
Entre as manifestações de capacidade da gestão privada está o sistema de incentivos aos profissionais. Os autores do estudo reconhecem que o HFF demorou de 1995 a 2005 para o formular (grande sistema!).

(amanhã falaremos das verbas e da política)

Orapronobis

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4 Comments:

Blogger e-pá! said...

No princípio era o VERBO…

Em Maio de 2008, o HH FF, elaborou um caso de estudo com a chancela da Universidade Lusíada de Lisboa (ULL) tendo como relatores o Doutor Filipe Ravara e Pedro Silva, aluno da Licenciatura em Gestão de Empresas da ULL).
Nesse estudo, entrecortado por frequentes tomadas de posição do presidente do CA – Salvador de Mello, nomeadamente sobre inovações do modelo de gestão, conclui-se:

“Face a este desfecho e aparentes contradições, a ideia fundamental que fica é que este é um projecto pioneiro de gestão hospitalar em Portugal, que teve resultados claramente mensuráveis segundo a perspectiva dos seus utilizadores finais.
Assim, continua a ser imperativo entender que ensinamentos e valor se podem retirar deste projecto para o futuro da gestão das Instituições do Sistema Nacional de Saúde, questão esta que pode e certamente deve ser promovida através da realização de uma avaliação do projecto por uma entidade independente, competente e credível para o efeito.”
link

Em primeiro lugar, é conveniente - para questões de declaração de interesses - conhecer o curriculum do Doutor Filipe Ravara:
Começou a trabalhar há alguns anos, desde 1996, na ”HOLDING MELLO”.
Foi gerente do Planeamento Estratégico do Banco Mello, gerente de Marketing do Banco Mello de Investimentos Financeiros e Activos, promotor da Unidade de Private Banking, …etc
Em 2000, começa a trabalhar no BCP e, em 2001, torna-se gerente de Marketing do Caixa Geral de Depósitos, tendo percorrido os diversos degraus na estrutura deste Banco, desempenhando neste momento importantes funções no âmbito da consultoria de investimento de alto rendimento para os clientes….link

É este académico, essencialmente ligado ao marketing e à actividade bancária de investimento que, decorrente do seu case study, recomenda:
“Assim, continua a ser imperativo entender que ensinamentos e valor se podem retirar deste projecto para o futuro da gestão das Instituições do Sistema Nacional de Saúde (*), questão esta que pode e certamente deve ser promovida através da realização de uma avaliação do projecto por uma entidade independente, competente e credível para o efeito.”…

E, dito e feito.

(*) sic, no texto.

6:03 da tarde  
Blogger helena said...

Excelente.
Depois não digam que o CC não colabora no saudesa!...

7:51 da tarde  
Blogger Joaopedro said...

Pelos vistos o Salvador foi aos saldos.
O que interessava era fazer alarido na hora da despedida.
E, isso, foi conseguido com aqueles incriveis títulos do JP e Expresso.

7:54 da tarde  
Blogger DrFeelGood said...

Uma coisa é certa. Este "orapronóbis" é pessoa que está muito por dentro do caso HFF.

11:35 da tarde  

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