quarta-feira, janeiro 24

Coimbra - Canção (e muito mais!)


1. Um dos agravos dos quais a Ordem dos Médicos se queixa e pelos quais abre guerra contra a política do MS é a denúncia, feita por este, da concentração dos médicos nos grandes centros. Concordo que, se ela existe – e não vejo como possa ser posta em dúvida – muita da responsabilidade cabe aos sucessivos Governos que tivemos, e, será incapacidade minha, mas não vejo que denunciá-la e tentar corrigi-la se insira numa “estratégia de responsabilizar os médicos pelos erros das medidas políticas que têm vindo a ser tomadas", como afirma o Senhor Bastonário. Nem me parece que da imputação dessa responsabilidade derive qualquer benefício para o SNS ou para a OM, a menos que daí se pretenda retirar efeitos que não o da correcção que se impõe. Aliás um Organismo Público que existe para defender a qualidade da saúde bem preocupado deve estar em eliminar este problema, porque aquela concentração tende a prejudicar a qualidade e o acesso á saúde.

2. Essa concentração de médicos nos grandes centros existe e a OM não a pode ignorar, já que ela própria promoveu sobre esta temática uma Conferência em que teve como conferencista convidado o Presidente da APAH (MD), seguida de debate no qual interveio o próprio Bastonário. É verdade que não houve entendimento quanto a um dado tão simples como o número de médicos que temos (é assim a informação de que dispomos, mas sobre isto não direi mais nada), mas ficou bem clara a assimetria da sua distribuição no território. Não tendo estado presente, respigo da Internet algumas afirmações que parecem elucidativas:
A distribuição por regiões parece equilibrada: “se compararmos a percentagem de efectivos distribuída pelo território do Continente com a percentagem da população que reside nessas regiões, verificamos que os desvios são praticamente nulos”









Contudo, “a análise por distrito, em vez da análise por região, revela que as coisas se modificam completamente”.












Média por Distrito …………. 2,44

Como referiu MD e como se mostra neste quadro, Setúbal (4.º melhor distrito num total de 18) já se situa abaixo da média por distrito, o que mostra bem como é intensa a concentração nos três primeiros; mais ainda, mostra que nos três primeiros se concentra todo o excedente (relativo) bastante para tornar equitativa a distribuição por distritos no Continente. Entre todos, Coimbra aparece largamente destacada: “número espantoso em qualquer parte do mundo”, diz MD, com toda a razão.

3. Mas, limitando-nos agora à parte que cabe a Coimbra na distribuição dos recursos (porque é um caso ímpar na área da saúde, desviado de qualquer critério de racionalidade), seremos forçados a concluir que a concentração não se limita aos médicos. O mesmo acontece com os restantes recursos. A começar pela capacidade instalada para o internamento de doentes.
É sabido que aos HHCC, além da satisfação das necessidades de internamento da população que deles depende em primeira linha, cabe suprir a incapacidade técnica dos HH da sua área, de acordo com as regras da Rede de Referenciação Hospitalar.
Os quadros seguintes
link mostram, o primeiro, a implantação da população no território, e o segundo, como se distribui a capacidade de Internamento dos HUC que são largamente predominantes na capacidade de internamento disponível.

