quinta-feira, junho 7

Combater Moinhos de Vento

Desconstruir ideias feitas

Não sei se o post de É-Pá ilustrado por uma manif. ilustra a "luta política" pelas causas sociais, tipo SAP de Vendas Novas ou remete para o "fracasso" da greve "geral" da passada semana. Pois para aqueles que se interessam pelas causas sociais e pelo primado da política é indispensável entender de uma forma clara a complexidade da luta social dos nossos dias, perceber as prioridades estratégicas e não se perder a lutar contra moinhos de vento.

As mudanças encetadas pelo Governo vão na direcção certa, as principais prioridades estabelecidas estão a ser implementadas: PNS, vias verdes coronária e avc, cuidados continuados, unidades de saúde familiar, reorganização dos serviços de urgência, sistema informático baseado na informação clínica a ligar centros de saúde e hospitais, a reorganização dos orgãos da administração do Ministério da Saúde em vigor desde o dia 1 de Junho. Em minha opinião há que apoiá-las e exigir que cumpram o mais rápidamente possível. Só não as vê quem não pode ou quem não as quer ver. Veja-se a propósito a recentes reacções à providência cautelar do Centro de Saúde de Vendas Novas, contra a decisão de colocar o Centro de Saúde a funcionar sem o chamado "SAP-urgência" 24 horas.
link Atente-se a alguns dados da actividade deste Centro de Saúde em 2005, que pode ser consultado no sítio da ACSS, Administração Central do Sistema de Saúde (que integrou o antigo IGIF), link Vendas Novas - nº de utentes inscritos - 12.559, 11.619 cidadãos no censo, 6.828 utilizadores em 2005, 9 nove médicos de MGF, 2 MSP e 1 de outra especialidade, 11 enfermeiros, num total de 44 funcionários. 1.050 utentes inscritos por médico, realizaram um total de 29.204 consultas de ambulatório e 25.037 atendimentos em SAP, isto é 44.7% dos atendimentos em Vendas Novas são feitos no SAP.
O que seria de esperar perante estes números é que se discutisse o que fazer para recentrar o CS na sua missão e objectivo, cuidados acesíveis, globais, integrais e integrados, orientados para a promoção da saúde e prevenção da doença. Isto é numa comunidade que tem 1 médico para 1050 pessoas, o que seria de esperar é que o número de atendimentos não programados ou fora de horas fosse um número muito reduzido, mas não o que se discute e toma foros de luta social contra a "política neoliberal do Governo" é contra o encerramento da urgência. Não são estes números conhecidos e publicados, então como é que podem ser ignorados pelos "arautos" da defesa do SNS! Defender o SNS é pô-lo a funcionar, como é que podemos aceitar que quase metade dos atendimentos se façam no SAP, sem RX num CS que em 2005 fez cerca de 400 electrocardiogramas! Por falta de médicos não é concerteza, é concerteza pela organização do serviço que está orientado para o SAP ainda por cima aberto 24 horas, sorvedor de recursos, porta aberta para a prestação de cuidados despersonalizados, irracionais e provavelmente geradores de desperdícios, prescrições desnecessárias, horas extraordinárias para garantir o funcionamento de 24 horas, gerador de custos económicos sem qualquer benefício para os cidadãos. O que seria de esperar dos movimentos de utentes e dos representantes da população, é que não se conformássem com um CS que faz apenas 141 primeiras consultas de P. familiar em 2005 ou apenas 4 consultas por grávida em vez das 6 recomendadas. Isto sim seria desconstruir.

A propósito da moda das providências cautelares deixo aqui uma citação do Artigo de Opinião de Miguel Sousa Tavares - Expresso - 24.03.2007 para vossa reflexão.
"
Seguramente que não cabe aos tribunais avaliar o mérito das políticas governamentais. Isso cabe à Assembleia e aos cidadãos, em eleições. Aos juízes, que não são eleitos, cabe apenas julgar a legalidade dos actos praticados ...
temos essa moda recente do uso e abuso das providências cautelares, a propósito de tudo e mais alguma coisa. Os autarcas não gostam da nova Lei de Finanças Regionais? Providência cautelar. O ministério da Saúde fecha uma maternidade e a população está contra? Providência cautelar. Os alunos que já prestaram provas não são admitidos a nova e excepcional época de exames? Providência cautelar. Os sindicatos da função pública estão contra as novas regras a aplicar aos contratados? Providência cautelar. Uma companhia de teatro viu-lhe recusada a atribuição de um subsídio a que concorrera? Providência cautelar... Poderá argumentar-se que isso é um direito que assiste a todos e que cabe depois aos tribunais avaliar a falta de fundamento das pretensões e condenar em custas os litigantes de arribação. Mas o que se tem visto, ao invés, é que em numerosos casos os tribunais dão provimento às providências, desse modo bloqueando as leis ou regras administrativas que o Governo pretende implantar. Ao fazê-lo, em muitos casos, eles já não estão a julgar a legalidade de determinada situação face ao regime jurídico definido pelo Governo, no uso das suas competências próprias: estão antes a julgar da bondade política das próprias medidas do Governo, escudando-se para tal apenas na opinião pessoal de cada juiz, remetendo para a interpretação de uma Constituição que serve para tudo e mais alguma coisa. O efeito prático que daqui resulta é que determinadas políticas do Governo em funções, algumas das quais revestindo carácter de urgência, podem ficar obstruídas ou adiadas indefinidamente, à espera que um tribunal resolva em definitivo se concorda ou não com a política do Governo."

