As Grandes Opções e o Orçamento...
1. Agrade-nos ou não, a saúde não tem preço mas custa muito dinheiro. Ou seja, não se pode abstrair da capacidade que o país tiver de produzir os recursos necessários, porque os níveis de saúde são (e exigem) muito mais do que painéis miríficos, moldados e coloridos como pedirem os nossos anseios. Significa isto, por mais prosaico que seja, que as grandes opções do país, as condicionantes, são as da economia. Os próprios economistas, perante esta abrangência, incontornável e que não pode ser rompida (pelo menos não pode ser repetidamente rompida) e conscientes do sentir das populações – que não se detêm nos tratados de economia, mas que, num contexto cada vez mais globalizado, têm hábitos e estilos de vida de que não vejo como poderão abdicar porque lhes são dia a dia inculcados, quase sempre sob forma insidiosa – os economistas, dizia, cuidam de nos apresentar um conceito de desenvolvimento económico em sintonia. É esse o entendimento que faço da referência de ACS (que antes de Presidente, era economista havia muito tempo) à “trilogia do desenvolvimento: mais emprego, mais justiça social e melhores condições de vida”. Não tenho qualquer reparo a fazer à definição, é isso que todos queremos, mas anote-se, é uma definição pelas consequências ou resultados desejáveis, enunciadas em termos conceptuais e suficientemente vagos para ser abrangente, porque tudo lá cabe, e na qual não há qualquer referência directa para o aumento da produção sem o qual nenhuma dessas consequências se verificará. “Mais emprego” pode (deveria sempre) significar aumento de produção, mas, infelizmente, há o bom e há o mau. O que impõe a necessidade de distinguir entre emprego e trabalho, e mesmo este, como sabemos, carece de ser selectivamente orientado para as áreas que possam fazer a diferença. Se assim não for, “mais emprego” será apenas maiores pastagens para alimentar o “Monstro”, de que também falou ACS. Quanto à “justiça social e melhores condições de vida”, direi apenas que a forma como normalmente são invocadas e abordadas me faz lembrar as poldras à retaguarda para onde voltamos quando a força da corrente ameaça desequilibrar-nos. Não pretendo negar a sua importância. São muito úteis, até indispensáveis, mas as situadas à retaguarda, são pontos de fuga e não caminho para o outro lado.
2. No fundo é uma questão de ambição: a Espanha (com Filipe Gonzales, um socialista, que a questão já nada tem a ver com opções partidárias!) optou por aplicar as ajudas de adesão à CEE e as subsequentes na superação dos seus problemas estruturais, mesmo suportando taxas de desemprego que ultrapassaram os 20%; nós, excepção feita às estradas construídas (única área que retenho na qual se verificou sensível melhoria) preferimos vangloriar-nos com uma taxa de desemprego à volta de 5%, mesmo que sustentada com a manutenção de postos de trabalho não competitivos. Os resultados estão à vista: enquanto a Espanha apresenta um crescimento sensivelmente acima da média da CE, Portugal cresce abaixo dessa média e, estando muito atrás, em vez de convergir, continua a divergir e, para cúmulo do “azar”, a ver a taxa de desemprego a querer tornar-se a mais elevada da UE15. Moral da história: a realidade é crua e os bons sentimentos não pagam quando o que está em causa é o desenvolvimento económico.
3. Vem esta divagação, por caminhos que não são os meus e mal conheço, a propósito do Orçamento do Estado para 2008, cujos dados fundamentais, no que respeita à saúde, foram já diligentemente divulgados no Saudesa e, no seguimento, mereceram várias intervenções e comentários. Ficou assim claro que o aumento de financiamento do SNS será mínimo, mesmo inferior à previsão da inflação. E ainda veremos o que sai da negociação salarial. Sabemos que o aumento que for decidido na tabela salarial será triplicado, ou perto disso, no impacto sobre as despesas com pessoal (escalões, promoções, etc.). O compromisso do Governo que ouvi é que, em 2008, não será imposta nova perda de poder de compra à função pública e não, como vi comentado, que seria reposto o seu poder de compra, diminuído nos últimos anos, o que é, claramente, coisa diferente. Mas, do que não restam dúvidas é que o orçamento da saúde para 2008 deixará escassa margem para entrar por derivações; será um ano difícil, pelo menos na perspectiva dos que entendem que a via para a salvação do SNS está na injecção de maior financiamento do OE. Investimentos em escala visível terão de esperar, mesmo quando desejáveis.
