A Sustentabilidade Financeira do SNS
A sustentabilidade financeira do SNS é, pelo menos para mim, um tema difícil de abordar. Exige competência em áreas nas quais, infelizmente, não posso invocar mais do que o saber do cidadão comum, medianamente, mas de há muito, interessado e atento à problemática da saúde. Ora, esse saber – mesmo quando apoiado por longa vivência no âmbito do SNS, com os problemas que constituíram o caldo da sua implantação e do seu desenvolvimento – pode ser bastante para detectar, no Relatório Link agora disponível, aspectos que justifiquem discordância de primeira linha, mas será claramente insuficiente para fundamentar contributos que se afirmem como alternativa nos pontos de discordância e, tanto quanto posso avaliar, são contributos o que se espera, na estratégia que foi adoptada. Comecemos então por aqui.
1. A Estratégia, o Mandato e os Objectivos da Comissão para a Sustentabilidade do Financiamento do S.N.S.
É evidente a importância do mandato conferido. Não só em termos de legitimação, mas também em termos de apreciação da estratégia e dos próprios trabalhos desenvolvidos pela Comissão.
Como era de esperar, o mandato foi definido no despacho que criou a Comissão, dos ministros das finanças e da saúde: Depois de referir o impacte, sobre o modelo SNS, “das mudanças demográficas, económicas, tecnológicas e sociais dos últimos decénios, que“, (diz o despacho), “desequilibram financeiramente o sistema e questionam alguns dos seus pressupostos” afirma “Sem prejuízo da tomada de medidas já previstas no Programa de Governo justifica-se uma reflexão aprofundada e sistemática sobre o financiamento do SNS à luz do imperativo constitucional de garantia do direito de todos à protecção e dos “ganhos em saúde” em que se deve materializar...”. (o equívoco sintáctico não é meu, só os sublinhados a cores).
Logo à partida, havia conclusões a tirar (passe o paradoxo), ou seja, limitações ou barreiras que a Comissão não tinha mandato para ultrapassar na “reflexão aprofundada e sistemática sobre o financiamento do SNS” que, apesar de tudo, se justifica:
i) – o desequilíbrio financeiro do SNS pelas mudanças demográficas, económicas, tecnológicas e sociais dos últimos decénios, é declarado e dado como provado ao nível competente para as decisões orçamentais;
ii) – essas mudanças põem em questão alguns dos pressupostos do modelo de provisão pública integrada dos cuidados de saúde pelo SNS;
iii) – as medidas já previstas no Programa de Governo (tomadas ou a tomar) não podem ser postas em causa;
iv) – “o imperativo constitucional de garantia do direito de todos à protecção” … é inquestionável;
v) – A aceitabilidade da reflexão e das recomendações avalia-se pela aptidão para se materializarem em “ganhos em saúde” (Opto pelo entendimento mais favorável).
Em termos genéricos, o mandato da Comissão é, então, o de apoiar tecnicamente a reflexão que se justifica. Mas igualmente importantes, porque concretizam esse mandato, são os objectivos, declarados, com que foi criada a Comissão:
a) – “ Documentar os debates e as novas orientações internacionais das políticas públicas de saúde, com especial atenção à União Europeia e ao domínio do financiamento sustentável dos cuidados;
b) – “Analisar a evolução recente das necessidades de financiamento do SNS, identificando os factores do lado da procura e do lado da oferta de cuidados de saúde que as determinam e que condicionam a sua sustentabilidade financeira;
c) – “Analisar as formas actuais de organização do SNS, identificando os aspectos críticos para o controlo de gastos na produção;
d) – “Analisar, à luz do enquadramento constitucional português, as diversas modalidades de partilha dos custos da saúde, alternativas possíveis e os seus impactes na procura de cuidados e na despesa agregada”. (Só os sublinhados são meus.)
A estratégia optada, e que teve como primeira destinatária a própria Comissão, foi, portanto, a de primeiro analisar, estudar, documentar; ou, como refere o Relatório, “apoiar tecnicamente (est)a reflexão”. Só depois viria esta, sob a forma de discussão pública do Relatório da Comissão. Opção certa ou errada, não vou dizê-lo, porque muita coisa poderá ser aduzida num ou noutro sentido. Mas não tomada pela Comissão que, no seu trabalho, se limitou a aceitar o mandato que lhe foi conferido e que (mas quem sou eu para dizê-lo?) levou a bom termo. Quando muito, só poderia ser acusada de o ter aceitado, ou de, se o pôde fazer, não ter sido capaz de mostrar que melhor estratégia (que, em todo o caso, lhe não foi deixada competência para definir) seria abrir os trabalhos promovendo, desde o seu início, a ampla participação dos que dela se considerassem capazes.
2. A definição de sustentabilidade financeira do SNS
É também necessário atentar na noção de sustentabilidade financeira. Afinal é o ponto central, ou a razão determinante do mandato conferido à Comissão. Deve ser entendida com precisão, sob pena de nos perdermos no decurso da análise.