4. Creio que esta informação é suficiente para algumas constatações:
i) - contrariamente ao que se verifica com as sedes das Regiões Norte e Sul, Coimbra (mesmo agregando os 8 municípios que a circundam) não é um grande centro populacional, sendo mesmo ultrapassada em população pela Sub-região do Baixo Vouga e quase igualada pela Sub-região Oeste; mas Coimbra é, indiscutivelmente, um grande centro de recursos. “, como afirma P. P. Barros, em “O distrito de Coimbra, apresenta mesmo um índice exorbitante (6,54 camas por 1000/habitantes em 1995) se tivermos em atenção os restantes distritos”;
ii) - coerentemente, mesmo afectando à Sub-região Baixo Mondego (na qual Coimbra se insere) apenas 52,5 % da sua capacidade de internamento – e penso que qualquer outro HHCC geral afecta muito mais a esta primeira linha de intervenção – só através dos HUC (que representam apenas a maior parte dessa capacidade de internamento), garante a essa população um índice de FH (Frequência Hospitalar) de 70,14 por 1000 Habitantes;
iii) - Sobram ainda, só nos HUC, 40,4 % da sua capacidade para apoio da insuficiência técnica dos HHDD da Região Centro. Mais uma vez, a mais elevada percentagem de qualquer HHCC geral. A doentes de outras regiões os HUC afectam 7,1 % da sua capacidade;
iv) - Acresce ainda que, dos 6 HHDD da região, 5 são de construção recente e só o da Guarda espera intervenção, o que parece denunciar que, apesar de disporem de instalações e equipamentos recentes, não conseguem os recursos humanos necessários para não ser preciso tão pesado suprimento por parte dos HHCC. Dir-se-ia que funcionam sufocados por Coimbra, sem conseguirem a esperada afirmação que viria em benefício da população (menos deslocações dos utentes e, portanto, serviços mais acessíveis) mas também viria pôr ainda mais a nu a falta de racionalidade do planeamento dos investimentos em Coimbra nos últimos 30 anos e que estão ainda em progressão (novo Hospital Pediátrico em construção);
v) – Como pode ver-se no citado Relatório do Movimento Assistencial dos H.U.C. 41,18% dos internamentos dos H.U.C. foram processados via serviço de urgência, o que leva a suspeitar – só suspeitar – de fragilidades várias, no âmbito da organização da prestação de serviços ambulatórios (CE, CA, HD) e articulação/comunicação com outros HH;
vi) – “Assim, não há SNS que aguente” como dizia o Xavier em 05.01.2007. Porque os erros têm custos:
- Uns não contabilizados, porque sofridos directamente pelos utentes e, portanto, ninguém olha para eles;
- Outros em despesas, e em risco desnecessário, com transportes em ambulância;
- Outros em sub produtividade de investimentos que deviam ter sido evitados ou minorados;
- Outros ainda em maiores despesas com contratação de serviços que seriam prestados por pessoal próprio se os HHDD o conseguissem recrutar;

5. Finalmente, reparem bem na informação
link que o semmisericordia nos disponibilizou sobre os Serviços de Urgência em Coimbra link e que não resisto a transcrever aqui, não pelos comentários – com os quais, não obstante, concordo – mas porque me parece altamente elucidativa das consequências produzidas por medidas que não são devidamente fundamentadas:
Aos inseridos pelo semmisericordia acrescentaria dois comentários:
- A comparação é estabelecida com o SU do HSJ por razões que são transparentes (HH Universitários, volume de clientela, etc.) e que acautelam a comparabilidade, mas não – estou convencido! – porque o HSJ tenha níveis de produtividade especialmente recomendáveis;
- Os gastos com pessoal são quase os mesmos nos HUC e no CHC, apesar de o número de doentes socorridos nos HUC ser mais do dobro; é o custo da disponibilidade: duplicar SU fica muito caro, sobretudo se as necessidades o não exigem.

6. Não é mesmo verdade que Coimbra é uma canção? Será necessário mais para se entender que, por acção ou omissão, os Governos que tivemos fizeram muito para criar ou manter a situação em que estamos, designadamente em Coimbra? Será necessário mais para mostrar quanta razão tem CC para denunciar a concentração de médicos nos grandes centros e para pretender uma melhor distribuição pelo território? Se vai ou não consegui-la é outra questão.
AIDENÓS

15 Comments:

Anonymous Anónimo said...

A caça às bruxas do costume. Ao contrário dos cargos de confiança política, a colocação de pessoal médico faz-se por concurso e na decisão de abertura de um concurso aquele pessoal não interfere.
Se a isto juntarmos o facto de não haver incentivos para a fixação de pessoal, médico ou não, no interior, resulta pura demagogia a responsabilização de alguém que não os governantes para as assimetrias constatadas.

11:00 da tarde  
Blogger coscuvilheiro said...

Comentário chapa cinco. A habilidade de não dizer nada.

11:55 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Aidenós passeando a classe e lembrando as feridas "não cantadas" pelo demagogos.

9:58 da manhã  
Blogger Xico do Canto said...

Ao aidenós os meus parabéns pela forma clara, simples e concisa com que expôs as assimetrias da distribuição do pessoal médico.

