Privados no SPA do SNS
Subcontratações
Está hoje praticamente generalizado, mesmo nos HH do SPA, o recurso ao sector privado em áreas como a alimentação, o tratamento de roupas, a limpeza das instalações, a eliminação de resíduos, a segurança e o transporte de doentes. Também não faltam defensores de idêntica opção para áreas situadas na que podemos considerar de “zona intermédia”, correspondente aos Serviço complementares de diagnóstico e tratamento (SCDT). Historicamente, compreende-se esta extensão, pois que, desde sempre os HH recorreram à requisição de exames ao exterior (normalmente ao sector privado) nos casos em que não dispunham, eles próprios, de capacidade técnica para a sua execução. Mas é diferente o que agora alguns defendem e que iria no sentido de os HH poderem abdicar de executarem os exames requisitados e os restantes, ou seja, deixarem de ter serviços de Análises ou de Imagem, ou Serviços Farmacêuticos.
Esta abertura ao outsourcing tem sido defendida com base em objectivos, uns confessáveis outros um pouco menos, mas nunca foi vista como intrusão, ou ameaça ao SNS. Entre os objectivos confessáveis podem arrolar-se os seguintes:
- concentrar capacidade de intervenção no chamado “core” do Hospital;
- o princípio da especialização: fazer apenas o que fazemos melhor e adquirir o resto a quem o fizer melhor, garantindo assim o máximo de qualidade da prestação hospitalar;
- redução de custos: por efeitos de escala, por maior agilidade dos privados, por maior capacidade de redução do desperdício.
Como exemplo de objectivo menos confessável refira-se apenas que o outsourcing pode ser utilizado como forma de, mediante reconversão do pessoal libertado das tarefas passadas para o exterior, contornar as restrições existentes, de há longa data, à contratação de novos efectivos.
Qualquer contratação tem que ser analisada e decidida em concreto e não influída por considerações que lhe sejam estranhas, ainda que não possa ser desinserida do contexto e este é o do próprio Hospital que a decide e também o do SNS em que se insere (ex. prestações de MCDT a HH e CS, ensino/treino de profissionais do SNS).
Na generalidade, o que pode dizer-se?
1. Antes de mais, penso que não pode esquecer-se que os HH não se libertam das responsabilidades inerentes às prestações mesmo que subcontratadas. Adquirem direito de regresso sobre o adjudicatário, mas são os HH que respondem perante o doente ou outras instâncias competentes para actuar essa responsabilidade. Daqui derivam várias consequências:
- a libertação para concentração nas actividades “core” do Hospital deve ser entendida em termos hábeis. No mínimo, o Hospital terá de dispor de capacidade para definir, avaliar e controlar as prestações subcontratadas, detectando e corrigindo atempadamente qualquer eventual desvio, ou seja, só poderá reduzir efectivos ao nível da operação e gestão corrente;
- na avaliação e controlo inclui-se o que deve incidir sobre o acatamento, pelo prestador, das restrições e das imposições, relativas nomeadamente à cooperação e à relação com os serviços clínicos (cumprir directivas e orientações da Direcção Técnica, acções para mútua aprendizagem, para normalização de procedimentos, etc.);
- a definição das prestações subcontratadas não pode limitar-se às situações normais de funcionamento, antes deverá preocupar-se com situações de crise ou perturbação de funcionamento, prevendo as medidas de contingência possíveis para atenuar as consequências da anormalidade de funcionamento;
- ainda que as subcontratações devam ser de médio/longo prazo, deverá ser dada especial atenção ao fim desse prazo, isto é, o Hospital não pode ficar prisioneiro do adjudicatário, prevendo no respectivo contrato medidas que viabilizem a mudança com o mínimo custo possível;
- a subcontratação poderá originar conflitos de relacionamento com o pessoal hospitalar ou mesmo com os utentes que procuram os serviços. Deverá ser exigido que o pessoal do subcontratado possua não só as habilitações profissionais exigíveis como também formação específica necessária para o trabalho em contexto hospitalar.
2. Numa análise em função do Impacto financeiro e do Risco de fornecimento as compras podem ser classificadas de acordo com a seguinte matriz:
As áreas de subcontratação situam-se no quadrante das compras estratégicas e justificam pela sua relevância uma abordagem cuidadosa. Dependendo do poder relativo das diferentes partes envolvidas (fornecedores e Hospital), a política deverá ser de parceria ou colaboração. O objectivo é criar um ambiente em que as relações são estabelecidas para um médio/longo prazo em que as vantagens e benefícios são partilhadas por ambas as partes e os potenciais obstáculos são trabalhados em conjunto. Um aspecto fundamental será a selecção inicial do fornecedor. O estudo do mercado para encontrar o melhor parceiro, deve levar em linha de conta as referências, a estabilidade financeira, a qualidade dos seus sistemas logísticos e de garantia da qualidade, e até mesmo a capacidade de desenvolvimento e evolução dos seus produtos ou serviços. O factor preço, ainda que importante, não pode ser dominante, pois estão em causa serviços que, mesmo se situados fora do “core”, se caracterizam pela imprescindibilidade e pela regularidade do seu funcionamento.