“Existe sustentabilidade do financiamento do Serviço Nacional de Saúde se o crescimento das transferências do Orçamento do Estado para o SNS não agravar o saldo das Administrações Públicas de uma forma permanente, face ao valor de referência, mantendo-se a evolução previsível das restantes componentes do saldo”
A Comissão, talvez no trilho do despacho que a criou e que fala em desequilíbrio orçamental, adopta esta definição que (ela própria o refere) “pode ser considerada uma visão excessivamente redutora” (V. Introdução do Relatório, pág.18 link). É-o de facto, e, acrescento eu, se fosse tomada sem mais, isto é, por si só, no seu pendor para privilegiar o equilíbrio orçamental, atraiçoaria o mandato conferido, por ignorar as limitações ou condicionamentos acima evidenciados como fronteiras a não transpor. Para além de, como também refere a Comissão, ignorar que o sistema nacional de saúde não se esgota no sector público (SNS), havendo que considerar também o sector social e o sector privado, e, ignorando-os, em minha opinião, a definição abriria uma “via verde” para a eliminação da característica de universalidade do SNS (por imposição das dificuldades orçamentais, o SNS sairia reduzido a um sector meramente residual); para além de “nada adianta(r) sobre resultados de saúde” (aqui seriam as características de generalidade e de qualidade das prestações que seriam postas em causa); para além de (a definição) não dar destaque suficiente (quase deixar na sombra, já que a referência às “restantes componentes do saldo” pode ter muito rigor técnico, mas é excessivamente vaga, para não dizer codificada) à interdependência existente, real e incontornável, entre a economia (a capacidade de produzir recursos, os únicos disponíveis) e a afectação destes recursos às diferentes áreas, entre elas as do sector social e, entre estas a da saúde. E não estou a esquecer que a Comissão refere: “Um modo de financiamento do sistema de saúde que afecte de forma negativa muito pronunciada uma destas três componentes – saldo das contas públicas, produtividade e competitividade da economia ou consumo das famílias – não será sustentável no longo prazo”.
Há, porém, uma virtude que não pode ser negada à definição acolhida pela Comissão: é uma definição dinâmica e intemporal, porque plenamente aberta aos entendimentos e sobretudo às opções actuais e às que venham a ser feitas em termos de prioridades na afectação dos recursos em cada tempo disponíveis.
Resumindo ainda mais as observações precedentes: a definição acolhida pela Comissão só será aceitável se por SNS se entender que ele mantém os atributos definidos pela Constituição e se for compreendida a interdependência das diferentes áreas que competem pelos recursos disponíveis.
3. O SNS é Financeiramente Sustentável?
Confirmando o que o próprio despacho que criou a Comissão já dava como adquirido (“as mudanças demográficas, económicas, tecnológicas e sociais dos últimos decénios, “desequilibram financeiramente o sistema”), a Comissão, no ponto E do sumário executivo do Relatório (Pag.3) link, documenta o crescimento dos gastos totais com a saúde, em Portugal (de 5,6% do PIB em 1980 para 10% em 2004, ultrapassando a percentagem da UE15 (9%) e da OCDE (8,9%)). Neste mesmo período, “de 1980 a 2004, Portugal duplicou o peso dos gastos públicos com saúde face ao PIB (3,6% em 1980, 7,2% em 2004)”, o que nos permite concluir que o crescimento referido dos gastos totais com a saúde (4,4% do PIB) onerou a despesa pública em 3,6% do PIB, ou seja, esta suportou 81,8% do crescimento verificado nos gastos totais com a saúde. Pela sua parte, as famílias suportaram, neste período, um acréscimo anual médio de 0,75% do PIB (18,2% no total).Daqui conclui a Comissão: “Os ritmos de crescimento da despesa em saúde criaram, na passada década, instabilidade nas transferências orçamentais para o SNS. A manutenção dos ritmos históricos das últimas décadas configura uma situação de insustentabilidade financeira”.
O que falta então para que a situação de insustentabilidade financeira fique demonstrada? Apenas, mas é muito, a demonstração de que os ritmos históricos das últimas décadas têm de manter-se. Pode ser insuficiência da minha parte, mas fica-me a convicção de que esta será a debilidade maior do Relatório. Por quê? Porque a Comissão não valorou, ou não valorou adequadamente, vários aspectos que têm de ser considerados importantes quando se pretende demonstrar que existe insustentabilidade. E não é que a Comissão o não saiba, pois que não só o inclui na definição que adoptou (“… o crescimento das transferências do Orçamento do Estado para o SNS não agravar o saldo das Administrações Públicas de uma forma permanente…”), mas também, aqui e ali, ao longo do Relatório, e especificamente no ponto 6.4 (medidas de contenção de gastos, pag.s 70 e seg.s) deixa referências aos pontos que, seguidamente, enuncio e que, conjugadamente, podem evitar a insustentabilidade do SNS:
i) A criação do nosso SNS faz lembrar uma sementeira de trigo num campo onde só há pedregulhos. Foi mais emocional do que racional, porque não foi acompanhada pelas condições que lhe permitiriam uma expressão e consistência de resultados capazes de vencer e convencer, em curto prazo. Partilhou da instabilidade que, para não alongar a exposição de razões, levou a que tivéssemos mais de duas vezes mais Governos e MS do que os 6 que a extensão do período (24 anos) justificaria. Entre nós (“noblesse oblige”), mudança de governo, mudança de programa (…ou talvez não, afinal, para que é que isso serve? Nos aspectos negativos até houve muita convergência), mudança de política ou, pelo menos de sensibilidade;
ii) O período analisado inicia-se num ponto muito baixo: gastos totais com saúde 5,6% do PIB, dos quais 3,6 correspondem a despesa pública; necessidades de financiamento corrente muito aumentadas (designadamente pela nacionalização da rede hospitalar e pela universalidade do SNS, de efeitos imediatos); parque de instalações envelhecido e desadequado, carecendo de substituição; parque tecnológico rudimentar; capacidade de gestão e de controlo e respectivo quadro legal claramente insuficiente e desadequado (estou a considerar, predominantemente, o nível interno dos serviços prestadores). Em contraponto, e a nível global, grave crise económica e financeira (lembram-se do FMI e do “socialismo na gaveta”?), diminuindo (ou excluindo?) a capacidade de resposta adequada;
iii) Neste quadro, a ficção da sub-orçamentação (o Relatório refere-se-lhe no ponto 7.2.3 – Pag. 81 link), tanto a nível do O.E. como a nível dos prestadores, a sobre-orçamentação do lado das receitas e até o excedimento puro e simples das dotações pelos prestadores, que sofriam a pressão da procura que não podiam recusar, (tudo processos de gerar dívida) configuraram-se como a única saída, mas não inócua, porque, aos atrasos nos pagamentos, os credores passaram a responder com a incorporação dos juros estimados (a taxas de 2 dígitos durante parte significativa do período em análise) nos preços que propunham;
iv) Também neste quadro, a promoção da saúde e a prevenção da doença, e em geral, os CSP, fundamentais em qualquer modelo de prestação de cuidados, até na óptica da contenção do crescimento dos custos, mas que, obviamente, não têm tanta capacidade de pressão como o tratamento da doença, só muito tarde concitaram a aceitação, o interesse e até a prioridade estratégica e orçamental recomendável.
