Empresarialização Hospitais SNS
Adoptar técnicas empresariais é diferente de um hospital público ser transformado numa empresa. A administração duma empresa institui um conjunto de normas padrão ou standards, que especificam critérios técnicos, métodos, processos e práticas para condicionar a produção, cujas alterações só podem acontecer com a autorização prévia dessa mesma administração. Um hospital público é diferente de qualquer empresa por uma razão essencial – é indispensável que a administração garanta a autonomia técnica da primeira linha de produção constituída pela prestação de cuidados médicos.
Num hospital público não deve haver standards na prestação de cuidados. Pode e deve haver protocolos clínicos orientadores no tratamento de cada patologia, conformes ao estado da arte médica e determinados inter-pares, mas, em bom princípio da qualidade de cuidados, não há doenças, há doentes. Os meios de diagnóstico e tratamento devem ser adequados ao estado evolutivo de cada doente, com a possibilidade de serem alterados em qualquer momento pelos clínicos responsáveis.
A criação de hospitais/empresa foi iniciada pelo Governo anterior ao transformar hospitais públicos em sociedades anónimas, segundo o Código das Sociedades Comerciais. O Governo actual adoptou o modelo das Entidades Públicas Empresariais (EPE). Em ambos os modelos, sendo o valor do capital dum hospital detido pelo Estado um valor do activo e não do passivo público, tratou-se de processo de engenharia financeira para fazer baixar o défice público exigido pelo Pacto de Estabilidade e Crescimento. Em minha opinião, a estratégia da designada empresarialização dos hospitais do SNS, tanto pelo Governo anterior como pelo actual, deve ser analisada enquadrando-a no fundamentalismo de acabar com o défice público tendo como o objectivo global de menos Estado.
Não estou a defender que o SNS, nomeadamente os seus hospitais, não careciam e não carecem de reformas para obtenção de ganhos de eficiência e aumento de produtividade, mas, em minha opinião, a empresarialização dos hospitais do SNS decorre inserida na reforma geral da função pública, a qual, como via para baixar as respectivas despesas, baseia-se no pressuposto, implícito, de os funcionários públicos constituírem, globalmente, um corpo de trabalhadores privilegiados, (cargos vitalícios, salários, aposentação, etc.), relativamente aos trabalhadores do sector privado. Ou seja, considerar não ser justo que os funcionários públicos tenham mais direitos que os trabalhadores do sector privado, (contratos individuais, regime geral de pensões, trabalho precário, mobilidade, possibilidade de despedimentos, contenção salarial, etc.).
A meu ver, a aproximação do regime da função pública ao regime privado constitui um alinhamento de direitos por baixo, situação geradora, por exemplo e em prática, do congelamento das carreiras dos prestadores de cuidados de saúde, do recurso a trabalho precário, chegando-se à contratação de médicos à hora através de empresas de trabalho temporário. Esta situação não pode deixar de ter consequências na baixa da qualidade de cuidados.
Para obter ganhos de eficiência, com necessário aumento de produtividade na prestação de cuidados hospitalares, seria necessário criar incentivos para a opção pela dedicação exclusiva dos profissionais de saúde, mesmo, eventualmente, começando pelas direcções de centros de responsabilidade integrada e de direcções de serviços. Este objectivo, tenuemente anunciado, foi adiado por alegada falta de capacidade. A própria contratualização quantitativa da prestação de cuidados hospitalares é desmotivadora do aumento de produtividade dos serviços – quando estes excedem o número de actos contratualizados, os preços a facturar (por GDH) sofrem um desconto significativo, fazendo baixar significativamente as respectivas receitas.
As listas de espera para marcação de primeiras consultas hospitalares pedidas por médicos de família dos centros de saúde atingem algumas centenas de milhares de doentes, na generalidade dos casos, pedidos fundamentados em meios de diagnóstico realizados. Esta situação estará também a contribuir para o recurso excessivo aos serviços de urgência, que subsiste. O tempo de demora na marcação de primeiras consultas hospitalares nas áreas cirúrgicas não está a ser acrescentado às listas de espera por cirurgias, pelo que não se sabe, ao certo, quantos doentes aguardam por intervenções realmente necessárias.
Apesar do êxito obtido em algumas experiências anteriores com a criação de unidades locais de saúde, caso de Matosinhos, que integram, por áreas geográficas pré definidas, hospitais e centros de saúde com uma única administração, com provas dadas na melhoria da interligação entre os centros de saúde e hospitais, não se entende por que não foi adoptada essa estratégia a nível nacional. Na generalidade dos casos, os médicos dos centros de saúde e os médicos hospitalares não dialogam, embora seja consensual que esse diálogo é importante.
O Governo mantém algumas parcerias públicas/ privadas, as chamadas PPP, para a construção de novos hospitais, incluindo a gestão clínica por empresas privadas (casos dos novos hospitais de Braga, Cascais, Loures e Vila Franca de Xira) - apesar da má experiência no acerto de contas na gestão privada do Hospital Amadora-Sintra, e de o próprio Reino Unido, campeão deste tipo de parcerias, ter excluído a gestão clínica privada das PPP.