4. A este propósito, atentem no comentário da Clara, (inserido no Post The times they are a-changin, de 13.10.2007) que transcrevo pela lucidez que revela:
“Tem sido muito esclarecedor o diálogo mantido aqui na Saudesa entre duas linhas de pensamento sobre o futuro do SNS.
a) A defesa do SNS, da manutenção do status quo e da hegemonia do sector público da saúde através de mais e melhores investimentos, brilhantemente protagonizada pelo é-pá;
b) Noutro polo oposto há quem defenda que a sobrevivência do SNS está na nossa capacidade de promover a sua transformação de forma a adaptá-lo às modernas exigências de eficiência e qualidade da prestação de cuidados.”
Sem surpresa para mim, a Clara diz-se ”indiscutivelmente a favor da segunda posição”. E António Arnault, Ministro ao tempo da criação do SNS e recém laureado por proposta da RNOM com o prémio Corino de Andrade, como se alinhará? Aqui é com surpresa que leio a sua resposta à Visão quando perguntado: Como se salva o SNS? – Segundo o Tribunal de Contas, há 25% de desperdício, dinheiro mal gasto. Reduzindo para metade temos mais uns anos de sustentabilidade. Depois, obrigar os profissionais da saúde a cumprir horários. Disciplinar horas extraordinárias, coisa que o ministro já está a fazer e bem. Mas entretanto dá-se um cheque para as pessoas serem operadas nos privados quando os blocos operatórios estão desertos, trabalham três ou quatro horas por dia. Afrontem interesses instalados, responsabilizem hierarquias e os trabalhadores da área da saúde. (sublinhado meu na Entrevista de 25.07.2007 link, postada pelo Saudesa em 07.10.2007). Só posso discordar quanto ao advérbio de tempo; não é depois, é já e, se vier, virá muito tarde, porque há muito se impõe e é devido. Atenção: não estou a atacar os médicos e os restantes trabalhadores da área da saúde. Estou a responsabilizar os poderes (todos os Governos) que pactuaram com a sobrevivência de uma lógica de intervenção que permite as situações denunciadas, o que, no contexto internacional, nos deveria fazer corar de vergonha.
5. Muitos, que não eu, consideram que o maior feito de CC foi o equilíbrio orçamental em dois anos consecutivos: 2006 e 2007, como se espera. Reconheço as dificuldades de gerir um orçamento com enorme voracidade para o consumo dos recursos – assim eles existam –. Penso, no entanto, que maior mérito existe em ter conseguido orçamentos iniciais de verdade, sem subavaliação da despesa, para 2006 e 2007, o que constituiu um marco importante porque, pela primeira vez (falo, evidentemente, só por mim) nos criou a convicção de que a Saúde tinha adquirido um lugar à mesa do Conselho de Ministros. Maior mérito também em ter afirmado, em consonância com os princípios acolhidos noutros países (v-g. no RU), uma estratégia de redefinição e reposicionamento das áreas da saúde (CSP/USF, HH e CC) e de racionalização de redes (Maternidades, RSU, Centros Hospitalares, HH-EPE), mesmo que nada esteja ainda concluído, carecendo, portanto, de consolidação e apesar de excessivos percalços surgidos na execução.
6. Para manter o equilíbrio orçamental em 2008, sem degradação do nível e da qualidade dos cuidados aos utentes, CC vai precisar de muita coisa. Atrevo-me a resumir algumas, sem pretensão de hierarquizar:
- Vai precisar de avanços significativos no combate ao desperdício, que continua significativo, como não pode ser contestado. Num entendimento com latitude bastante não deixará de exceder a avaliação do Tribunal de Contas;
- Vai precisar de monitorizar rigorosamente o desempenho do SNS, não só o desempenho orçamental, também a resposta oferecida aos utentes, em termos quantitativos e qualitativos, e o nível de satisfação conseguido, tarefa que será muito exigente;
- Vai precisar do empenhamento e abertura dos Serviços que directamente o apoiam para as tarefas indispensáveis que lhes incumbem e de idênticos empenhamento e abertura da parte dos Serviços Prestadores aos diversos níveis de responsabilidade;
- Vai precisar que as reformas iniciadas se consolidem e comecem a produzir resultados visíveis pelos quais se comprove que as mudanças operadas são vantajosas e no interesse das populações abrangidas, sem o que não terá delas o apoio de que carece para prosseguir com a estratégia adoptada.