v) Medidas de racionalização da rede (que devia merecer, mas até há bem pouco tempo, não mereceu qualquer atenção como verificámos quando dela foram excluídos SU, muitos, que nela nunca foram incluídos mas que o SNS, tranquilamente, financiou) e, em geral, medidas de racionalização de afectação e de gestão dos recursos (entre eles recursos de alta tecnologia e elevados custos iniciais e de funcionamento), podem ter e certamente terão, porque algumas foram já tomadas e estão em progressão, um efeito positivo no esforço necessário de contenção do ritmo de crescimento da despesa;
vi) Novas formas de intervenção estão disponíveis, e em franco desenvolvimento nos países desenvolvidos, como a hospitalização de dia (HD) e a cirurgia ambulatória (CA), entre nós quase inexistentes no período analisado e, mesmo agora, ainda em fase inicial. Ainda não atingimos os 20% das intervenções em CA, quando no RU essa percentagem atinge cerca de 60%. Será muito ambicioso lançar um projecto nesta área para nos situarmos na quota dos 50% a três, quatro anos?
vii) Finalmente, e só para terminar, o planeamento, a programação e a coordenação nunca foram, entre nós, característica marcante nas acções desenvolvidas. Também daí derivaram custos evitáveis, num contexto de serviços situados lado a lado, mas funcionando com total estanquicidade, repetindo desnecessariamente actos e exames e produzindo outros efeitos nocivos conexos; e continuarão a derivar, se não forem tomadas medidas concretas para o evitar. Medidas que são possíveis, desejáveis e que não podem tardar. A menos que se pretenda manter o elevado nível de desperdício que, sob diversas formas, ainda se verifica.
Em resumo: A manutenção dos ritmos históricos das últimas décadas configura(ria) uma situação de insustentabilidade financeira”. Impedir que tudo continue na mesma é o desafio que pode e deve ser vencido.
4. Mortalidade e morbilidade e crescimento das despesas com saúde
Na análise da mortalidade e da morbilidade a Comissão apoia-se nos dados e nas previsões constantes nos quadros seguintes, que inclui no Relatório, a pag.s 47 e 48.
Quadro 2 – Taxa de mortalidade padronizada, no continente, homens e mulheres, em 1995, 2000 e 2003 e previsão para 2015, por 100.000 habitantes
Fonte: DGS, 2006
A Comissão limita-se a referir que:
“Nos anos em estudo, as doenças do aparelho circulatório, os tumores malignos e as doenças cerebro-vasculares constituem, e provavelmente manter-se-ão no futuro, como as principais causas de morte da população portuguesa”. E que
“A mortalidade por sintomas mal definidos continua a ocupar uma posição excepcionalmente elevada nas causas de morte, sugerindo a fragilidade do sistema de recolha e tratamento da informação”. (O sublinhado é meu e traduz a minha plena concordância). De facto, além do que parece uma reserva da Comissão, as previsões para 2015, parecem mera projecção estatística dos valores verificados em 1995, em 2000 e 2003, abstraindo do impacto de mudanças ocorridas ou esperáveis.
A morbilidade é analisada com base no Quadro 3 – Total de doentes saídos dos hospitais e demora média observada, por grupos de doenças (capítulos da CID-9), no Continente, nos anos de 1995, 2000, 004 e previsão para 2015 . (Quadro integral em Link)
No quadro seguinte, são eliminados os valores correspondentes a 1995 e a 2000 e acrescentada a previsão dos dias de internamento para 2015, dando a medida das necessidades em internamento.
Quadro 3 – Total de doentes saídos dos hospitais e demora média observada, por grupos de doenças (capítulos da CID-9), no Continente, em 2004 e previsão para 2015
Fonte: DGS, 2006
Nota: As diferenças para os valores das linhas de Sub-Total e Total derivam dos arredondamentos.
Este quadro continua a aceitar a previsão da D.G.S. e merece as reservas feitas ao quadro precedente, agravadas por não levar em consideração os efeitos previsíveis de medidas que, especificamente, afectarão, diminuindo, o recurso ao internamento.
Mas a Comissão aceita as previsões da DGS e, citando, afirma: “no futuro, acentuar-se-ão as doenças mais frequentemente associadas ao envelhecimento, nomeadamente, cárdio e cérebro-vasculares, diabetes, doenças oncológicas, músculo-esqueléticas, neurológicas e do foro psiquiátrico” (George, 2006). E, em conclusão: “As necessidades de saúde da população vão, exigir do sistema de saúde respostas cada vez mais complexas, por força de uma progressiva alteração do perfil epidemiológico das doenças e dos doentes, mais envelhecidos e com patologias mais incapacitantes e onerosas.” (Sublinhado meu)
No entanto, a Comissão não se distraiu e, dando razão a alguns dos reparos que atrás deixei, acrescenta: “Alterações recentes na moldura da oferta de cuidados de saúde em Portugal indiciam, desde já, uma compreensão desta nova realidade. A reformulação da rede hospitalar, a reorganização dos cuidados de saúde primários e a criação de uma rede de cuidados integrados constituem sinais significativos de uma nova abordagem do sistema de saúde português.”