Avicena

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4 Comments:

Blogger e-pá! said...

Caro Avicena:

O texto que menciona não se referia, como é decorrente da sua leitura, quer a acidentes de percurso do tipo SAP de Vendas Novas, ou, ao apelidado “fracasso” da greve geral.
Referia-se, isso sim, a uma situação que preocupa – em primeiro lugar - os cidadãos, muitos e variados sectores políticos em Portugal e, finalmente, os profissionais de saúde, isto é: o futuro do SNS.
Vejo que o “impressionou” a ilustração, e que esta lhe levantou suspeitas, extensivas sobre outros factos sociais que ocorreram recentemente. Refiro-me à greve geral onde, apressadamente e sectariamente, coloca aspas. Para quem apela à “complexidade da luta social dos nossos dias” é, no mínimo, estranho como se conota, com ligeireza, a dinâmica luta do movimento sindical, nomeadamente, no campo da luta social, como um taxativo “fracasso” e o assunto estivesse encerrado.
A greve geral ocorrida, não foi, um êxito, mas uma batalha (mais uma) travada no âmbito da contestação social emergente às políticas (económicas e sociais) do XVII Governo Constitucional. A situação social é demasiado complexa para ser julgada tão linearmente. Não vou enumerar as fundamentações do processo grevista mas, julgo eu, que no núcleo da contestação estará, p. exº., na situação do mercado de emprego verificada no 1º. trimestre de 2007, que foi marcada por um dramático aumento do desemprego. Nesta situações não são valorizadas as estatísticas (sobre a taxa de desemprego). São, isso sim, valorizadas as estatísticas de adesão, que justificam (!) a ida, em catadupa, às TV’s, de 7 membros do governo. Aqui – em relação ao uso e abuso do aparelho de informação - talvez se justificasse uma providência cautelar.
Mas a movimentação social tem uma base mais profunda, essencialmente, política. Ela representará a luta aberta contra as derivas económicas neoliberais que, a prosseguirem, contaminarão o Estado Social. A greve foi, na minha opinião, o “aquecer de motores” para uma outra batalha, muito mais frontal que, a passos largos, se aproxima: a “flexisegurança”. Isto é, uma política de liberalização das relações de trabalho sem a existência de um Estado Social forte que garanta contrapartidas de segurança, políticas de emprego e apoio económico digno, a todos os desempregados.
É sobre isso que Governo, sindicatos e patronato, devem reflectir. Porque, isto prenuncia uma catástrofe social, não sendo um quixotesco moinho de vento.

Sobre a asserção: “As mudanças encetadas pelo Governo vão na direcção certa, as principais prioridades estabelecidas estão a ser implementadas”.
Bem, sobre isto pouco há a dizer. Todo o enunciado de mudanças, objectivos estratégicos, processos de planeamento, etc., cabe no PNS de 2004-2010, elaborado em 2003, pelo ministro LFP, no anterior Governo. È, por assim dizer, a linha de continuidade do “centrão”.
Nada destrinça – pelos menos no capítulo das “estratégias para obter mais saúde para todos” – um governo de direita, do actual. Em política, isso é péssimo. É mais do mesmo.

Sobre as providências cautelares, embora compreenda as razões expressas no artigo de MST, haverá sempre, no meu entender, um problema de fundo:
- a tentativa de submissão de liberdades fundamentais (individuais ou colectivas) relativas a recursos, contestação, etc., a uma eventual eficácia de medidas governamentais.
Problema que se entronca nos pilares do Estado Democrático. Isto é, a separação de Poderes.
Um assunto a discutir com mais tempo.

PS - Entretanto, o melhor é amanhã (8.6.07) comprar o “Jornal de Negócios”.

11:50 da tarde  
Blogger Unknown said...