A posição da ordem dos médicos, na vertente transcrita "estratégia de responsabilizar os médicos pelos erros das medidas políticas que têm vindo a ser tomadas" resulta dum trunfo que CC, no seu estilo precipitado e verbalmente descuidado, lhes deu. Já antes se tinha queixado da complexa legislação laboral médica, dando a entender da existência de quota parte de responsabilidade médica. A reacção da Ordem não se fez esperar e no mesmo estilo. Saiu a perder, tal como agora.

Parece-me incorrecto este tipo de insinuações contra a ordem dos médicos como se ela fosse a responsável directa destas situações. É que a sua quota de responsabilidade, quando existe, emana da incompetência dos titulares dos cargos políticos que, aquando das decisões, em regra avulsas e desprovidas de qualquer enquadramento estratégico, que cedem de mão beijada às pressões de lobby exercidas pela ordem, por sindicatos e quantas vezes por médicos aparentemente desligados das suas organizações de classe.

Uma certa luta de fundo, orientada por uma estratégia de sobrevivência e luta legítima por melhores condições de vida que se verifica em qualquer organização de classe, resulta, no MS, em resultados que lhes são favoráveis graças à inépcia dos nossos políticos. É, por isso, compreensível o tom de contra ataque da Ordem às insinuações de CC quando atira as culpas para os outros.

A única acusação que pode ser assacada à Ordem é de que nunca se mostraram indignados com tais assimetrias nem tomaram qualquer iniciativa para as corrigir.

A CC, que tem as rédeas do poder, como já no passado as teve, em vez de se queixar e distribuir a sua responsabilidade pelos outros arregace as mangas e tome as decisões que se impõem e que são da sua, e só sua, inteira responsabilidade
e dever fazer.

11:30 da manhã  
Blogger saudepe said...

Sem dúvida um texto exemplar do aidenós.

Partilho das observações feitas pelo xicodocanto no comentário anterior.

A criação de "clima" políticamente favorável à implementação de medidas impopulares, justificam-se quando a razão não está maioritariamente do lado do decisor político. O que não é o caso.
CC, o que tem a fazer é avançar e enfrentar quem tem de enfrentar e deixar de fingir que faz.
O tempo urge. Os avanços são demasiado escassos para quem tanto prometeu (e ameaçou).

2:27 da tarde  
Blogger naoseiquenome usar said...

Há quanto tempo existem incentivos para a fixação (nomeadamente) dos médicos à periferia?
Hã?

2:56 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

A desertificação da periferia e a massificação do litoral e dos grandes centros, é uma realidade nas últimas duas décadas, fomentada pela criação de vias de comunicação mais rápidas que ao invés de desenvolverem o interior passaram a ser quase exclusivamente destinadas a comunicações de ligação à distância, de “passagem” nada contribuindo para a fixação periférica da população.
É que o Estado neste aspecto tem um papel primordial (se não exclusivo) na definição e estruturação demográfica do território por um lado com o exemplo que ele próprio deve dar e por outro, com os incentivos a grupos privados e a profissionais para que os serviços, a industria e a economia se possam fixar nestas regiões periféricas.

Compreendo a preocupação de CC em se manifestar contra uma situação de facto “muito antiga” e que sempre serviu os interesses deste e de muitos Bastonários e dirigentes da OM e compreendo porque está CC na “fase dos médicos” ultrapassada que foi a dos medicamentos e das farmácias e ainda faltará a dos enfermeiros e dos gestores...

Fala CC na criação de incentivos para a fixação de médicos na periferia e numa melhor distribuição dos médicos pela rede do país. Mas não parece ser esse o seu objectivo, assim como o não tem sido o dos governos que o antecederam.
Incentivos ao invés, são a abertura de vagas respeitantes a quadros volumosos (aprovados pelo MS) das grandes unidades hospitalares em contraponto com a não permissão de abertura de vagas em unidades de bem menores dimensões (a coberto de futuras alterações do estatuto das unidades).
Quando, por falsas razões de “segurança”, a encobrir verdadeiras razões economicistas, se assiste à extinção de serviços públicos de saúde periféricos ou à sua concentração em Centros, com sede em grandes aglomerados populacionais, não lhes sendo dada a possibilidade de individualmente evoluírem técnica e cientificamente, de aumentar a sua produtividade, e de a eles chamar mais profissionais. Então mais se continuará a assistir a um abandono da periferia e a uma concentração de médicos nos grandes centros.

