domingo, novembro 18

Eduardo Barroso, entrevista à GH


Gestão Hospitalar (GH)É o novo responsável pela nova Autoridade para os Serviços de Sangue e de Transplantação (ASST). Quais são as funções deste novo organismo? (entrevista completa link)
Eduardo Barroso (EB) – A ASST foi criada em 27 de Outubro de 2006, pelo Decreto-Lei n.º 212/2006. Responde a uma exigência da União Europeia para regular os serviços de sangue e de transplantação.

(...) O Centro Hepáto-Bilio-Pancreático e Transplantação do Hospital Curry Cabral é a cópia de um modelo do Hospital Paul Brousse, em Paris, do professor Henry Bismuth, o cirurgião vivo mais importante da história da cirurgia do fígado moderna, que veio a Portugal inaugurar o nosso centro.
Temos uma crise de crescimento. Nós estamos a operar muito – este ano já fizemos cerca de 110 transplantes hepáticos. Não há nenhuma centro europeu, tirando um em Londres, que tenha feito mais que nós!
É um problema porque, para além disto, nós também estamos a receber doentes de tumores do fígado, que não recebíamos e estamos a operar uma brutalidade de doentes. E para isso precisamos de nos organizar. E a nossa organização que estava muito bem dimensionada para um determinado valor e eu temo que, agora, tenhamos de – com o apoio da nossa administração e da direcção clínica – pôr os pés no chão e dizer calma, temos de nos organizar para estes números.

GH Em Portugal verifica-se um decréscimo de dadores?
EB – Tem havido oscilações. Temos estado quase sempre em terceiro ou quarto lugar, na Europa, na taxa de doação, o que não é mau! Mas longe da Espanha, que tem 35 dadores por milhão de habitantes e nós temos à volta dos 19, 20. Muito à frente da Inglaterra, da Holanda e de muitos outros países europeus.
Mas não arrancávamos desse lugar e percebia- se que tinha de se fazer alguma coisa. Tenho de dizer, em primeira-mão, que, nos primeiros dez meses deste ano, a taxa de doação em Portugal subiu para os 25 dadores por milhão de habitante.
E a nossa taxa de colheita multi-orgânica também tem vindo a aumentar.

GHVieram a público recentemente notícias que falavam de pulmões que eram desviados para Espanha…
EB – Não são desviados! A nossa obrigação não é só com Portugal, é também a Europa globalizada, o mundo. Nós no outro dia tivemos um fígado mas que não podia ser aproveitado em Portugal porque não havia um receptor para esse grupo sanguíneo e nós oferecemos o fígado a Espanha! Não foi desviado! O que é um crime é perder-se um órgão. Agora o pulmão… nós vamos preocuparmo-nos muito com o pulmão.

GHHá problemas nessa área?
EB – Não havia pessoas para o fazer. Este ano já se fez transplante pulmonar outra vez. Só havia um centro para fazer pulmão em Portugal, que era o Hospital de Santa Marta. As pessoas que estavam ligadas à direcção do serviço mudaram. Neste momento, está o professor Fragata como director de serviço, muito interessado em colaborar, mas de qualquer maneira eles só têm dois candidatos para transplante inscritos, porque os médicos não mandam os doentes porque eles não respondiam.
Neste momento há outro grupo, que é do professor Manuel Antunes, em Coimbra, que se mostrou disponível para começar a tratar a área pulmonar em Portugal e vamos ter uma reunião em breve.
Eu penso que o ideal é ter sempre dois centros em Portugal para cada órgão. E a nossa política é fomentar isso. Até lá, não havendo centros que respondam, claro que os pulmões que foram colhidos foram enviados para Espanha. Felizmente, com um acordo que se fez no Norte em que alguns desses pulmões foram transplantados em doentes portugueses.

GHDefende uma crescente especialização e concentração de recursos?
EB – Mas com certeza! Há alguém que pense que os cirurgiões possam fazer de tudo e tudo muito bem? Por exemplo, a cirurgia dos tumores do recto muito baixo, com preservação do esfíncter anal, devia ser feita em Lisboa, só em dois ou três hospitais e não todos. É preciso casuística.
Nós não queremos ser os únicos a fazer a cirurgia do fígado em Lisboa mas mais do que dois centros é um exagero. Até porque tudo isto custa muito dinheiro e os doentes são prejudicados.
O transplante faz-se em todo Portugal em três centros, a cirurgia do fígado devia fazer-se em seis, o esófago devia fazer-se em três. E os exemplos poderiam repetir-se. Devia-se dividir os profissionais por áreas de interesse e os internos para fazer a sua formação vão rodando. Só assim pode haver qualidade.