5. Os factores determinantes do crescimento dos gastos com a saúde
A abordagem deste ponto (Pag. 68 e seg.) pela Comissão é feita com base na análise da literatura sobre ele desenvolvida em termos que me não suscitam qualquer reserva, embora vários comentários fossem possíveis e devidos pela importância do tema. A necessidade de concluir, porque já me alonguei em excesso, faz com que me limite a apresentar o quadro seguinte, elaborado com informação ali colhida:
Factores que justificam o crescimento, passado e previsível, das despesas com saúde em Portugal no período 1990-2003
* Incluindo aspectos relativos às formas de organização, de financiamento, de cobertura da população e à universalidade de acesso
Fonte: Informação colhida no Relatório para a Sustentabilidade do SNS.
Aidenós
1. A Estratégia, o Mandato e os Objectivos da Comissão para a Sustentabilidade do Financiamento do S.N.S.
É evidente a importância do mandato conferido. Não só em termos de legitimação, mas também em termos de apreciação da estratégia e dos próprios trabalhos desenvolvidos pela Comissão.
Como era de esperar, o mandato foi definido no despacho que criou a Comissão, dos ministros das finanças e da saúde: Depois de referir o impacte, sobre o modelo SNS, “das mudanças demográficas, económicas, tecnológicas e sociais dos últimos decénios, que“, (diz o despacho), “desequilibram financeiramente o sistema e questionam alguns dos seus pressupostos” afirma “Sem prejuízo da tomada de medidas já previstas no Programa de Governo justifica-se uma reflexão aprofundada e sistemática sobre o financiamento do SNS à luz do imperativo constitucional de garantia do direito de todos à protecção e dos “ganhos em saúde” em que se deve materializar...”. (o equívoco sintáctico não é meu, só os sublinhados a cores).
Logo à partida, havia conclusões a tirar (passe o paradoxo), ou seja, limitações ou barreiras que a Comissão não tinha mandato para ultrapassar na “reflexão aprofundada e sistemática sobre o financiamento do SNS” que, apesar de tudo, se justifica:
i) – o desequilíbrio financeiro do SNS pelas mudanças demográficas, económicas, tecnológicas e sociais dos últimos decénios, é declarado e dado como provado ao nível competente para as decisões orçamentais;
ii) – essas mudanças põem em questão alguns dos pressupostos do modelo de provisão pública integrada dos cuidados de saúde pelo SNS;
iii) – as medidas já previstas no Programa de Governo (tomadas ou a tomar) não podem ser postas em causa;
iv) – “o imperativo constitucional de garantia do direito de todos à protecção” … é inquestionável;
v) – A aceitabilidade da reflexão e das recomendações avalia-se pela aptidão para se materializarem em “ganhos em saúde” (Opto pelo entendimento mais favorável).
Em termos genéricos, o mandato da Comissão é, então, o de apoiar tecnicamente a reflexão que se justifica. Mas igualmente importantes, porque concretizam esse mandato, são os objectivos, declarados, com que foi criada a Comissão:
a) – “ Documentar os debates e as novas orientações internacionais das políticas públicas de saúde, com especial atenção à União Europeia e ao domínio do financiamento sustentável dos cuidados;
b) – “Analisar a evolução recente das necessidades de financiamento do SNS, identificando os factores do lado da procura e do lado da oferta de cuidados de saúde que as determinam e que condicionam a sua sustentabilidade financeira;
c) – “Analisar as formas actuais de organização do SNS, identificando os aspectos críticos para o controlo de gastos na produção;
d) – “Analisar, à luz do enquadramento constitucional português, as diversas modalidades de partilha dos custos da saúde, alternativas possíveis e os seus impactes na procura de cuidados e na despesa agregada”. (Só os sublinhados são meus.)
A estratégia optada, e que teve como primeira destinatária a própria Comissão, foi, portanto, a de primeiro analisar, estudar, documentar; ou, como refere o Relatório, “apoiar tecnicamente (est)a reflexão”. Só depois viria esta, sob a forma de discussão pública do Relatório da Comissão. Opção certa ou errada, não vou dizê-lo, porque muita coisa poderá ser aduzida num ou noutro sentido. Mas não tomada pela Comissão que, no seu trabalho, se limitou a aceitar o mandato que lhe foi conferido e que (mas quem sou eu para dizê-lo?) levou a bom termo. Quando muito, só poderia ser acusada de o ter aceitado, ou de, se o pôde fazer, não ter sido capaz de mostrar que melhor estratégia (que, em todo o caso, lhe não foi deixada competência para definir) seria abrir os trabalhos promovendo, desde o seu início, a ampla participação dos que dela se considerassem capazes.
2. A definição de sustentabilidade financeira do SNS
É também necessário atentar na noção de sustentabilidade financeira. Afinal é o ponto central, ou a razão determinante do mandato conferido à Comissão. Deve ser entendida com precisão, sob pena de nos perdermos no decurso da análise.