Falar dos HUC, do S.João ou do Santa Maria, como grandes centros assistenciais e de “ciência” e analisar a sua rentabilidade comparativa é importante sim, mas não suficiente se se subalternizarem essas mesmas análises comparativas com unidades de menores dimensões (com os devidos factores de correcção). Todos têm consciência de que em qualquer um deles existem médicos “a mais” mas mexer em direitos adquiridos e em poderes instituídos é muito difícil se não condenado ao fracasso ou à moleza de actuação (veja-se o despacho sobre as incompatibilidades e o controlo de assiduidade).

Estou também plenamente de acordo com o Xico do Canto quanto às acusações a fazer à OM e a CC, mas quer-me parecer que estamos perante uma vez mais numa “água em ebulição” que brevemente será acalmada com um “pouco de água fria” ou com um “apagar da fogueira” em benefício dos lobies habituais.

7:47 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

COIMBRA – CANÇÃO (E MUITO MAIS!)


Duma maneira geral, quando se faz referência – como no presente post - ao chamado Fado de Coimbra, a dita “Canção de Coimbra”, o então estudante de Medicina Hilário, nos finais do séc. XIX, aparece como a sua figura central e veículo de uma propaganda à boa maneira do SNI de António Ferro. Com vários entorses históricos e especulações míticas pretendeu-se colocá-lo, nessa temporalidade, como o percursor da serenata de Coimbra, celebrada pela boémia e incensada como instrumento de ligação e convivialidade entre estudantes e “futricas”. Hoje, crê-se que a serenata existia, antes de Hilário…
De sublinhar, para não ser acusado de saudosista, que considero o Fado um estilo de canção relativamente modesta, quer melodicamente, quer harmonicamente, quer ritmicamente.
Mas, o assunto do fado coimbrão leva-me ao contexto deste post sobre a “concentração dos médicos nos grandes centros” e do sarcástico glosar de “Coimbra – Canção (e muito mais!)”. E o entretenimento que pode daí advir...
Para os AH´s, ou mesmo para os noveis gestores, a concentração de médicos (que não dos serviços Hospitalares diferenciados!), aqui ou acolá, foi um desleixo ou uma perfídia da OM. Nem se toma em consideração os variados debates no seu âmbito – como organizador ou como entidade colaboradora – com a pariticpação da APHA, através do seu presidente (MD). Quando se trata de problemas da defesa da qualidade e da acessibilidade (como é o caso) não interessa atribuir à OM qualquer protagonismo . De resto, é um lobby corporativo que se intromete em tudo...
Ou, descendo aos HHCC, como torpemente se insinua, implementam uma maquiavélica estratégia de tornar os HHDD’s, dependentes, uma espécie de sucursais. Isto é, verdadeiramente, aquilo que o povo chama a “canção do bandido”. Esta canção a existir é uma maleita nacional, não está concentrada em Coimbra. E, portanto, não condiz com o título do post.
Aliás, em ainda em consonância com o conteúdo do post, a política governamental dos últimos tempos – dada a conhecer a todos os portugueses – foi a “racionalização” de algumas maternidades e o encerramento de SAP’s. Evocou-se a qualidade e … fiquem sentados, passou-se a imagem de que a preocupação central era a… acessibilidade!. Nesse frenesim, não foi necessária, nem citada a intervenção da OM e as vitimas de chicanas judiciais (as Câmaras e a ANMP).
Falou-se muito (à saciedade) de qualidade e acessibilidade mas os motivos económicos esconderam-se na gaveta. Nestas situações não havia conflitos de interioridade, nem assimetria. Portugal era uno e indivisível. Obstretras para os grandes centros, já (!), onde se fazem muitos partos.