Parece-me mais do que claro que falhar o desafio do equilíbrio orçamental em 2008 comportará sério risco de fazer voltar à estaca zero tudo quanto foi feito ou se perspectiva. Numa área tão difícil como a Saúde essa não seria certamente razão para festejar.
Aidenos
2. No fundo é uma questão de ambição: a Espanha (com Filipe Gonzales, um socialista, que a questão já nada tem a ver com opções partidárias!) optou por aplicar as ajudas de adesão à CEE e as subsequentes na superação dos seus problemas estruturais, mesmo suportando taxas de desemprego que ultrapassaram os 20%; nós, excepção feita às estradas construídas (única área que retenho na qual se verificou sensível melhoria) preferimos vangloriar-nos com uma taxa de desemprego à volta de 5%, mesmo que sustentada com a manutenção de postos de trabalho não competitivos. Os resultados estão à vista: enquanto a Espanha apresenta um crescimento sensivelmente acima da média da CE, Portugal cresce abaixo dessa média e, estando muito atrás, em vez de convergir, continua a divergir e, para cúmulo do “azar”, a ver a taxa de desemprego a querer tornar-se a mais elevada da UE15. Moral da história: a realidade é crua e os bons sentimentos não pagam quando o que está em causa é o desenvolvimento económico.
3. Vem esta divagação, por caminhos que não são os meus e mal conheço, a propósito do Orçamento do Estado para 2008, cujos dados fundamentais, no que respeita à saúde, foram já diligentemente divulgados no Saudesa e, no seguimento, mereceram várias intervenções e comentários. Ficou assim claro que o aumento de financiamento do SNS será mínimo, mesmo inferior à previsão da inflação. E ainda veremos o que sai da negociação salarial. Sabemos que o aumento que for decidido na tabela salarial será triplicado, ou perto disso, no impacto sobre as despesas com pessoal (escalões, promoções, etc.). O compromisso do Governo que ouvi é que, em 2008, não será imposta nova perda de poder de compra à função pública e não, como vi comentado, que seria reposto o seu poder de compra, diminuído nos últimos anos, o que é, claramente, coisa diferente. Mas, do que não restam dúvidas é que o orçamento da saúde para 2008 deixará escassa margem para entrar por derivações; será um ano difícil, pelo menos na perspectiva dos que entendem que a via para a salvação do SNS está na injecção de maior financiamento do OE. Investimentos em escala visível terão de esperar, mesmo quando desejáveis.
4. A este propósito, atentem no comentário da Clara, (inserido no Post The times they are a-changin, de 13.10.2007) que transcrevo pela lucidez que revela:
“Tem sido muito esclarecedor o diálogo mantido aqui na Saudesa entre duas linhas de pensamento sobre o futuro do SNS.
a) A defesa do SNS, da manutenção do status quo e da hegemonia do sector público da saúde através de mais e melhores investimentos, brilhantemente protagonizada pelo é-pá;
b) Noutro polo oposto há quem defenda que a sobrevivência do SNS está na nossa capacidade de promover a sua transformação de forma a adaptá-lo às modernas exigências de eficiência e qualidade da prestação de cuidados.”