Santos Cardoso , revista TecnoHospital, dez.08
Num hospital público não deve haver standards na prestação de cuidados. Pode e deve haver protocolos clínicos orientadores no tratamento de cada patologia, conformes ao estado da arte médica e determinados inter-pares, mas, em bom princípio da qualidade de cuidados, não há doenças, há doentes. Os meios de diagnóstico e tratamento devem ser adequados ao estado evolutivo de cada doente, com a possibilidade de serem alterados em qualquer momento pelos clínicos responsáveis.
A criação de hospitais/empresa foi iniciada pelo Governo anterior ao transformar hospitais públicos em sociedades anónimas, segundo o Código das Sociedades Comerciais. O Governo actual adoptou o modelo das Entidades Públicas Empresariais (EPE). Em ambos os modelos, sendo o valor do capital dum hospital detido pelo Estado um valor do activo e não do passivo público, tratou-se de processo de engenharia financeira para fazer baixar o défice público exigido pelo Pacto de Estabilidade e Crescimento. Em minha opinião, a estratégia da designada empresarialização dos hospitais do SNS, tanto pelo Governo anterior como pelo actual, deve ser analisada enquadrando-a no fundamentalismo de acabar com o défice público tendo como o objectivo global de menos Estado.
Não estou a defender que o SNS, nomeadamente os seus hospitais, não careciam e não carecem de reformas para obtenção de ganhos de eficiência e aumento de produtividade, mas, em minha opinião, a empresarialização dos hospitais do SNS decorre inserida na reforma geral da função pública, a qual, como via para baixar as respectivas despesas, baseia-se no pressuposto, implícito, de os funcionários públicos constituírem, globalmente, um corpo de trabalhadores privilegiados, (cargos vitalícios, salários, aposentação, etc.), relativamente aos trabalhadores do sector privado. Ou seja, considerar não ser justo que os funcionários públicos tenham mais direitos que os trabalhadores do sector privado, (contratos individuais, regime geral de pensões, trabalho precário, mobilidade, possibilidade de despedimentos, contenção salarial, etc.).
A meu ver, a aproximação do regime da função pública ao regime privado constitui um alinhamento de direitos por baixo, situação geradora, por exemplo e em prática, do congelamento das carreiras dos prestadores de cuidados de saúde, do recurso a trabalho precário, chegando-se à contratação de médicos à hora através de empresas de trabalho temporário. Esta situação não pode deixar de ter consequências na baixa da qualidade de cuidados.
Para obter ganhos de eficiência, com necessário aumento de produtividade na prestação de cuidados hospitalares, seria necessário criar incentivos para a opção pela dedicação exclusiva dos profissionais de saúde, mesmo, eventualmente, começando pelas direcções de centros de responsabilidade integrada e de direcções de serviços. Este objectivo, tenuemente anunciado, foi adiado por alegada falta de capacidade. A própria contratualização quantitativa da prestação de cuidados hospitalares é desmotivadora do aumento de produtividade dos serviços – quando estes excedem o número de actos contratualizados, os preços a facturar (por GDH) sofrem um desconto significativo, fazendo baixar significativamente as respectivas receitas.
As listas de espera para marcação de primeiras consultas hospitalares pedidas por médicos de família dos centros de saúde atingem algumas centenas de milhares de doentes, na generalidade dos casos, pedidos fundamentados em meios de diagnóstico realizados. Esta situação estará também a contribuir para o recurso excessivo aos serviços de urgência, que subsiste. O tempo de demora na marcação de primeiras consultas hospitalares nas áreas cirúrgicas não está a ser acrescentado às listas de espera por cirurgias, pelo que não se sabe, ao certo, quantos doentes aguardam por intervenções realmente necessárias.
Apesar do êxito obtido em algumas experiências anteriores com a criação de unidades locais de saúde, caso de Matosinhos, que integram, por áreas geográficas pré definidas, hospitais e centros de saúde com uma única administração, com provas dadas na melhoria da interligação entre os centros de saúde e hospitais, não se entende por que não foi adoptada essa estratégia a nível nacional. Na generalidade dos casos, os médicos dos centros de saúde e os médicos hospitalares não dialogam, embora seja consensual que esse diálogo é importante.
O Governo mantém algumas parcerias públicas/ privadas, as chamadas PPP, para a construção de novos hospitais, incluindo a gestão clínica por empresas privadas (casos dos novos hospitais de Braga, Cascais, Loures e Vila Franca de Xira) - apesar da má experiência no acerto de contas na gestão privada do Hospital Amadora-Sintra, e de o próprio Reino Unido, campeão deste tipo de parcerias, ter excluído a gestão clínica privada das PPP.
Santos Cardoso , revista TecnoHospital, dez.08
Etiquetas: hospitaisepe
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