Quando se fala em “assimetria de distribuição de médicos”, não interessa dizer que esta circunstância, consequência do quadro geral das assimetrias regionais, sempre foi condicionada por decisões políticas, por enviesados planos de desenvolvimento, pelas desigualdades do PIB, pela deficiente distribuição dos rendimentos.
O toque mágico do momento, o “bombo de festa”, a fim de erradicar as assimetrias, doença ancestral do nosso País, é combater, a talhe de foice, a concentração de “médicos”. Este ano de 2007 será, como foi despudoramente – e com total falta de senso e oportunidade política – publicamente anunciado por CC, o chamado “annus horribilis”, para os médicos. Há, portanto, que aproveitar! Este post vem ao encontro deste anúncio. E os aplausos vêm da galeria, sustentados por números (para todos os gostos e de todas as maneiras).
Os médicos estão colocados (…sim, têm de concorrer) em qualquer sítio (onde o MS abre vagas, agora substituídos por contratos) e, abracadabra, começa a “concentração”. É aqui que a evocação de Hilário serve: como em relação à Canção de Coimbra, essa concentração também existe desde há muito. Começou nas cortes régias e foi passando pelos grandes hospitais medievais (Todos-os-Santos) para se ir acoitar nas veneráveis Santas Casas da Misericórdia. Com o advento do SNS, o MS de parceria com o MF, e de acordo com a legislação mais recente (Decreto Lei nº 73/90, de 03.08), criaram quadros de pessoal na carreira médica hospitalar, que foram sendo postos a concurso público, acrescente-se, pela administração pública. E assim chegamos, sob a direcção de diversas batutas governamentais à dita “concentração”. Apresentada, agora, como uma malfeitoria dos médicos, ou da OM. Atribuição de responsabilidades à OM enquanto entidade defensora da qualidade e da acessibilidade é, no momento actual, uma mera hipocrisia. Todas as interferências da OM em matéria de cobertura médica nacional, nomeadamente no âmbito da MGF, foram sistematicamente desvalorizadas, quando não ignoradas.
O imbróglio da “concentração dos médicos” e a, consequente, ameaça da aplicação da lei da mobilidade dos funcionários públicos é, apresentada como uma recente “novidade”. Aplaudida, veemente, por todos os “trabalhadores de gabinete”. As razões, ainda timidamente expostas, não tardarão a ficar claras.
A primeira grande assimetria na área médica é que cerca de 70% (MD dixit) são médicos hospitalares. E a partir dá nascem todas as outras.
É a "mãe" de todas as assimetrias nesta área,

Mas, para não ser longo convém recordar com tudo começou. Isto é, recordar a lapidar denúncia de CC:
“Há serviços de cirurgia com 30 camas e 30 cirurgiões. Bastavam 10. Já viu o que é ser operado por um médico que só faz uma cirurgia por mês?”
Esta atoarda lançada para o ar no mais puro estilo da denúncia irresponsável e, inclusivé, anónima. Pior, acompanhada da insinuação de que, ao “atrapalharem-se”, uns aos outros, nesse tal ignoto serviço, iniciam um trajecto profissional de “má prática”, por exiguidade de treino.
Dou de barato que esse “tal” serviço de cirurgia tenha 30 médicos (não obrigatoriamente “cirurgiões”)
Vamos decompor: alguns serão internos (internato geral), outros estarão em formação na especialidade (internato complementar), outros serão assistentes, poucos chefes de serviço e, finalmente, o director. Por outro lado, há a fixação que na cirurgia é só “operar” para preencher o “calendário” do SGIC ou responder à pressão contra as inefáveis listas de espera.
No entendimento de quem anda longe dos serviços hospitalares, não é necessário fazer consultas pré-cirúgicas, não é necessário seleccionar doentes, não é necessário estudar os doentes, não é necessário preparar o período pré-operatóro, não é necessário tratar do recobro pós-operatório, não é necessário fazer o “follow-up”, não é necessário fazer “screenings”. É só “operar”!. Números!. Produtividade e efectividade, quando acríticas são irmãs gémeas de uma “atitude gestionária”, por vezes contraproducente. Que dá direito a aleivosias destas. Mais a manipulação dos números. Uma equipa cirúrgica – para contabilizar só o grupo médico - consta de um cirugião principal, 2 cirurgiões ajudantes (um deles sénior capaz de levar a intervanção até ao fim em caso de necessidade) e um anestesista. Haverá dias onde tem de fazer as intervenções programadas e, simultaneamente, estará de urgência geral.
O MS lesto a fazer contas pega nos tais 30 médicos e divide por 30 dias e encontra – e expõe à opinião pública - o tal cirurgião que “só faz uma cirurgia por mês”!
Brilhante! A partir daqui apetece perguntar se no seu gabinete de assessores não tem um único médico?
Mas o mais importante é conhecer os problemas com profundidade e usar rigor na linguagem. A concentração de serviços de saúde hospitalares (e não só de médicos) é uma consequência das assimetrias nacionais ou, mais particularmente, regionais. É uma questão política que não deve ser esquadrinhada nas sub-regiões de saúde. Provavelmente para ser coerente com as medidas que vem tomando, e que informam a doutrina governamental sobre a divisão administrativa e política do território, CC deveria pensar em Regiões. Ele que gosta de ter razão antes do tempo!
Todavia, são as assimetrias económicas, culturais, demográficas e, outras, que, em última análise, determinam concentrações, migrações e não o contrário. Este assunto é, portanto, um problema político de grande alcance, da “mega-política”, totalmente de fora da estratégia de “novas cartas hospitalares”, mesmo quando travestidas com as novas soluções como as “Unidades Orgânicas Hospitalares”, penso eu que, exportáveis ou “nomadizáveis”.