“Existe sustentabilidade do financiamento do Serviço Nacional de Saúde se o crescimento das transferências do Orçamento do Estado para o SNS não agravar o saldo das Administrações Públicas de uma forma permanente, face ao valor de referência, mantendo-se a evolução previsível das restantes componentes do saldo”
A Comissão, talvez no trilho do despacho que a criou e que fala em desequilíbrio orçamental, adopta esta definição que (ela própria o refere) “pode ser considerada uma visão excessivamente redutora” (V. Introdução do Relatório, pág.18 link). É-o de facto, e, acrescento eu, se fosse tomada sem mais, isto é, por si só, no seu pendor para privilegiar o equilíbrio orçamental, atraiçoaria o mandato conferido, por ignorar as limitações ou condicionamentos acima evidenciados como fronteiras a não transpor. Para além de, como também refere a Comissão, ignorar que o sistema nacional de saúde não se esgota no sector público (SNS), havendo que considerar também o sector social e o sector privado, e, ignorando-os, em minha opinião, a definição abriria uma “via verde” para a eliminação da característica de universalidade do SNS (por imposição das dificuldades orçamentais, o SNS sairia reduzido a um sector meramente residual); para além de “nada adianta(r) sobre resultados de saúde” (aqui seriam as características de generalidade e de qualidade das prestações que seriam postas em causa); para além de (a definição) não dar destaque suficiente (quase deixar na sombra, já que a referência às “restantes componentes do saldo” pode ter muito rigor técnico, mas é excessivamente vaga, para não dizer codificada) à interdependência existente, real e incontornável, entre a economia (a capacidade de produzir recursos, os únicos disponíveis) e a afectação destes recursos às diferentes áreas, entre elas as do sector social e, entre estas a da saúde. E não estou a esquecer que a Comissão refere: “Um modo de financiamento do sistema de saúde que afecte de forma negativa muito pronunciada uma destas três componentes – saldo das contas públicas, produtividade e competitividade da economia ou consumo das famílias – não será sustentável no longo prazo”.
Há, porém, uma virtude que não pode ser negada à definição acolhida pela Comissão: é uma definição dinâmica e intemporal, porque plenamente aberta aos entendimentos e sobretudo às opções actuais e às que venham a ser feitas em termos de prioridades na afectação dos recursos em cada tempo disponíveis.
Resumindo ainda mais as observações precedentes: a definição acolhida pela Comissão só será aceitável se por SNS se entender que ele mantém os atributos definidos pela Constituição e se for compreendida a interdependência das diferentes áreas que competem pelos recursos disponíveis.
3. O SNS é Financeiramente Sustentável?
Confirmando o que o próprio despacho que criou a Comissão já dava como adquirido (“as mudanças demográficas, económicas, tecnológicas e sociais dos últimos decénios, “desequilibram financeiramente o sistema”), a Comissão, no ponto E do sumário executivo do Relatório (Pag.3) link, documenta o crescimento dos gastos totais com a saúde, em Portugal (de 5,6% do PIB em 1980 para 10% em 2004, ultrapassando a percentagem da UE15 (9%) e da OCDE (8,9%)). Neste mesmo período, “de 1980 a 2004, Portugal duplicou o peso dos gastos públicos com saúde face ao PIB (3,6% em 1980, 7,2% em 2004)”, o que nos permite concluir que o crescimento referido dos gastos totais com a saúde (4,4% do PIB) onerou a despesa pública em 3,6% do PIB, ou seja, esta suportou 81,8% do crescimento verificado nos gastos totais com a saúde. Pela sua parte, as famílias suportaram, neste período, um acréscimo anual médio de 0,75% do PIB (18,2% no total).Daqui conclui a Comissão: “Os ritmos de crescimento da despesa em saúde criaram, na passada década, instabilidade nas transferências orçamentais para o SNS. A manutenção dos ritmos históricos das últimas décadas configura uma situação de insustentabilidade financeira”.
O que falta então para que a situação de insustentabilidade financeira fique demonstrada? Apenas, mas é muito, a demonstração de que os ritmos históricos das últimas décadas têm de manter-se. Pode ser insuficiência da minha parte, mas fica-me a convicção de que esta será a debilidade maior do Relatório. Por quê? Porque a Comissão não valorou, ou não valorou adequadamente, vários aspectos que têm de ser considerados importantes quando se pretende demonstrar que existe insustentabilidade. E não é que a Comissão o não saiba, pois que não só o inclui na definição que adoptou (“… o crescimento das transferências do Orçamento do Estado para o SNS não agravar o saldo das Administrações Públicas de uma forma permanente…”), mas também, aqui e ali, ao longo do Relatório, e especificamente no ponto 6.4 (medidas de contenção de gastos, pag.s 70 e seg.s) deixa referências aos pontos que, seguidamente, enuncio e que, conjugadamente, podem evitar a insustentabilidade do SNS:
i) A criação do nosso SNS faz lembrar uma sementeira de trigo num campo onde só há pedregulhos. Foi mais emocional do que racional, porque não foi acompanhada pelas condições que lhe permitiriam uma expressão e consistência de resultados capazes de vencer e convencer, em curto prazo. Partilhou da instabilidade que, para não alongar a exposição de razões, levou a que tivéssemos mais de duas vezes mais Governos e MS do que os 6 que a extensão do período (24 anos) justificaria. Entre nós (“noblesse oblige”), mudança de governo, mudança de programa (…ou talvez não, afinal, para que é que isso serve? Nos aspectos negativos até houve muita convergência), mudança de política ou, pelo menos de sensibilidade;
ii) O período analisado inicia-se num ponto muito baixo: gastos totais com saúde 5,6% do PIB, dos quais 3,6 correspondem a despesa pública; necessidades de financiamento corrente muito aumentadas (designadamente pela nacionalização da rede hospitalar e pela universalidade do SNS, de efeitos imediatos); parque de instalações envelhecido e desadequado, carecendo de substituição; parque tecnológico rudimentar; capacidade de gestão e de controlo e respectivo quadro legal claramente insuficiente e desadequado (estou a considerar, predominantemente, o nível interno dos serviços prestadores). Em contraponto, e a nível global, grave crise económica e financeira (lembram-se do FMI e do “socialismo na gaveta”?), diminuindo (ou excluindo?) a capacidade de resposta adequada;
iii) Neste quadro, a ficção da sub-orçamentação (o Relatório refere-se-lhe no ponto 7.2.3 – Pag. 81 link), tanto a nível do O.E. como a nível dos prestadores, a sobre-orçamentação do lado das receitas e até o excedimento puro e simples das dotações pelos prestadores, que sofriam a pressão da procura que não podiam recusar, (tudo processos de gerar dívida) configuraram-se como a única saída, mas não inócua, porque, aos atrasos nos pagamentos, os credores passaram a responder com a incorporação dos juros estimados (a taxas de 2 dígitos durante parte significativa do período em análise) nos preços que propunham;
iv) Também neste quadro, a promoção da saúde e a prevenção da doença, e em geral, os CSP, fundamentais em qualquer modelo de prestação de cuidados, até na óptica da contenção do crescimento dos custos, mas que, obviamente, não têm tanta capacidade de pressão como o tratamento da doença, só muito tarde concitaram a aceitação, o interesse e até a prioridade estratégica e orçamental recomendável.
