quarta-feira, março 18

Venham mais cinco

duma assentada que eu pago já…

Bem hajam pelas críticas à tentação dos hospitalários (5+5), todas elas. Em resposta formulei outras cinco dúvidas, que é o que consigo fazer com a informação disponível. Deixo as certezas para almas superiores, porventura com outro nível de conhecimento.

1ª Integração de cuidados está conseguida nas ULS?

Penso que é consensual para todos nós a necessidade de integrar cuidados, para cumprir os princípios do SNS, para benefício dos doentes e para sustentação das finanças (nós, cidadãos e contribuintes, agradecemos).
A simples melhoria de referenciação inter-cuidados, objectivo mínimo nos serviços do SNS, não colhe como evidência de sucesso ou justificação para a ULS, até porque pode conseguir-se com um simples despacho da DGS associado à inclusão como obrigatória na contratualização, seguindo-se auditoria periódica.

O resultado mínimo esperado de uma ULS, ao fim de dez anos, não seria a definição e implementação das peças essenciais (vários programas de prevenção; protocolos clínicos conjuntos, sobretudo para crónicos; a dita referenciação; grande redução da inapropriação hospitalar e expansão de cuidados de proximidade -CSP, CCI, domiciliários; informação clínica integrada e auditada)?

2ª Integração de serviços é só apoio/logística?

Como já referimos se o objectivo da ULS fosse obter economias de escala (logística, MCDT) então simples contratos bastariam, com benefícios adicionais das inovações e melhorias esperadas pela maior motivação nos CSP. Evitavam-se ainda os custos acrescidos por maior burocracia e lentidão de decisão (inevitáveis com a maior dimensão) e a dispersão da gestão entre uma entidade muito complexa e carente de gestão (hospital) e múltiplas unidades dispersas e simples em termos de organização e gestão corrente.
A ULS é de facto uma OPA dos hospitais aos CSP, com um conselho de administração único e todo-poderoso quanto à afectação, uso e avaliação de recursos dentro da ULS. Outras (muitas) soluções de organização do SNS são possíveis, como a apontada pelo brilhante e profundo Brites, mas o que está em discussão é a ULS (OPA, ponto).
Reparei que o estudo postado pelo campeão da (de) qualidade António Rodrigues, meu companheiro de “internices”, passou no saudesa como cão por vinha vindimada. E foi pena porque as conclusões dos estudos (estudos, não misto de “achismo”, “fé” e “feelings”) não favorecem os que agora, sem razão aparente nem prova concludente (nenhuma aliás), vieram a terreiro como grandes defensores das ULS.

Se a ULS fosse muito melhor não se notava (claramente), ao fim de 10 anos, em eficiência e lucros para os accionistas (todos nós), de maior qualidade e menor inapropriação para os doentes, de maior satisfação dos profissionais, entre outros benefícios?

3ª Diferenciação e integração no sistema?

Concordo, naturalmente, com as explanações magistrais de Brites sobre sistemas e integração/ diferenciação. Por isso defendo que, nesse nível, há muito para fazer nas unidades actuais:
Nos hospitais, conseguir as mudanças organizacionais já referidas e para resultados muito melhores em qualidade, eficiência e tempo;
Nas USF onde é necessário haver integração num nível superior não apenas para melhor afectação de recursos mas também para partilha de práticas e instrumentos (ex. protocolos), beneficiar das múltiplas inovações e melhorias (e difundi-las por todo o SNS), produzir conhecimento sobre problemas de saúde e melhores alternativas.

Nos CSP o número actual de unidades é muito elevado e a dispersão de recursos e a rigidez não o é menos. Não será fácil compatibilizar as culturas e práticas instituídas nas ex-SRS e nos CSP tradicionais (problemas de burocracia, de qualidade técnica e de serviço, de tempo, de uso e controlo de recursos, de gestão da doença) e as novas culturas, práticas e resultados das USF.
Nos hospitais ainda se vive a mera gestão dos recursos, dos problemas derivados à macrocefalia do SU, da compatibilização dos principados e dos grupos, dos inexistentes CRI e contratos internos (verdadeiros e responsabilizadores), da resposta ao centralismo de decisão e à insipiência de instrumentos de coordenação e controlo.

Por tudo isto pergunto: será de esperar que, numa ULS, se façam simultaneamente aquelas duas integrações (por fazer em cada um dos sectores) e, ainda, a integração num nível superior de gestão, para além da integração de cuidados?

4ª ULS como “princípio ordenador do sistema”?