Aos trabalhadores da saúde em meio hospitalar (penso que não só os médicos) “acenam-se” com as famosas “Unidades Orgânicas Hospitalares”. É a solução para o espartilho que o PRACE lhe colocou, com o corte no orçamento do MS, 40 milhões de euros, em despesas com pessoal. Mas, na primeira esquina, volta-se à vaca fria: “os médicos vão-se organizando em grupos” e remata-se - com uma gestão autónoma e responsável… caminhariam “alegremente” para as “berças” . Um processo de “ordenha mecânica” dos serviços actualmente organizados e operativos. Deste modo, um bom serviço pode, se os astros não ajudarem, “parir” dois ou três maus. Isto é, um equipa treinada para operar em técnicas especiais, uando procedimentos diferenciados, durante muitos anos treinados, é dispersa pelo País e passa a fazer consultas de especialidade a “metro”. Seria melhor avaliar, fazer o balanço, do que se passou, ou está a passar, com as “Unidades de Saúde Familiares”, de como os profissionais aí se foram “organizando”, do grau de satisfação dos utentes e dos profissionais e não se quedar só pela produtividade e pela acessibilidade. E olhar, também, para o “remanescente”. Isto é, do que restou do original CS após a selectiva “poda”.
Mandar profissionais de saúde para, por exemplo, o Interior, sem conhecer em pormenor a capacidade aí instalada, poderá ser promover itinerância turística. Ou, se quisermos, “avivar” a sigla salazarista: “há sempre um Portugal desconhecido à sua espera…”. A lei da mobilidade para a função pública, neste caso particular, é mais uma figura de retórica legislativa do que uma exequibilidade (prática). Um pouco como aquela determinação do “saem 2, entra 1”. Ainda ninguém consegui enxergar um Plano anunciado pela Secretária de Estado Cármen Pignatelli, numas recentes jornadas na Covilhã, sobre esta tão famosa “descentralização” de médicos que estaria quase pronto para a discussão pelos parceiros sociais.

De resto, a minha intenção era salvaguardar o conceito. Não há “concentração de médicos” nos centros urbanos, haverá concentração de Serviços de Saúde na área Hospitalar, o que não é a mesma coisa. O que há, também, é uma desastrosa contenção no investimento, decorrente das restrições orçamentais que nos faz concentrar (já com dificuldades) no que há. A “descentralização” de pessoal trabalhador na área da Saúde, necessita de investimento. Uma contradição insolúvel. Na área médica, todos sabemos que um médico isoladamente poderá produzir consultas, triar doentes, mas para poder tratá-los preciso de uma equipa treinada e coesa. Sem isso, estará a “levantar a caça” que, posteriormente, irá pousar nos HHCC de onde, provavelmente, esse médico foi “deslocalizado”.
Mas dramático, no conceito de esbater questões de prestação de cuidados, muito para além das reais dificuldades de acessibilidades serão, de facto, os problemas que se começam a viver nas unidades básicas (USF), onde de palpável, nada acrescentaram à dinâmica de prestação de cuidados aos utentes, em nada aliviaram a afluência aos HH, tornando mais pesado o trabalho aí realizado.
E este descalabro é, mediaticamente, dissimulado como um êxito relativo. "Há problemas mas estão em vias de resolução". Na verdade, em termos económicos, poderá estar a ser um embuste, já que não estão a ser cumpridas as expectativas remuneratórias criadas aos técnicos de saúde que foram “aliciados” para o projecto.