Sem surpresa para mim, a Clara diz-se ”indiscutivelmente a favor da segunda posição”. E António Arnault, Ministro ao tempo da criação do SNS e recém laureado por proposta da RNOM com o prémio Corino de Andrade, como se alinhará? Aqui é com surpresa que leio a sua resposta à Visão quando perguntado: Como se salva o SNS? – Segundo o Tribunal de Contas, há 25% de desperdício, dinheiro mal gasto. Reduzindo para metade temos mais uns anos de sustentabilidade. Depois, obrigar os profissionais da saúde a cumprir horários. Disciplinar horas extraordinárias, coisa que o ministro já está a fazer e bem. Mas entretanto dá-se um cheque para as pessoas serem operadas nos privados quando os blocos operatórios estão desertos, trabalham três ou quatro horas por dia. Afrontem interesses instalados, responsabilizem hierarquias e os trabalhadores da área da saúde. (sublinhado meu na Entrevista de 25.07.2007 link, postada pelo Saudesa em 07.10.2007). Só posso discordar quanto ao advérbio de tempo; não é depois, é já e, se vier, virá muito tarde, porque há muito se impõe e é devido. Atenção: não estou a atacar os médicos e os restantes trabalhadores da área da saúde. Estou a responsabilizar os poderes (todos os Governos) que pactuaram com a sobrevivência de uma lógica de intervenção que permite as situações denunciadas, o que, no contexto internacional, nos deveria fazer corar de vergonha.
5. Muitos, que não eu, consideram que o maior feito de CC foi o equilíbrio orçamental em dois anos consecutivos: 2006 e 2007, como se espera. Reconheço as dificuldades de gerir um orçamento com enorme voracidade para o consumo dos recursos – assim eles existam –. Penso, no entanto, que maior mérito existe em ter conseguido orçamentos iniciais de verdade, sem subavaliação da despesa, para 2006 e 2007, o que constituiu um marco importante porque, pela primeira vez (falo, evidentemente, só por mim) nos criou a convicção de que a Saúde tinha adquirido um lugar à mesa do Conselho de Ministros. Maior mérito também em ter afirmado, em consonância com os princípios acolhidos noutros países (v-g. no RU), uma estratégia de redefinição e reposicionamento das áreas da saúde (CSP/USF, HH e CC) e de racionalização de redes (Maternidades, RSU, Centros Hospitalares, HH-EPE), mesmo que nada esteja ainda concluído, carecendo, portanto, de consolidação e apesar de excessivos percalços surgidos na execução.
6. Para manter o equilíbrio orçamental em 2008, sem degradação do nível e da qualidade dos cuidados aos utentes, CC vai precisar de muita coisa. Atrevo-me a resumir algumas, sem pretensão de hierarquizar:
- Vai precisar de avanços significativos no combate ao desperdício, que continua significativo, como não pode ser contestado. Num entendimento com latitude bastante não deixará de exceder a avaliação do Tribunal de Contas;
- Vai precisar de monitorizar rigorosamente o desempenho do SNS, não só o desempenho orçamental, também a resposta oferecida aos utentes, em termos quantitativos e qualitativos, e o nível de satisfação conseguido, tarefa que será muito exigente;
- Vai precisar do empenhamento e abertura dos Serviços que directamente o apoiam para as tarefas indispensáveis que lhes incumbem e de idênticos empenhamento e abertura da parte dos Serviços Prestadores aos diversos níveis de responsabilidade;
- Vai precisar que as reformas iniciadas se consolidem e comecem a produzir resultados visíveis pelos quais se comprove que as mudanças operadas são vantajosas e no interesse das populações abrangidas, sem o que não terá delas o apoio de que carece para prosseguir com a estratégia adoptada.
Parece-me mais do que claro que falhar o desafio do equilíbrio orçamental em 2008 comportará sério risco de fazer voltar à estaca zero tudo quanto foi feito ou se perspectiva. Numa área tão difícil como a Saúde essa não seria certamente razão para festejar.
Aidenos
6 Comments:
OE/08 mais um “Orçamento sem truques”, sem OER, mas também sem esperança.
É mais um orçamento da morte lenta do SNS.
As empresas privadas do sector da saúde, para quem no orçamento do sector público é que está o ganho, esfregam as mãos de contentes.
A hegenomia do sector privado da saúde será mais rápida do que parecia.
No ano de 2015 a JMS inaugurará um novo hospital com o nome Hospital Correia de Campos SA em homenagem ao grande promotor da saúde privada em Portugal.
À margem do OE.
Faço apenas a colagem do "copy" que fiz na página de abertura do "sapo":
"Aborto Correia de Campos insiste para que Ordem dos Médicos altere Código Deontológico (Sol)".
A não ser intencional, diremos que a língua portuguesa tem destas coisas...
Nos últimos (vários) fins de semana tenho tido oportunidade de ser um bom observador (fora das minhas funções profissionais) do que se passa nos nossos HH EPE's.