Reparei que um bloguista veio defender uma ULS como tendo o, ausente e necessário, “princípio ordenador do sistema”. Fiquei surpreendido com o argumento, talvez aguardava resultados, concretos e quantificados, a comprovar a superioridade do modelo ao fim de dez anos de experiência.
Pergunto: a Lei de Bases da Saúde (ex. o nº 1 da Base II), os princípios do SNS e a estratégia definida para o SNS (e para cada sector de cuidados) não têm já esse papel?

5ª Questão: como implementar mudança no SNS?

Anos de políticas erradas reforçaram o hospitalocentrismo (“hospitais predadores de dinheiro, prestígio e protagonismo”, segundo Luís Campos) e conduziram a situação em que os CSP têm pior imagem, menor visibilidade e credibilidade junto da população, menor actratividade junto dos novos profissionais, menor poder de influência. Louva-se a coragem de quem lançou as USF (como prioridade) e dos que tomaram em mãos a tarefa de as colocar no terreno e inverter aquele estado de coisas. É da elementar justiça reconhecer o trabalho desenvolvido nas USF e dar condições para que essa experiência passe a dominante nos CSP, para o que é vital obter o apoio e comprometimento dos MGF (bem como dos enfermeiros dos CSP).
Vimos no post anterior como o desenvolvimento dos CSP é essencial para melhores hospitais e mais saúde. Não é normal defender agora o investimento nas ULS, numa relação com poder tão desigual, com subalternização dos CSP e orientação de saúde invertida (hospital comanda o sistema de cuidados).
Acompanhamos ainda o excelente e visionário Luís Campos quando refere a importância de se completar e avaliar primeiro a reforma da RRH de urgência. Num país em que ninguém avalia nada e em que, não obstante, se lançam e trucidam modelos e mecanismos de gestão uns atrás de outros, …
Não obstante é de frisar que não é normal que não se deixem amadurecer as experiências, como diria o notável Aidenós, “queimando etapas ou condições que não podem ser omitidas sem se entrar no domínio da ficção”.

Pergunto: não será melhor, ao invés de disparar em modismos e impulsos de organização, deixar desenvolver os percursos (hospitais, USF), avaliando devidamente as experiências e garantindo (finalmente) os princípios e pressupostos iniciais do SNS?

CinqueQuest

3 Comments:

Blogger antonio rodrigues said...

"Organisational design for health integrated delivery systems: Theory and practice" de Federico Lega .
Um texto que reputo como fundamental para a reflexão conjunta que o saudesa em boa hora nos tem proporcionado, mas só acessível para os felizes que possam “entrar” no Science Direct.
O site é link.
Foi publicado na Health Policy 81 (2007) 258–279. Mas, disponível para o público em geral, só memo o abstract.
«Integrated delivery systems (IDS) are worldwide emerging as the dominant organizational form in the healthcare sectors. This article, drawing from international comparisons, focuses on organizational design of IDS. The analysis derives from an extensive literature review, which shows over the last years a significant lack of works on design issues, and from a number of experiences in community care settings, which provide useful insights on changes taking place in governance and delivery of health services at the local level. The frameworks discussed depict the major options of reorganization that can be observed in local integrated health systems of industrialized countries.»

11:26 da tarde  
Blogger DrFeelGood said...

«Não será melhor, ao invés de disparar em modismos e impulsos de organização, deixar desenvolver os percursos (hospitais, USF), avaliando devidamente as experiências e garantindo (finalmente) os princípios e pressupostos iniciais do SNS?«

Inteiramente de acordo com esta conclusão do cinquequest.
No entanto, este brilhante analista, parece esquecer que, doravante, no terreno, há que contar com o novo relacionamento ACES/Hospitais que vem alterar substancialmente as coisas.

11:37 da tarde  
Blogger Antunes said...

A ministra da Saúde, Ana Jorge, reconheceu hoje a existência de «dificuldades de articulação» entre pneumologistas e médicos de família, a qual dificulta o combate à tuberculose.

Esta «desarticulação» dificulta o combate à doença, como reconheceu a ministra, que defendeu o estabelecimento de prioridades da parte dos profissionais, de modo a que «cada um sabe o que deve e tem de fazer».

Sobre os dados hoje avançados pela Lusa de que a incidência de casos de tuberculose multiresistente estão concentrados maioritariamente na Área Metropolitana de Lisboa, Ana Jorge lembrou que esta é a zona onde se registam «mais problemas de saúde e, logo, também de tuberculose». link

Cá temos mais um caso, que, por sinal, dá muito jeito à ministra da súde para justificar mais um mau resultado da sua politica de saúde.
Neste contexto, parece-me que as ULS podem ter um papel positivo através do seu contributo para uma melhor articulação da rede de cuidados.
Numa decisão infeliz, este goveno decidiu substituir um vintena de subregiões por meia centena de ACES. Foi o toque de finados da reforma dos CSP.

1:18 da manhã  

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