v) Medidas de racionalização da rede (que devia merecer, mas até há bem pouco tempo, não mereceu qualquer atenção como verificámos quando dela foram excluídos SU, muitos, que nela nunca foram incluídos mas que o SNS, tranquilamente, financiou) e, em geral, medidas de racionalização de afectação e de gestão dos recursos (entre eles recursos de alta tecnologia e elevados custos iniciais e de funcionamento), podem ter e certamente terão, porque algumas foram já tomadas e estão em progressão, um efeito positivo no esforço necessário de contenção do ritmo de crescimento da despesa;
vi) Novas formas de intervenção estão disponíveis, e em franco desenvolvimento nos países desenvolvidos, como a hospitalização de dia (HD) e a cirurgia ambulatória (CA), entre nós quase inexistentes no período analisado e, mesmo agora, ainda em fase inicial. Ainda não atingimos os 20% das intervenções em CA, quando no RU essa percentagem atinge cerca de 60%. Será muito ambicioso lançar um projecto nesta área para nos situarmos na quota dos 50% a três, quatro anos?
vii) Finalmente, e só para terminar, o planeamento, a programação e a coordenação nunca foram, entre nós, característica marcante nas acções desenvolvidas. Também daí derivaram custos evitáveis, num contexto de serviços situados lado a lado, mas funcionando com total estanquicidade, repetindo desnecessariamente actos e exames e produzindo outros efeitos nocivos conexos; e continuarão a derivar, se não forem tomadas medidas concretas para o evitar. Medidas que são possíveis, desejáveis e que não podem tardar. A menos que se pretenda manter o elevado nível de desperdício que, sob diversas formas, ainda se verifica.
Em resumo: A manutenção dos ritmos históricos das últimas décadas configura(ria) uma situação de insustentabilidade financeira”. Impedir que tudo continue na mesma é o desafio que pode e deve ser vencido.
4. Mortalidade e morbilidade e crescimento das despesas com saúde
Na análise da mortalidade e da morbilidade a Comissão apoia-se nos dados e nas previsões constantes nos quadros seguintes, que inclui no Relatório, a pag.s 47 e 48.
Quadro 2 – Taxa de mortalidade padronizada, no continente, homens e mulheres, em 1995, 2000 e 2003 e previsão para 2015, por 100.000 habitantes
Fonte: DGS, 2006
A Comissão limita-se a referir que:
“Nos anos em estudo, as doenças do aparelho circulatório, os tumores malignos e as doenças cerebro-vasculares constituem, e provavelmente manter-se-ão no futuro, como as principais causas de morte da população portuguesa”. E que
“A mortalidade por sintomas mal definidos continua a ocupar uma posição excepcionalmente elevada nas causas de morte, sugerindo a fragilidade do sistema de recolha e tratamento da informação”. (O sublinhado é meu e traduz a minha plena concordância). De facto, além do que parece uma reserva da Comissão, as previsões para 2015, parecem mera projecção estatística dos valores verificados em 1995, em 2000 e 2003, abstraindo do impacto de mudanças ocorridas ou esperáveis.
A morbilidade é analisada com base no Quadro 3 – Total de doentes saídos dos hospitais e demora média observada, por grupos de doenças (capítulos da CID-9), no Continente, nos anos de 1995, 2000, 004 e previsão para 2015 . (Quadro integral em Link)
No quadro seguinte, são eliminados os valores correspondentes a 1995 e a 2000 e acrescentada a previsão dos dias de internamento para 2015, dando a medida das necessidades em internamento.
Quadro 3 – Total de doentes saídos dos hospitais e demora média observada, por grupos de doenças (capítulos da CID-9), no Continente, em 2004 e previsão para 2015
Fonte: DGS, 2006
Nota: As diferenças para os valores das linhas de Sub-Total e Total derivam dos arredondamentos.
Este quadro continua a aceitar a previsão da D.G.S. e merece as reservas feitas ao quadro precedente, agravadas por não levar em consideração os efeitos previsíveis de medidas que, especificamente, afectarão, diminuindo, o recurso ao internamento.
Mas a Comissão aceita as previsões da DGS e, citando, afirma: “no futuro, acentuar-se-ão as doenças mais frequentemente associadas ao envelhecimento, nomeadamente, cárdio e cérebro-vasculares, diabetes, doenças oncológicas, músculo-esqueléticas, neurológicas e do foro psiquiátrico” (George, 2006). E, em conclusão: “As necessidades de saúde da população vão, exigir do sistema de saúde respostas cada vez mais complexas, por força de uma progressiva alteração do perfil epidemiológico das doenças e dos doentes, mais envelhecidos e com patologias mais incapacitantes e onerosas.” (Sublinhado meu)
No entanto, a Comissão não se distraiu e, dando razão a alguns dos reparos que atrás deixei, acrescenta: “Alterações recentes na moldura da oferta de cuidados de saúde em Portugal indiciam, desde já, uma compreensão desta nova realidade. A reformulação da rede hospitalar, a reorganização dos cuidados de saúde primários e a criação de uma rede de cuidados integrados constituem sinais significativos de uma nova abordagem do sistema de saúde português.”