3. As considerações precedentes assumem ainda maior importância se o que estiver em causa for algum dos SCDT. Por várias razões:
- os SCDT assumem enorme importância e têm que ser vistos como factor condicionante e potenciador da evolução e desenvolvimento de todo o Hospital; perante a evolução tecnológica que tem imposto esta evolução e que, tudo o indica, vai reforçar-se, talvez já não seja correcto considerar os SCDT fora do “core” do Hospital, e há já áreas em que a intervenção diagnóstica e a terapêutica se desenvolvem lado a lado, em simultaneidade e colaboração tão estreita que será difícil dizer quem apoia a quem (v.g., radiologia de intervenção);
- os SCDT são serviços que desenvolvem a sua actividade ou sobre o doente ou sobre o produto de colheitas, requerendo, portanto, deslocações dos doentes que nem os avanços da tecnologia das comunicações conseguem evitar; naturalmente, com diminuição de comodidade para o doente que deve ser considerado o centro do sistema;
- finalmente os SCDT são serviços exigindo pesado investimento de recursos, (financeiros, de pessoal técnico e de tempo de instalação); como ficou referido, a drasticidade da mudança de fornecedor é grande e deve merecer particular atenção; mesmo assim, reunir condições para funcionamento destes serviços no Hospital, para além dos restantes recursos, exigirá tanto tempo que a transição só poderá ser dramática.
4. Pelas razões referidas, parecer-me-ia que:
- As subcontratações nas áreas tradicionais da chamada logística hospitalar, quando julgadas adequadas, devem ser acauteladas em termos de não porem em causa a competência de definição estratégica do Hospital;
- Subcontratações na área dos SCDT, aqui se compreendendo os Serviços Farmacêuticos, não serão aconselháveis e só deveriam ser encaradas como último recurso para garantir as respectivas prestações;
- Mesmo assim, e no caso dos SCDT, os HH devem sempre dispor das instalações e dos equipamentos, sem o que ficam prisioneiros do subcontratante, e sem capacidade de alternativa.
AIDENÓS
Está hoje praticamente generalizado, mesmo nos HH do SPA, o recurso ao sector privado em áreas como a alimentação, o tratamento de roupas, a limpeza das instalações, a eliminação de resíduos, a segurança e o transporte de doentes. Também não faltam defensores de idêntica opção para áreas situadas na que podemos considerar de “zona intermédia”, correspondente aos Serviço complementares de diagnóstico e tratamento (SCDT). Historicamente, compreende-se esta extensão, pois que, desde sempre os HH recorreram à requisição de exames ao exterior (normalmente ao sector privado) nos casos em que não dispunham, eles próprios, de capacidade técnica para a sua execução. Mas é diferente o que agora alguns defendem e que iria no sentido de os HH poderem abdicar de executarem os exames requisitados e os restantes, ou seja, deixarem de ter serviços de Análises ou de Imagem, ou Serviços Farmacêuticos.
Esta abertura ao outsourcing tem sido defendida com base em objectivos, uns confessáveis outros um pouco menos, mas nunca foi vista como intrusão, ou ameaça ao SNS. Entre os objectivos confessáveis podem arrolar-se os seguintes:
- concentrar capacidade de intervenção no chamado “core” do Hospital;
- o princípio da especialização: fazer apenas o que fazemos melhor e adquirir o resto a quem o fizer melhor, garantindo assim o máximo de qualidade da prestação hospitalar;
- redução de custos: por efeitos de escala, por maior agilidade dos privados, por maior capacidade de redução do desperdício.
Como exemplo de objectivo menos confessável refira-se apenas que o outsourcing pode ser utilizado como forma de, mediante reconversão do pessoal libertado das tarefas passadas para o exterior, contornar as restrições existentes, de há longa data, à contratação de novos efectivos.
Qualquer contratação tem que ser analisada e decidida em concreto e não influída por considerações que lhe sejam estranhas, ainda que não possa ser desinserida do contexto e este é o do próprio Hospital que a decide e também o do SNS em que se insere (ex. prestações de MCDT a HH e CS, ensino/treino de profissionais do SNS).
Na generalidade, o que pode dizer-se?