GHComo está a observar o decorrer da campanha para as eleições na Ordem dos Médicos?
EB
– Mas há campanha? Eu não vi campanha nenhuma… Eu sou apoiante de qualquer candidato que tente afastar o actual Bastonário que acho que não prestigia a classe médica.
Sou apoiante do Dr. Miguel Leão.
Penso que quem tem a máquina da Ordem tem grandes possibilidades de ganhar. Isso passa-se também nos Colégios e em todo o lado. Aquilo é sempre ganho por quem domina o aparelho. Tenho pena que isso aconteça até porque tenho amigos que estão no Colégio e concordam comigo… era preciso renovar, qualificar, sermos mais exigentes.
É preciso não esquecer que nós temos a funcionar aí cirurgiões que compraram o título! Há cirurgiões que a prova para a Ordem não foi o exame público, com provas exigentes – que era de prestígio e que eu acho que faz uma falta brutal na qualificação dos cirurgiões portugueses.
Em relação ao actual Bastonário temos relações institucionais – para o Conselho Nacional de Transplantação nós convidámos a Ordem a nomear alguém. Agora, toda a gente sabe que eu não me sinto representado por este Bastonário. Acho que não tem qualidade, que se impõe no mau sentido com insultos ao Ministério e com uma guerra aberta ao ministro porque, oportunistamente, pensa que lhe vai dar votos – e vai!
Este aumento de tom não é crítico, não é distante… é uma época negra da Ordem dos Médicos. Tenho saudades de bastonários com a qualidade do professor Gentil Martins, do professor Machado Macedo. A transição com o professor Germano de Sousa foi a transição para o desastre.
Acho que, neste momento, o Dr. Miguel Leão poderia fazer a rotura com a actual situação. GH
entrevista de marina caldas, GH n.º 31

1 Comments:

Blogger e-pá! said...

Este é um dos exemplos de gestão clínica, competente, responsável, ponderada e eficiente.
Como tanto outros que existem no SNS, sem a visibilidade deste.
Esta é uma gestão que se impõe pela qualidade, que promove cuidados de alto nível técnico, que cria um ambiente de excelência clínica e que define patamares de controlo de qualidade em todas as fases do processo de prestação de cuidados.

Para além disso, no caso particular das funções do Dr. Eduardo Barroso, mostra uma evidente empenho em elaborar e projectar o planeamento das Unidades funcionais em conformidade com as necessidades e capacidades técnicas e humanas disponíveis. Mostra que os Serviços de Sangue e Transplantação estão a ser geridos por um homem com profundos conhecimentos dessa área técnica e cientifíca e, no caso particular do Dr. EB, acresce ainda a capacidade de bom desempenho. Uma verdadeira Autoridade na matéria. Não foi propriamente nomeado - existia no terreno. Foi "só" encontrá-lo e endossar-lhe o qualificado trabalho de exercer o cargo. Não se "inventou"!

Esta situação que me deixa profissionalmente satisfeito, embora sem vaidades, faz-me contudo recordar como, se ultrapassarmos ou violarmos as regras de uma gestão clínica adequada, podemos deitar a perder anos de trabalho dedicado, competente e qualificado. Diria, até, pioneiro.
Estou a referir-me ao Prof. Linhares Furtado que, em Coimbra, criou, desenvolveu e tornou uma referência a Unidade de Transplantes dos HUC.
Com a sua aposentação por atingir o limite de idade, todo esse trabalho, esse esforço, entrou num ciclo de convulsões, de derrapagem que veio a perturbar a eficiência da referida Unidade, a todos os níveis.
Na verdade, os gestores não se impõem pela força, pela antiguidade de carreira, por "cunhas" ou por motivos políticos. Os gestores médicos ou são lideres de corpo inteiro, isto é, não só no aspecto humano, mas também no âmbito do conhecimento e na capacidade de desempenho, ou não gerem nada, andam a reboque dos acontecimentos.

Foi, isto que a entrevista do Dr.Eduardo Barroso, me trouxe à colação.
Primeiro, a satisfação pela modo como vem exercendo as suas responsabilidades na ASST e, depois, a reflexão, sobre como é tão dificil e demorado construir um Serviço, ou uma Unidade, e como é tão fácil e veloz a sua perda de eficiência e de qualidade.
Basta, para isso, motivos fúteis.

PS - Quase em completo acordo com o Dr. EB sobre a eleição para Bastonário da OM.
Todavia, algumas discrepâncias.
Espero que o Saudesa não deixe passar em branco este assunto.

9:53 da manhã  

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