Caro É-Pá

A agenda do governo de direita PSD/PP era bem diferente da agenda do actual governo socialista e como tão bem sabe quanto eu, nunca teve como prioridade o Plano Nacional de Saúde, elaborado na continuidade das Estratégias de Saúde do Governo PS Maria de Belém/Sakellarides e abandonadas pela Manuela Arcanjo. O PNS levado a cabo pela equipa de Pereira Miguel, foi apenas tolerado e nunca constituiu uma prioridade de LFP, saiu como se sabe 40 programas, 120 indicadores, agora agrupados em prioridades. Só quem não está no terreno é que não percebe o trabalho que se tem desenvolvido, na área das doenças do aparelho circulatório, cancro, idosos e agora na saúde mental, com aprovação dos programas de saúde escolar e dos adolescentes, etc... A mim também me interessa o futuro do SNS, só que para mim defender o SNS, é pô-lo a funcionar melhor, com maior eficiência e maior eficácia, melhorar a acessibilidade aos serviços, racionalizá-los na gestão, mais equitativos e de excelência. Desenvolvi actividade sindical mais de 20 anos, como delegado sindical, dirigente sindical (regional/federativo) e fui dirigente da central sindical, habituei-me a respeitar dirigentes sindicais, como Manuel Carvalho da Silva, pelo seu conhecimento do "Trabalho" e pela forma como tem sabido manter um equilíbrio entre as correntes minoritárias (católicos, socialistas, bloquistas, renovadores) e a corrente comunista maioritária. A complexidade da luta social e as mudanças verificadas nas duas últimas décadas, colocam importantes questões ao mundo sindical, a redução do número de grandes empresas, a fraqueza do mundo industrial, o tecido social português onde as PME constituem 76% do emprego e 57% do volume de negócios e obrigam os sindicatos a encontrarem novos rumos. Foi assim que a CGTP se viu nos últimos anos "capturada pelos interesses" dos sindicatos da função pública, para além do STAL, FNSFP, a FENPROF(muitos sindicalizados e boa capacidade financeira) e o SEP (menos sindicalizados mas boa capacidade financeira) e "entalada" entre várias contradições: necessidade de se reformar e dotar-se de dirigentes capazes de discutirem empresa a empresa direitos e reivindicações; novo Código do Trabalho; nova liderança do PCP; conflitos entre a maioria comunista e Carvalho da Silva. A greve não foi geral, teve uma fraca adesão, mesmo em sectores tradicionais, como os enfermeiros, ou a educação e merecerá uma análise profunda por parte dos intervenientes, veja-se a dificuldade no balanço das adesões por parte de carvalho da silva, os números divulgados no site da greve, e as declarações de Miguel Portas. Veja-se o guião para a Greve Geral na Saúde http://www.grevegeral.net/images/stories/grevegeral/documentos/guiaosaude.pdf, " 1. A PRIVATIZAÇÃO DO SERVIÇO NACIONAL DE
SAÚDE (SNS) - O Serviço Nacional de Saúde está a ser esvaziado de serviços e espoliado de profissionais a favor dos hospitais e clínicas privados dos bancos e seguradoras.
Encerram maternidades, urgências, centros de saúde e hospitais públicos. Em muitas localidades onde desapareceram ou diminuíram os serviços públicos, florescem
clínicas e hospitais privados, só acessíveis a um número restrito de cidadãos. A pretexto da reorganização das unidades de saúde promove-se a sua fusão e insiste-se na construção de hospitais em regime de parceira público-privado com o objectivo de
favorecer os lobbies económicos e financeiros. Em vez de se investir nos cuidados de saúde primários, na promoção da saúde e na
prevenção da doença, privilegia-se a componente do tratamento da doença: situação que
poderá vir a agudizar-se com a transferência de competências desta área de cuidados para as
autarquias que não têm competências para assumir uma gestão integrada numa visão global
do SNS, nem condições económicas para manter um serviço com este nível de exigência. 2. AS TAXAS DO NOSSO DESCONTENTAMENTO - O número de taxas moderadoras já ultrapassa as 370. Os seus valores continuam a ser aumentados acima da inflação, como aconteceu com:
As consultas e urgências nos hospitais distritais (3,64% e 3,33%, respectivamente)
O serviço domiciliário teve um agravamento de 4,65%.
O electrocardiograma 42,86% (passou de 0,70 para 1€).
O arranque de uma unha encravada agora implica o pagamento de 28,15€. O internamento hospitalar, até 10 dias passou a custar 5€/dia
Um acto cirúrgico ambulatório custa 10€.AS FAMÍLIAS PORTUGUESAS JÁ PAGAM, EM MÉDIA, 40,5% COM AS DESPESAS TOTAIS DE
SAÚDE (CONTRA 24% DA MÉDIA EUROPEIA). DEPOIS DESTES AUMENTOS SERÃO AINDA MAIS
PENALIZADAS."