Como esse interior carregado de assimetrias de desenvolvimento (ainda) não é apetecível para os grupos privados de saúde, “exportam-se” os profissionais de saúde (médicos incluídos) para estas idílicas “Unidades Orgânicas Hospitalares”. Sem planificação, isto é, uma migração ad hoc baseada na organização dos diversos profissionais de saúde intervenientes, sem estratégica de investimento e sem suporte técnico, científico e profissional previamente definido. Está, assim, feito “o caldo” para o insucesso.
E se formos por aí, os ditos “grandes centros”, agora concentracionários, ficarão à mercê do mercado (previamente depurado).

Tratar do Interior sim. Combater as assimetrias, sim. Mas com planificação e estratégia política. As assimetrias não são essencialmente um problema médico ou de administração hospitalar. São, em primeiro lugar, o grande desafio do desenvolvimento (económico, social e cultural), para um País como o nosso. Interessa saber quem avança à frente. Os serviços?

PS – Para complicar ou refrear inusitados entusiasmos, resta saber se estes planos de mobilidade do funcionalismo público são aplicáveis aos HH-EPE’s onde, neste momento, estão concentrados a esmagadora maioria dos médicos hospitalares.
Caso isso não seja possível, só estivemos a passar o tempo… a denegrir os médicos, como os responsáveis por todos os males do Mundo. E as assimetrias a acentuar-se. É o fado ... ou a Canção de Coimbra… e outras coisas mais.

9:59 da tarde  
Blogger e-pá! said...

A tertúlia engeitou as siglas dos postadores de comentários?
Reservou-lhe o anonimato?
Ou foi um flop do ciberespaço?

2:51 da tarde  
Blogger xavier said...

Agradecia que os comentadores anónimos identificassem os seus textos.

8:51 da tarde  
Blogger xavier said...

Para identificarem os comentários anónimos basta referir: sou autor do comentário n.º 9.
Mais uma vez apresento as minhas desculpas. Este contratempo surgiu devido à mudança que ontem efectuámos para a versão beta da Blogger.

9:17 da tarde  
Blogger aidenós said...

Antes de mais, agradeço os Comentários dos Colegas de Blog, qualquer que seja o seu sentido. Não vou comentá-los, mas apenas dizer que, de um modo geral, estou de acordo com muitas das considerações neles expendidas – também com as constantes no Comentário nº 10, um dos atribuídos ao Anónimo – que, no entanto, vão para além do que escrevi no post comentado.

.Jd tem razão, embora seja certo que nada proíbe que a mesma pessoa faça vários Comentários ao mesmo Post. No caso concreto, se os 4 Comentários têm o mesmo autor, parece tratar-se de alguém muito poli facetado!

Ao Anônimo do Comentário n.º 10, o que direi? No essencial, aquilo que escrevi no Post:

- a concentração de médicos existe, também em Lisboa e no Porto, parece-me suficientemente documentada e não a escamoteei, mas é em Coimbra que tem o clímax: 5,07/1000 Hab., contra 3,53 em Lisboa e 3,22 no Porto, o que traduz uma concentração bem maior em Coimbra;

- quanto à responsabilidade pela concentração existente: por que razão pensa o Anónimo que não conclui com o ponto 2., e acrescentei os pontos 3., 4. e 5.? Caso o não tivesse entendido, sugeriria que lesse o ponto 6., onde explicitamente pergunto: Será necessário mais para se entender que, por acção ou omissão, os Governos que tivemos fizeram muito para criar ou manter a situação em que estamos, designadamente em Coimbra? Isto é, concordamos que a responsabilidade maior coube aos M.S. Mas, sabemos também que, como regra, os HHCC têm quadros excessivos, em número de lugares, (tal como afirma) e que quem os aprova é o Ministério da Saúde. No entanto, quem os propõe e quem os defende?