5. Os factores determinantes do crescimento dos gastos com a saúde
A abordagem deste ponto (Pag. 68 e seg.) pela Comissão é feita com base na análise da literatura sobre ele desenvolvida em termos que me não suscitam qualquer reserva, embora vários comentários fossem possíveis e devidos pela importância do tema. A necessidade de concluir, porque já me alonguei em excesso, faz com que me limite a apresentar o quadro seguinte, elaborado com informação ali colhida:
Factores que justificam o crescimento, passado e previsível, das despesas com saúde em Portugal no período 1990-2003
* Incluindo aspectos relativos às formas de organização, de financiamento, de cobertura da população e à universalidade de acesso
Fonte: Informação colhida no Relatório para a Sustentabilidade do SNS.
Aidenós
10 Comments:
Com a humildade dos sábios, o aidenós faz-nos uma brilhante análise, num post excepcionalmente bem escrito, sobre o relatório da sustentabilidade.
Um grande exemplo para os investigadores da nossa praça.
Em nome dos bloggers da Saudesa agradeço-lhe reconhecidamente.
Excelente post, onde se evidencia uma acutilante e a extraordinária percepção dos múltiplos factores que estão envolvidos na premente questão da sustentabilidade do SNS.
De qualquer modo, e para além da preciosidade da análise, onde se levantam pertinentes interrogações, quando não dúvidas, mais uma vez, este relatório suscita-me uma inquietante pergunta:
Este relatório, pode (deve) ser discutido onde e por quem?
Por quem, aparentemente por todos nós, já que o seu destino era a discussão pública.
Onde, em qualquer lado (inclusivé nos sítios julgados impróprios pela SE Carmen Pignatelli), mas fundamentalmente no seu berço: a Comissão Parlamentar de Saúde da AR.
Por outro lado, não é possível deixar de repisar um acidente de percurso. Este relatório que, finalmente e oficiosamente, foi entregue à AR, pelo grupo parlamentar do PSD - depois de passar várias diatribes de Zita Seabra, por um canal de TV, por blogs e scketches semanais ou quinzenais no DE - não foi agendado aí (que eu tenha conhecimento) para qualquer tipo de discussão.
Todos sabemos porquê. O relatório sobre a sustentabilidade financeira do SNS, deveria ter sido politicamente tratado pelos MS e MF, intermediários da sua adjudicação à Comissão.
Mais uma vez tudo correu mal.
Resta-nos, a possibilidade (e a liberdade) deste espaço para - com o pretexto do relatório - pensar a sustentabilidade do SNS. O presente post de "aidenos" deve ser, neste âmbito, considerado um extraordinário e detalhado contributo.
No documento elaborado pela presidência da UE, em Aachen a 20 de April 2007, intitulado "Health care across Europe: Striving for added value", levantam-se questões de princípio que se intrommetem no nosso realtório.
Uma delas é o ponto 4., onde se realça:
" POLITICS** FIRST
We are determined to maintain the national competence for health care organisation.
However, our common health care challenges call for a joint effort to identify viable political solutions."
A "national competence" será, se quisermos, o relatório, que andamos por aqui a discutir
e,
"identify viable political solutions" será o trabalho da Comissão Parlamentar da Saúde da AR que, entretanto, enveredou pela distração ou por tempos de vilegiatura (para não especular sobre outras iníquas razões).
** - Podemos discutir politics or policy.
Daqui conclui a Comissão: “Os ritmos de crescimento da despesa em saúde criaram, na passada década, instabilidade nas transferências orçamentais para o SNS. A manutenção dos ritmos históricos das últimas décadas configura uma situação de insustentabilidade financeira”.
O que falta então para que a situação de insustentabilidade financeira fique demonstrada? Apenas, mas é muito, a demonstração de que os ritmos históricos das últimas décadas têm de manter-se. Pode ser insuficiência da minha parte, mas fica-me a convicção de que esta será a debilidade maior do Relatório. Por quê? Porque a Comissão não valorou, ou não valorou adequadamente, vários aspectos que têm de ser considerados importantes quando se pretende demonstrar que existe insustentabilidade
Um ponto importante a desenvolver.
A excelente análise do aidenós é demonstrativa da indispensabilidade do relatório como instrumento de discussão do modelo de financiamento do nosso SNS.
Devemos interrogarmo-nos sobre a existência de críticos que pretendem matá-lo à nascença.
Tentando contribuir para a vossa discussão,
- apesar de todas as discussões sobre sustentabilidade financeira de um serviço nacional de saúde, não há normalmente uma apresentação do que isso significa, nem como deve ser interpretado. Dada a natureza do problema é fundamental que a definição acomode uma perspectiva dinâmica.
- num serviço nacional de saúde que vai buscar ao orçamento do Estado a grande fatia dos seus fundos, e ocupando em Portugal a despesa pública cerca de 50% do PIB, é fácil antever que se houver capacidade / opção política de reduzir noutras áreas, é ainda possível aumentar a fatia da despesa pública destinada à saúde; neste sentido, a sustentabilidade financeira do SNS está interligada com as opções tomadas quanto à restante despesa pública; em particular, o orçamento do SNS poderá crescer mais rapidamente do que o PIB desde que outras componentes da despesa pública cresçam menos rapidamente, e ainda assim se ter sustentabilidade financeira do SNS.
- o aspecto, correctamente levantado pelo "aidenos", dos ritmos históricos e sua manutenção é bastante importante; mas é relevante lembrar que também durante os últimos 10 a 15 anos muito se falou sobre medidas de reforma do SNS e de contenção de custos no SNS, e esses ritmos históricos mostraram uma regularidade; podemos esperar que agora seja diferente embora também possa suceder que não seja assim tão diferente; Será que os dois últimos anos são uma alteração estrutural ou apenas um acidente histórico momentâneo?