1. Antes de mais, penso que não pode esquecer-se que os HH não se libertam das responsabilidades inerentes às prestações mesmo que subcontratadas. Adquirem direito de regresso sobre o adjudicatário, mas são os HH que respondem perante o doente ou outras instâncias competentes para actuar essa responsabilidade. Daqui derivam várias consequências:
- a libertação para concentração nas actividades “core” do Hospital deve ser entendida em termos hábeis. No mínimo, o Hospital terá de dispor de capacidade para definir, avaliar e controlar as prestações subcontratadas, detectando e corrigindo atempadamente qualquer eventual desvio, ou seja, só poderá reduzir efectivos ao nível da operação e gestão corrente;
- na avaliação e controlo inclui-se o que deve incidir sobre o acatamento, pelo prestador, das restrições e das imposições, relativas nomeadamente à cooperação e à relação com os serviços clínicos (cumprir directivas e orientações da Direcção Técnica, acções para mútua aprendizagem, para normalização de procedimentos, etc.);
- a definição das prestações subcontratadas não pode limitar-se às situações normais de funcionamento, antes deverá preocupar-se com situações de crise ou perturbação de funcionamento, prevendo as medidas de contingência possíveis para atenuar as consequências da anormalidade de funcionamento;
- ainda que as subcontratações devam ser de médio/longo prazo, deverá ser dada especial atenção ao fim desse prazo, isto é, o Hospital não pode ficar prisioneiro do adjudicatário, prevendo no respectivo contrato medidas que viabilizem a mudança com o mínimo custo possível;
- a subcontratação poderá originar conflitos de relacionamento com o pessoal hospitalar ou mesmo com os utentes que procuram os serviços. Deverá ser exigido que o pessoal do subcontratado possua não só as habilitações profissionais exigíveis como também formação específica necessária para o trabalho em contexto hospitalar.
2. Numa análise em função do Impacto financeiro e do Risco de fornecimento as compras podem ser classificadas de acordo com a seguinte matriz:
As áreas de subcontratação situam-se no quadrante das compras estratégicas e justificam pela sua relevância uma abordagem cuidadosa. Dependendo do poder relativo das diferentes partes envolvidas (fornecedores e Hospital), a política deverá ser de parceria ou colaboração. O objectivo é criar um ambiente em que as relações são estabelecidas para um médio/longo prazo em que as vantagens e benefícios são partilhadas por ambas as partes e os potenciais obstáculos são trabalhados em conjunto. Um aspecto fundamental será a selecção inicial do fornecedor. O estudo do mercado para encontrar o melhor parceiro, deve levar em linha de conta as referências, a estabilidade financeira, a qualidade dos seus sistemas logísticos e de garantia da qualidade, e até mesmo a capacidade de desenvolvimento e evolução dos seus produtos ou serviços. O factor preço, ainda que importante, não pode ser dominante, pois estão em causa serviços que, mesmo se situados fora do “core”, se caracterizam pela imprescindibilidade e pela regularidade do seu funcionamento.
3. As considerações precedentes assumem ainda maior importância se o que estiver em causa for algum dos SCDT. Por várias razões:
- os SCDT assumem enorme importância e têm que ser vistos como factor condicionante e potenciador da evolução e desenvolvimento de todo o Hospital; perante a evolução tecnológica que tem imposto esta evolução e que, tudo o indica, vai reforçar-se, talvez já não seja correcto considerar os SCDT fora do “core” do Hospital, e há já áreas em que a intervenção diagnóstica e a terapêutica se desenvolvem lado a lado, em simultaneidade e colaboração tão estreita que será difícil dizer quem apoia a quem (v.g., radiologia de intervenção);
- os SCDT são serviços que desenvolvem a sua actividade ou sobre o doente ou sobre o produto de colheitas, requerendo, portanto, deslocações dos doentes que nem os avanços da tecnologia das comunicações conseguem evitar; naturalmente, com diminuição de comodidade para o doente que deve ser considerado o centro do sistema;
- finalmente os SCDT são serviços exigindo pesado investimento de recursos, (financeiros, de pessoal técnico e de tempo de instalação); como ficou referido, a drasticidade da mudança de fornecedor é grande e deve merecer particular atenção; mesmo assim, reunir condições para funcionamento destes serviços no Hospital, para além dos restantes recursos, exigirá tanto tempo que a transição só poderá ser dramática.
4. Pelas razões referidas, parecer-me-ia que:
- As subcontratações nas áreas tradicionais da chamada logística hospitalar, quando julgadas adequadas, devem ser acauteladas em termos de não porem em causa a competência de definição estratégica do Hospital;
- Subcontratações na área dos SCDT, aqui se compreendendo os Serviços Farmacêuticos, não serão aconselháveis e só deveriam ser encaradas como último recurso para garantir as respectivas prestações;
- Mesmo assim, e no caso dos SCDT, os HH devem sempre dispor das instalações e dos equipamentos, sem o que ficam prisioneiros do subcontratante, e sem capacidade de alternativa.