- quanto à dimensão actual dos HUC: de quem pensa que foram as pressões para se passar da lotação total de 800 camas (fixada como máximo no despacho ministerial que criou o respectivo Grupo de Programação) para a lotação com que o Hospital veio a abrir (1.485 camas)? Acredito que tal já não seja possível, mas seria elucidativo e tiraria todas as dúvidas ler as actas das reuniões desse Grupo de Programação;

- não sabendo e não querendo fazer qualquer processo de intenções, ainda no ponto 6. afirmei que CC tem razão para denunciar a concentração de médicos nos grandes centros e para pretender uma melhor distribuição pelo território. Mas acrescentei: Se vai ou não consegui-la é outra questão. Porque, tal como alguns dos comentadores, estou convencido de que não irá e que não é com incentivos à fixação na periferia que se pode lá ir; as causa que a provocaram são muito mais poderosas;

- Finalmente, caro Anónimo, não sou tão presunçoso que pense o seu Comentário – no qual as expressões torpemente se insinua e maquiavélica estratégia de … me parecem desnecessárias – não me é dirigido e aproveitou a oportunidade de expor, e muito bem (sem qualquer ironia da minha parte), razões que são as suas e que respeito.

10:19 da tarde  
Blogger naoseiquenome usar said...

Ao comentador n.º 9:
- O fado de Coimbra (há quem diga que nunca foi fado), ao menos é um património inteiramente nosso, tocado com uma guitarra única e não apelando ao sentimentalismo, saudade e fatalismo bacocos do fado de Lisboa!(esse sim o desgraçado "fado" dos desígnios nacionais)
É um canto académico, erudito e popular simultâneamente, da aristocracia e da burguesia.
De resto, como Coimbra.Quer se queira, quer não queira.

Coimbra é um caldeirão.

E é aqui que eu quer pegar na "coisa".
Há muitos médicos em Coimbra.
Se fizermos um levantame4nto das outras profissões ditas "superiores" ou voltadas para a investigação, chegaremos a conclusões idênticas.
Por mais que se lhe queira retirar o estatuto de grande centro do saber em detrimento ou de LIsboa ou "novas" cidades emergentes, eis que a realidade demonstra o contrário.
E as pessoas vão ficando... (não se sai de Coimbra para Lisboa a não ser por pura impossibilidade de lá continuar, digo eu, que sou suspeita :)) )
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A nível nacional e não em Coimbra, cujo equilíbrio é notável, há assimetrias graves entre os Médicos de Clínica Geral (hoje de MGF) e os Médicos Hospitalares (Especialistas) e de entre estes últimos, entre os de Medicina interna e os demais.
E ora aí está Coimbra:)
Sim, porque a grande maioria dos médicos perdeu já um pouco a noção da relação médico-doente na sua vertente mais comunicacional e primária. A grande maioria quis especializar-se tanto, ser tão mais técnico que médico, que janmais lhe passaria pela cabeça sair do seu casulo para poder ir como "João semana " para um qualquer pequeno Centro (note-se de resto que hoje os Clínicos gerais gostam de deixar bem vincado que também são especialistas. Que também têm um colégio na O.M). Nem podia. Nem devia. Seria desvirtuar a profissão, e deixar de rentabilizar o seu saber!Seria absurdo.
Agora tome-se consciência. O problema, TAMBÈM tem passado e passa pelos médicos, pelas suas opções (não se pode estar a espera que seja o estado a regular vocações).
Não só por mega-políticas, mega-sociedades, mega-metas, mas também pelo miolo da questão.

10:23 da tarde  
Blogger J.F said...

só agora aqui voltei
Sou o autor do comentário nº8

10:47 da tarde  
Blogger e-pá! said...

Aceitando o alvitre de Xavier: Sou o comentador nº.9.

Finalmente, só queria repisar um aspecto, que considero nuclear:
a "mãe" de todas as assimetrias começa na composição do grupo profissional médico - 70% de médicos hospitalares!
A partir daí faltará sempre alguém em algum lado.

"return to the basics"

11:20 da tarde  

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