Na hotelaria o desperdício é enorme! São refeições e mais refeições que os doentes não comem. E o que é curioso (ou talvez não) é que, sabendo-se que determinado doente se recusa a comer, o tabuleiro, sempre com a mesma "pratada", ali é colocado, religiosamente, ao almoço e ao jantar. E são muitos os doentes nessa situação. O pão, a sopa, o prato de carne ou peixe e até a sobremesa (fruta ou doce) são recolhidos sem que os doentes na maioria das vezes lhes toquem (ou quase não lhes toquem). Tudo é devolvido, refeição após refeição, dia após dia.
É o desperdício! Que infelizmente a ninguém aproveita. Os custos estão assumidos; a despesa está feita.
É uma gestão que, como sabem os profissionais, não é fácil de fazer. Mas, enfermeiros mais atentos e auxiliares devidamente formados (e informados), talvez possam dar, nesta área, uma boa ajuda. E fica a pergunta: há nos hospitais alguém que se tenha debruçado sobre esta matéria? Alguém que tenha estudado forma(s) de gerir mais racionalmente a chamada "hotelaria" (alimentação) dos hospitais?
Será este um sector menor na racionalização dos custos?
Outro aspecto que já aqui referi tem a ver com os GDH's.
Como explicar que um doente com uma simples fractura numa mão (e até só num ou alguns dedos), ou num pé, movendo-se de forma autónoma, permaneça cinco dias internado?
O hospital, sabemos bem porque o faz, tanto mais que, agora, cobra as taxas de internamento; mas as tão badaladas equipas de alta, que não hesitam em mandar para casa doentes claramente debilitados e a precisar de permanecer internados para além do previsto nas tabelas dos GDH's, não se debruçam sobre estes casos? E porque o não fazem?
E que fazem a este propósito a IGAS e a ERS?
Não acredito que desconheçam o que se passa e, por isso, acho que não estão a cumprir a sua missão.
Pergunta-se aos doentes o que se passou. Pergunta-se-lhes porque estão internados. A resposta é sacramental: eu bem queria ir para casa mas o médico quiz que ficasse internado.
Isto não é qualidade em saúde. Isto não é sério.
E para cúmulo, como hoje ficamos a saber, nem assim os HH EPE's obtêm receitas para pagarem as suas dívidas!
Nos finais do séc. XIX Jacob e Wilhelm Grimm escreveram um conto de fadas que se tornou famoso: A BELA E O MONSTRO.
Muitos de nós na infância lemos este conto que narra o sequestro de uma bela jovem, obrigada a viver com um príncipe que, uma terrífica maldição, se transformara num monstro.
Final da história: a jovem, depois de diversos percalços, reconheceu a sua humanidade e aprendeu a amá-lo.
Uma espécie de “sindroma de Estocolmo”.
Vem tudo isto a propósito do post "Grandes Opções e o Orçamento".
Na verdade, como a efabulação sugere a jovem e bela democracia portuguesa, a partir de determinada altura (penso que tudo começou no Governo Cavaco para atingir o auge no de Guterres) foi capturada pelo “Monstro”.
Um monstro à boa maneira mitológica, proteiforme: ele pode ser o défice, o despesismo, o desperdício, a ineficiência, etc.
Mas, fundamentalmente, um monstro configurado pelo seu criador (ACS) com o défice público. Esta situação obrigou a que os diversos serviços públicos, Saúde incluída, fossem identificados como geradores de despesas inúteis. O slogan de imediato foi “cortar nas despesas”. Investimento público, incluso.
A outra vertente, na impossibilidade de anular a despesa pública num ápice, foi aumentar a receita pública. E então disparam os impostos, taxas, emolumentos, etc., mas para baixar na próxima oportunidade, conforme a Direita se apressou a revelar e continua a insistir.
O paulatino ataque ao Estado Social começa de desenhar-se aqui. Remete-se ao Estado o papel de apoiar o “empreendorismo”, pouco mais. O capital prepara-se para sentar-se à mesa do orçamento e açambarcar as iguarias. Debaixo da mesa caiem migalhas. Podem ser para o Estado Social.