AIDENÓS
2 Comments:
Excelente análise a que o Aidenós aqui nos apresenta.
Com efeito, a questão que se deve colocar no que respeita às sub-contratações na área da saúde, independentemente dos “objectivos mais ou menos confessáveis” como o Aidenós tão bem expôs, é a de que controlo a Instituição deve ter sobre os serviços sub-contratados e que “exigências” lhes devem ser feitas.
Se no campo dos serviços de limpeza, alimentação, o tratamento de roupas ou segurança, estes serviços obedeçam a normas internacionais que adaptadas à instituição em causa são de mais fácil acompanhamento e controlo, já no campo dos Serviços Complementares de Diagnóstico e Tratamento (SCDT) o mesmo não se passa.
Quando a relação inter-profissional e inter-pares que se impõe (como cada vez mais se exige na medicina moderna), está prejudicada pela existência de interesses diferentes baseados em conceitos de lucro e de prospecções de rentabilidade (que estão por detrás das empresas sub-contratadas), poderão originar facilitismos por parte de quem realiza os exames ou elabora os seus resultados criando dificuldades interpretativas a quem solicita e propostas de realização de mais exames “complementares para melhor esclarecimento”, mais onerosos e de validade duvidosa, como é no caso da radiologia (convencional, ecografia, TC, RNM e de intervenção) frequente.
O mesmo deve ser tido em conta quando se analisa o tempo de resposta para a efectivação dos exames e fornecimento dos seus resultados, a fidelidade dos mesmos (mesmo tendo em conta os controlos de qualidade exigidos) e a competência técnica dos profissionais envolvidos.
E como é difícil este controlo e sua efectivação… já que a Instituição relegando para as subcontratações a responsabilidade da oferta de serviços, irá necessáriamente dispensar os técnicos que o poderiam realizar com profissionalismo e competência.
Da mesma forma concordante com Aidenós, devem estar preferencialmente sedeados na instituição os SCDT eventualmente sub contratados.
Mas no campo da radiologia de intervenção, por mais se fazer sentir a exigência de ser parte integrante da instituição, no pressuposto da necessidade acrescida da interdependência clínica, de serviços e de instalações no que ao tratamento do doente e ao trabalho dos profissionais diz respeito não o considero de forma alguma passível de sub-contratação uma vez que é entendível este serviço não só como complementar de diagnóstico, mas terapêutico também, devendo como tal, se assim pensado, fazer parte importante da definição dos objectivos clínicos da Instituição e (como Aidenós diz) "factor condicionante e potenciador da evolução e desenvolvimento de todo o Hospital".
Caro Aidenós,
Parabéns por este trabalho e pela clareza da exposição.
As dúvidas e questões suscitadas merecem o meu acordo.
Mas a solução "outsourcing" podendo conter os riscos que assinala, carece ainda, em geral, de demonstração de eficiência. De um modo geral não se fazem avaliações correctas que permitam adoptar a solução mais económica, a par com a mais eficaz.
Por um lado, em muitos dos serviços contratados, o adjudicatário nem sempre adopta eficazes meios de controlo de qualidade, e não raras vezes de quantidade. E são frequentemente estas oportunidades de realização de "poupanças indevidas" ou a possibilidade de "sobrefacturação" que permitem aos particulares apresentar preços "atractivos".
Eles, concorrentes, já contam com essa incapacidade ou negligência dos serviços para acompanhar a execução dos contratos o que lhes permitirá realizar ganhos (indevidos).
Mas, vendo as coisas do outro lado, também é verdade que as decisões de contratação de serviços ao exterior são muitas vezes a fuga para a frente de gestores e dirigentes inhábeis ou incompetentes, que assim julgam ver-se livres de responsabilidades.
Os responsáveis raramente fazem apoiar as suas decisões de recurso ao "outsourcing" em análises de custos rigorosas (deficientes bases de dados e insuficiência de informação) com tendência por um lado para a subavaliação dos custos de prodiução própria (favorável ao recurso externo) mas, por outro lado, sem procurar saber se, internamente, há possibiliadde de promover melhorias capazes de aumentarem a produtividade e reduzir o desperdício.
A opção pelo "outsourcing" é muitas vezes induzida por excelente demonstrações do produto por parte dos potenciais fornecedores que se apoiam além do mais na assimetria da informação.
Por isso, há sempre que ser cauteloso no recurso ao fornecimento externo, ponderando os riscos face à natureza dos serviços, mas também, em função da realidade concreta da organizção.
Será que a produção própria esgotou todas as suas potencialidades?
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