Com este jargão é difícil de convencer as pessoas a fazerem greve, mesmo quando se recorre a números incorrectos, os dados da OCDE 2006 referentes a 2004 dizem que 72,5% das despesas totais em saúde são públicas é bem o exemplo do discurso do "bota-abaixo", dos arautos da desgraça, dos que veêm na reforma dos CS e na criação das USF's o principio da privatização do sistema, dos que recusam se quer a discutir novos sistemas de incentivos (exemplo do SEP e FNSFP na negociação das USF's). Espero sinceramente que este "aquecer de motor" não resulte nalguns rateres prometedores, prenúncio do carro se ir abaixo.

1:55 da manhã  
Blogger e-pá! said...

Caro Avicena:

Espero que, neste momento, já tenha lido o "Jornal de Negócios", de hoje.
Estou convicto que estamos à beira de um grande debate sobre políticas sociais.

2:48 da tarde  
Blogger e-pá! said...

Caro Avicena (cont.):

[Só agora tive tempo de tentar clarificar a minha posição referente ao conteúdo do seu último comentário...]

Em primeiro lugar, tenho de reconhecer que não tive a capacidade, nem a sensibilidade, de detectar, no seu post, uma tão longa militância sindical. De qualquer maneira, seja pelo momento político actual, seja por outras razões, trespassa no texto uma notória uma “descrença” nas lutas sociais e/ou um outro facto emergente em Portugal - o conformismo situacionista.

A) Sobre a contestação político-social:

1º) Não me parece que o movimento sindical tenha sido “capturado” pelo sector da FP. Uma coisa é a estratégia sindical global, outra será uma opção táctica, do momento;
2º) Hoje, estando em pleno curso, uma reforma da Administração Pública, há sobejos motivos para preocupações. Basta ver, as “piruetas” do SE da AP, sobre o congelamento de carreiras, os excedentários, disponíveis ou supranumerários e os novos esquemas de avaliação e progressão;
3º) Não partilho da opinião de quem ousar lutar contra políticas sociais, que classifico como neoliberais, estará condenado a ser esmagado pela “globalização”;
4ª) Não devemos confundir uma greve geral com uma greve “total” ou uma postura insurreccional;
5º) Julgo que o movimento sindical saberá analisar o impacto, as consequências e os caminhos futuros do movimento de contestação social que, não tenhamos ilusões, decidiu iniciar;
6º) O relativo fracasso da greve de 30 de Maio deve ser interpretado como um passo para a mobilizar e motivar cidadãos, porque adivinham-se no horizonte, novos confrontos;
7º) A concertação social, ao fim de 2 anos, esvaíu-se.


B) Quanto ao SNS:

1º.) Não é importante saber donde viemos, ou onde estamos, mas sim para onde vamos;
2º.) O neoliberalismo existe, de facto, não sendo um quixotesco moinho de vento;
3º) Quando se exige eficiência, qualidade, gestão rigorosa, etc., precisamos de ter a motivação (política e social) que não estamos, enquanto servidores públicos, a desenvolver esforços, a construir mais valias para, a breve trecho serem “capturadas”;
4º) De nada nos valerá demonstrar que estamos a fazer muito e bem, com poucos meios, porque a Saúde sendo um bem social e humano caro, tenderá – na lógica actual - a ser incorporada no mercado, “irregulável” em Portugal;
5º) Precisamos de saber até que ponto há espaço político e suporte financeiro para a sustentar um serviço universal, equitativo e solidário, ou, quando a retórica do “privado é óptimo” e “o deixem o mercado funcionar”, provoca a sua dissipação ou rendição;
6º) Os inegáveis avanços na reestruturação dos CPS, na reorganização das urgências e na implementação dos cuidados continuados integrados, embora em fase inicial, tem já custos políticos e sociais elevados;
7º) Estamos, portanto, numa encruzilhada onde precisamos de definir o Estado Social que queremos (ou podemos) ser;
8ª) Se não conseguirmos clarificar as políticas sociais, económicas e fiscais, a médio prazo, poucos portugueses estarão disponíveis para hipotecar conquistas sociais a precários ou erráticos modelos de desenvolvimento;
9º) Precisamos de um amplo “contrato social” entre a sociedade e o Estado. Não será mais possível, no meio desta neblina, continuar a navegar à vista;
10º) Voltamos, portanto, ao primado da política.

7:01 da tarde  

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