Mas a história do défice público não tem fim. Este ano cumprimos o determinado pelo PAC, mas o objectivo supremo é, não vale a pena duvidar, anular o défice (2010-2011?).
Até lá, se não existir uma inflexão política, no campo social, sucumbiremos.
Caro aidenós:
Faz tempo que não lia uma prosa tão elaborada e enviesada a defender o neo-liberalismo.
Vou centrar-me em algumas questões afloradas nos 3 primeiros pontos do post.
Diz-se, entre outras coisas:
“Significa isto, por mais prosaico que seja, que as grandes opções do país, as condicionantes, são as da economia.”
Frase que, atenuada com um apelo ao prosaico, é do mais neo-liberal que conheço.
Num regime democrático, com um governo de base socialista, o Estado move-se por razões (opções) políticas.
Misturar opções com condicionantes é cercear a política pela economia.
Num Estado democrático as opções políticas condicionam as decisões económicas.
E no Estado Social a Saúde é, antes do saldo de receitas e despesas, uma condição de vida e a possibilidade de exercer plenamente (saudavelmente) a cidadania.
Estamos há 6 anos a combater défices. Ouvimos, todos os dias, falar que para usufruirmos de direitos sociais e de bem-estar temos de pensar em aumentos de produção, competitividade, eficiência.
Quando estamos a “crescer” (o governo anuncia isso todos os dias) não interessa que os cidadãos vigiem o desenrolar do desenvolvimento, isto é, saber do orçamento, em termos reais, i.e., per capita. As situações sociais são, antes de tudo subsidiárias, da redistribuição da riqueza. Mas sobre isso não se fala em Portugal. É tabu.
Invocar “justiça social e melhores condições de vida” parece, no entender de aidenós, completamente “demodée”. Reivindicações deste tipo devem ser relegadas para a retaguarda onde serão “muito úteis, até indispensáveis”, penso eu, como objectos museológicos. O gestor não tem tempo para pensar nessas coisas. Está absolutamente absorvido pela produtividade, pela competitividade, enfim, embrenhado no desenvolvimento.
Questões sociais é uma tarefa menor para a mente da gestão. Melhor será enviá-las de volta ao passado pré-industrial, montadas numa poldra, ignorá-las, e, depois, caso necessário (conflitualidade social, p. exº.) haverá sempre a possibilidade de desenvolver um plano de gestão dos riscos sociais entre o Estado, o mercado e os cidadãos.
Quase sempre demasiado tarde.
Mais à frente:
“será um ano difícil, pelo menos na perspectiva dos que entendem que a via para a salvação do SNS está na injecção de maior financiamento do OE. Investimentos em escala visível terão de esperar, mesmo quando desejáveis.”
Será um ano difícil…. Como terão sido os outros desde 2001?
O financiamento do SNS pelo OE não é uma “birra”, e por consequência sentir a necessidade de investimento é perceber que produzir sem inovar (investir) será, num mercado concorrencial, desperdiçar. Inevitavelmente, a produção acaba por ser de inferior qualidade. Se formos realistas o investimento em Saúde no OE 2008, resume a algumas PPP’s (poucas!).
Aliás, neste campo, não podemos ser mais papistas do que o Papa. Teixeira dos Santos, ministro das Finanças, disse:
“Não faz sentido definir a redução nominal dos gastos estatais como objectivo de política económica”. E, adiante: “É demagógico achar-se que isto devia ser feito com cortes nominais na despesa, porque teria custos sociais elevadíssimos”.
“Historicamente, os processos de consolidação orçamental bem sucedidos são feitos em termos de redução da despesa em % do PIB.”
Finalmente, outra vez a sindroma de Estocolmo. A saúde está prisioneira do orçamento, mas saúda-se o carcereiro “por orçamentos de verdade”.
Hoje, no telejornal, pela Apifarma, soubemos o que isso tem sido.
Caro Aidenós:
Sinceramente, pelos caminhos do neo-liberalismo, o SNS não resistirá.
Se estiver atento à oposição à Direita sentirá isso.
O objectivo será a sua segmentação e a entrega de bandeja ao “mercado”.
Um dos pressupostos do neo-liberalismo, no mundo da globalização, é a eficiência face ao mercado. Normalmente medida pela capacidade de reduzir postos de trabalho, produzir mais, com menos efectivos de pessoal.