- segundo me parece implicita na escrita do "aidenos", a aposta da sustentabilidade financeira passa sobretudo por se conseguir fazer mais com o mesmo orçamento; ou seja, conseguir utilizar melhor os recursos disponíveis, não precisar de mais recursos. Mas supondo que não se consegue esse objectivo, que fazer? Ou mesmo que se consiga alcançar esse objectivo, a forma como actualmente se recolhem os fundos necessários para pagar o SNS é a apropriada?
- por fim, factores que justificam o crescimento, com a informação colhida no relatório para a sustentabilidade do SNS, é necessário ter em conta que os valores apresentados apontam para que do lado da "procura" uma parte significativa do crescimento esteja associado com uma maior utilização dos serviços de saúde por parte da população; e por uma inflação superior na área da saúde. Se as decisões de gastar mais em saúde correspondem a uma necessidade maior da população de procurar cuidados de saúde, o seu aumento não é necessariamente negativo. Como perceber o que é natural aceitar em termos de crescimento da despesa em saúde, e delimitar o que é uso não justificado é um desafio também dificil.
num serviço nacional de saúde que vai buscar ao orçamento do Estado a grande fatia dos seus fundos, e ocupando em Portugal a despesa pública cerca de 50% do PIB, é fácil antever que se houver capacidade / opção política de reduzir noutras áreas, é ainda possível aumentar a fatia da despesa pública destinada à saúde.
Ora aqui está.
De acordo com este ponto do comentário do Pedro Pita Barros, eu encontrava rapidamente uma solução. A redução drástica da despesa com as forças armadas.
O problema é que o Anibal Cavaco Silva não deixa.
Olá, amigos.
Férias são férias...
Volto ao Blog e, para "aquecer os motores", com um reparo ao comentário da Helena:
"o Aníbal Cavaco Silva" não é "um aníbal qualquer!
Nos meus tempos de escola aprendi que o mais alto magistrado da Nação (como outras figuras públicas) deve ser tratado por Sua Excelência...
E mesmo que "tenhámos andado com ele na escola" (o que certamente não é o caso) a expressão utilizada pela Helena é, em minha opinião, incorrecta e pouco "respeitadora" da pessoa do Senhor Presidente da República.
Enfim, aceite-se que se tratou de um "desabafo" da Helena!
Um abraço a todos
Com a devida vénia, passo a transcrever uma "carta ao director" publicada no jornal Público de ontem (4/9):
"Diz o Público que o Hospital de S. João no Porto dá lucro. Pudera!
Antes de morrer, em Março, a minha mulher esteve internada em três hospitais: o S. Marcos, em Braga; o S. João e o Santo António, no Porto. As deslocações que, então, teve necessidade de fazer, quando efectuadas a partir dos hospitais de S. Marcos e de Santo António, realizaram-se sempre em ambulâncias devidamente equipadas e, dada a grave situação, acompanhada de médica ou médico e enfermeira ou enfermeiro. No dia em que, incompreensivelmente, foi despachada do hospital de S. João, antes de se terem completado 24 horas após uma delicada intervenção cirurgica, viajou sem qualquer tipo de acompanhamento especializado, numa viatura absolutamente imprópria..."
"...O hospital de S. João, seguindo, assim, um procedimanto diferente do que, antes e depois, adoptaram os outros dois hospitais, prescindia de uma ambulância, de um médico e de um enfermeiro e aproveitava a oportunidade para enfiar na viatura mais um doente remetido para o mesmo endereço, o Hospital de S. Marcos..."
Poupando assim numa ambulância, num médico e numa enfermeira, o Hospital de S. João pôde, obviamente, colocar mais alguns euros na coluna dos lucros.
E se este modo de proceder for regra, o futuro do Hospital de S. João será, concerteza, de grande prosperidade económica"
assina: Eduardo Jorge Madureira Lopes.
Foi no HSJ que minha irmã foi assistida e acompanhada. Foi nesse hospital que esteve meses e meses à espera de consultas e exames. Infelizmente foi no mesmo hospital que veio a falecer.
E estou certo de que não teve o devido acompanhamento e tratamentos atempados que lhe poderiam ter permitido, pelo menos, mais alguns anos de vida com qualidade.
E será o que o leitor relata alheio a uma visão economicista da Saúde? É à custa da vida dos cidadãos/utentes que o HSJ deve apregoar resultados positivos (ainda assim pouco consistentes!)?
Ficarão os responsáveis de consciência tranquila perante estes factos?
Caro Tonitosa
O que é que estas observações têm a ver com a matéria em análise?
Voar rasteirinho é consigo.
Helena,
Eu sei que a Helena sabe que eu sei que não gosta d'"o Aníbal".
Repondo-lhe com uma pergunta: o que é que "o Aníbal" tem a ver com as opções orçamentais do Governo?
E para que se perceba melhor, ainda outra pergunta: o que é que "o Aníbal" tem a ver com a discussão e aprovação do OE?
Deixe-me parafrasear: se eu voo rasteirinho, a Helena, para mim, "vem de carrinho".
No ponto 3. do Post sobre A Sustentabilidade do SNS, afirma-se:
Pela sua parte, as famílias suportaram, neste período, um acréscimo anual médio de 0,75% do PIB (18,2% no total).
Como é evidente pelo contexto – e talvez tenha sido por isso que ninguém lhe fez reparo – a afirmação está errada. O que devia ter sido escrito é que:
Pela sua parte, as famílias suportaram, neste período, um acréscimo anual médio de 0,75% do total do crescimento dos gastos com saúde (18,2%, à sua parte, no total do período 1980/2004).
Se, só à sua parte, as famílias contribuíssem com 18,2 % do PIB para o SNS, então ninguém duvidaria que o SNS teria atingido, há muito, a insustentabilidade.
A todos, as minhas desculpas.
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