segunda-feira, junho 4

Situação das Maternidades


A situação das maternidades é um problema relevante a nível nacional, ou melhor, uma daquelas questões que ficam pelas "meias tintas".
No sector privado, a situação é próxima da calamidade. Todos (ou quase todos) os argumentos que fundamentaram, no serviço público, a concentração dos blocos de partos, servem para alimentar os ditos "centros privados de nascimento". Desde a casuística anual por unidade até a aberrante percentagem de partos por cesariana (2/3!), levantam uma questão muito sensível na área médica. Esta é o emergente conflito entre altas produtividades e boas práticas médicas. As cesarianas são um meio expedito de resolver (melhor diria, abreviar) um parto, nem sempre com respeito da saúde da mãe e do neófito. Mas permite, como se diz no texto, "trabalhar à peça", ultrapassar o, por vezes, longo periodo expulsivo de um parto eutócito, liberta o obstetra para outros actos e reduz o tempo de utilização da sala de partos. Tudo ganhos de produtividade sem equivalentes na qualidade.
A ERS detectou o problema. Vamos esperar pelas consequências.

Outra questão diz respeito às maternidades públicas. Octávio Cunha, membro da Comissão Nacional de Saúde Materna e Neonatal, citado no post, diz que no Norte o processo "não está a correr bem".
Trata-se de um credenciado médico neonatologista, insuspeito, já que publicamente apoiou a decisão do MS no encerramento de salas de parto que não reuniam requisitos míninos de segurança. Segundo se depreende o encerramento foi processado à pressa, sem acautelar os recursos humanos e os equipamentos das maternidades que - uma vez depuradas as situações inadequadas em termos de segurança e qualidade - integram a actual rede em funcionamento. A atitude apressada, subsidiária de razões político-económicas, acabou por se revelar, em algumas situações, inadequada.
Problemas na referenciação da rede subsistem, p. exº., em Trás-os-Montes. As gravidas da área de Mirandela deveriam ser referenciadas para Bragança. Não se verifica isso na prática porque, as grávidas a termo, "sabem" que o H de Bragança não está (ainda) devidamente preparado, e optam por dirigir-se a Vila Real. Octávio Cunha conclui, com alguma sagacidade, que "quando estão grávidas as mulheres ficam ainda mais inteligentes"...

As reorganizações, as reestruturações tão necessárias ao SNS, não podem desguarnecer os flancos.
Nada do que se faz apressadamente em Saúde, é bom e muito menos seguro.
A questão das maternidades é um processo em vias de sedimentação, todavia, ainda com muitos buracos que urge colmatar.
O processo da reestruturação das urgências está em marcha, mas devia colher ensinamentos da questão das maternidades.
Mesmo para aqueles que apoiam os princípios dessa reforma, tem sido notória a pressa em fechar SAP's, sem que as alternativas aos mesmos estejam consolidadas e testadas, nomeadamente, no que diz respeito à rede de urgência pré-hospitalar.
À rapidez em encerrar deverá corresponder a prontidão em estruturar, viabilizar, adequar e operacionalizar as soluções alternativas (da nova rede). Os hiatos são fatais em Saúde.

Dizia Gregório Marañon, insigne médico e cientista espanhol:
"A rapidez, que é uma virtude, gera um vício, que é a pressa".
É-Pá

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5 Comments:

Blogger naoseiquenome usar said...

Consequências?
Porque não perguntar à DGS, entidade a quem cabe o licenciamento fiscalização e mesmo encerramento das ditas Unidades?
E porque não o faz a ERS?
Para que servem estes dois organismos?

10:48 da tarde  
Blogger Hospitaisepe said...

Depressa e bem não faz ninguém.

O Estado tenta alijar o mais depressa possível a sua responsabilidade relativamente às prestações de cuidados.
PPP, Misericórdias e convenções com os HHs privados são a solução que está na calha.

9:36 da manhã  
Blogger daniel said...

O resultado do relatório da ERS, relativo aos centros de nascimento privados, não pode ser analisado de forma tão linear. É verdade que 2/3 partos são feitos por cesariana.

Mas refere o mesmo relatório, que a taxa de utilização das salas de parto são baixíssimas. Assim sendo, o argumento dado - ("trabalhar à peça", ultrapassar o, por vezes, longo período expulsivo de um parto eutócito, liberta o obstetra para outros actos e reduz o tempo de utilização da sala de partos. Tudo ganhos de produtividade sem equivalentes na qualidade) - não me parece que colha neste caso em particular. Não existe procura que justifique a realização de cesarianas, para "libertar o obstetra ou reduzir o tempo de utilização das salas". Pelo menos nas unidades privadas.

Existirá provavelmente um fenómeno de indução da procura de cesarianas mas induzido pelos obstetras e não pelas unidades clínicas onde se realizam os partos (existem alias vários artigos que confirmam este fenómeno de indução pelos obstetras).

Além disso, é possível que a grávida com indicação de cesariana prefira realizar o procedimento num Hospital Privado do que num Hospital Publico. Não porque tenha melhores condições clínicas mas porque as condições hoteleiras são claramente diferentes.

4:56 da tarde  
Blogger e-pá! said...

Caro Xavierb

A procura, per si, sendo importante - não é decisiva - de maneira a aliviar os mecanismos de rentabilização subjacentes.

Existirão outras "necessidades":

1. de libertação dos profissionais para um sistema de "rodízio" - ás 17h aqui; ás 20h, acolá, etc.

2. por outro lado, uma eventual ocupação "prolongada" (por parto normal) de uma sala de partos, pode colidir com uma sempre desejada disponibilidade para uma situação não-programada.

Todavia, devo admitir que uma das principais questões será:
- as indicações de uma cesariana.
Na verdade, estas, em termos absolutos, são muito restritas:
a) incompatibilidade cefalo-pélvica: (feto muito grande para a bacia materna)
b) placenta prévia central (placenta recobre todo o orifício do útero para o colo).
c) diagnóstico precoce de sofrimento fetal e/ou de alterações congênitas.

Depois, um largo rol de indicações relativas... que se encaixam no bom censo clínico.

Na realidade, as cesarianas poderão, também, realizar-se "a pedido" da parturiente - por um largo leque de razões que não se encaixam em quaisquer indicações (absolutas ou relativas). Numa maternidade pública poderiam não ser aceites se, acaso, contrariassem as boas práticas.

A anuência ou o acordo prévio, não fundamentado, entre o obstetra e a parturiente, é, não podemos iludir, uma má prática.
Um acto médico "a pedido" do(a) cliente. Deontologicamente proscrito desde Hipócrates.

Não precisamos de olhar para a Europa e procurar soluções no sentido de disciplinar este problema nacional que, atingindo tanto o sector público como o privado, é - segundo os dados revelados pela ERS - cataclísmico no sector privado.
No Brasil, o Ministério da Saúde estipulou uma percentagem para o pagamento, através do Sistema Único de Saúde (SUS), das cesarianas,visando combater os exageros (...ou as más práticas).
Ou seja, quando um serviço de saúde, ultrapassar a percentagem estipulada, não receberá pagamento...

Enfim, aqui vai uma tentativa de leitura não linear (sinuosa) do relatório da ERS...

10:58 da tarde  
Blogger e-pá! said...

Peço perdão.
onde está:
"Depois, um largo rol de indicações relativas... que se encaixam no bom censo clínico."
deveria estar:
"Depois, um largo rol de indicações relativas... que se encaixam no bom senso clínico."

"Lapsus teclae"

9:06 da manhã  

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