Algo parecido com isso já chegou à FP sob o nome de PRACE, travestido de "reforma".
Ou casos de um só hospital com três laboratórios diferentes com 3 directores de serviço diferentes... que em conjunto auferem rendimentos suficientes para pagar essas refeições desperdiçadas durante muito muito tempo.
Ou ainda obras em serviços com a suposição de melhorar as instalações e que afinal...
Sempre disse e sempre direi... não é nestes pequenos gastos:refeições, luvas, seringas, agulhas, máscaras que é consumido o grosso do orçamento intrahospitalar.
Pensem antes nos rendimentos exorbitantes que se pagam a funcionários sem uma garantia de produtividade e qualidade no desempenho.
Isto não é tema para o Blogue?
"As medidas do Governo para o combate às listas de espera nos hospitais portugueses pouco ou nenhum efeito tiveram, segundo uma auditoria do Tribunal de Contas (TC), que analisa os acessos aos cuidados de saúde.
O documento, a que o jornal Sol teve acesso, dá conta que alguns doentes são obrigados a esperar, até cinco anos, para conseguirem o atendimento numa consulta hospitalar, uma vez que a articulação entre os centros de saúde e hospitais parece continuar a não funcionar.
Segundo escreve o jornal, a situação mais alarmente vive-se no Hospital de Faro, onde uma consulta de ortopedia chega a demorar cinco anos, desde a marcação até à realização efectiva da consulta.
Os dados recolhidos pelo TC indicam também que, no final de 2006, onze por cento dos utentes que estavam nas listas de espera para uma operação aguardavam há mais de dois anos por uma cirurgia, sendo que 16 por cento esperavam entre um e dois anos.
Por outro lado, conclui a auditoria, 73 por cento dos doentes das listas de espera tinha sido encaminhados para uma operação há menos de um ano.
Entretanto, contactado pela TSF, o Ministério da Saúde remeteu para sexta-feira um comentário sobre o assunto.
Já o coordenador do Sistema Integrado de Gestão de Inscritos para Cirurgia admitiu que o SIGIC não atingiu um dos quatro objectivos pretendidos - a rentabilização da capacidade dos hospitais -, mas realçou que tal ficou a dever-se ao facto de o relatório só abaranger dados de 2006.
Pedro Gomes garantiu que, desde finais de 2006, o SIGIC já conseguiu vários progressos, concretamente a diminuição do tempo de espera em alguns hospitais."
E se esta notícia tivesse sido publicada em 2003 ou 2004? Quanto alarido já não teria sido feito (e bem)?
Que andam estes senhores a fazer?!
Certamente o encerramento de serviços não lhes deixa tempo para pensar nos graves problemas da saúde!
"...a diminuição do tempo de espera em alguns hospitais"?!...
Quais hospitais e qual a dimuição conseguida? Em que especialidades?
O Senhor Ministro, como vem sendo habitual, sentindo-se "apertado" não poupou elogios ao relatório do TC. Pensa assim que o seu "desmentido" ganha maior credibilidade.
E veio tentar baralhar os menos informados falando de medianas e mais medianas.
Mas que importam as medianas? São meros números que carecem de masi informação. E as pessoas não são números!
E há doenças que não podem esperar pela redução das listas nem dos tempos de espera.
P.S.:
Veja-se esta bizarria: num HH EPE do norte (capital de distrito) uma doente (internada) precisou de fazer uma ressonância magnética. Foi enviada para outra capital de distrito (1 h e 30 m de viagem e várias horas de espera). Mas ao que me informam, para fazer o exame numa clínica particular! Entretanto no local onde estava internada, há uma clínica capaz de fazer o exame! Mas o hospital não "fez" acordo com essa clínica!
Alguém fez as contas ao incoveniente da deslocação para a doente? Alguém já fez as contas às despesas da deslocação (combustível, motorista/subsídio de deslocação, desgaste da ambulância, tempo de paragem em espera, etc)? O que teria ficado mais barato?
Alguém virá dizer que isto são "pequenos gastos". Eu digo: são muitos (imensos) pequenos gastos, que se repetem, desnecessariamente, dia após dia.
Obviamente a somar aos outros!
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