quinta-feira, novembro 15

O regreso da ideologia


(...) Assim, na abrangente visão “habermasiana”, assinalemos o recente filme “Sicko” de Michael Moore como a denúncia de uma (!) verdade por trás de um modelo de desenvolvimento social esgotado. link A experiência, que já fora testada com grande sucesso pelo mesmo Moore em projectos anteriores (Bowling for Columbine; Fahrenheit 9/11), tem animado outras intervenções em defesa de uma nova perspectiva para as políticas de saúde conforme, por exemplo, a denúncia da lógica da indústria alimentar norte-americana explicita em “Fast Food Nation”, filme de Richard Linklater inspirado no livro com o mesmo título publicado em 2001 por Eric Schlosser (recomendo vivamente o livro). Outro exemplo é a produção “Super Size Me – 30 dias de Fast Food” de Morgan Spurlock que, assemelhando-se mais ao tipo de discurso cáustico do controverso Moore também partilha da mesma apetência por uma componente lúdica caracterizada por algum humor negro e uma notável capacidade de ironia. Estas experiências, que parecem reinventar uma forma de guerrilha para as políticas sociais, promovem o advento de uma nova prática de persuasão social e relançam o debate ideológico internacional.

Entretanto, por cá, é deprimente vermos académicos portugueses em defesa da lógica do sistema de saúde norte-americano como uma via para o futuro do nosso SNS. Valha-nos o fácil acesso a antidepressivos no país campeão de vendas destas pequenas maravilhas da progressiva evolução tecnológica para a erradicação de todas as doenças.
PKM, regresso da ideologia, DE 14.11.07

1 Comments:

Blogger e-pá! said...

No filme Sicko, de Moore, o socialista Tony Benn profetiza uma revolução na Grã-Bretanha se o NHS (o SNS local) for abolido…

Mas vejamos algumas coisas que se passam, ou se passaram, na GB:

Em Outubro passado, Alan Johnson (secretário da saúde britânico) aprovou uma “tranche” de mais de uma dezena de companhias para …“commissioning of NHS services”.
Qual a função?
Estas empresas, em Portugal se calhar chamar-se-iam “parcerias”, (?), tem o poder de “controlar” os tratamentos que os doentes devem receber e… quem é que os irá providenciar. Têm em perspectiva milhões de libras de lucro.
Depois:
Com Brown ainda na qualidade de Secretário do Tesouro, desenvolve-se um "miraculoso" expediente para construir novos HH’s (uma espécie de PPP’s). Foi a promoção da "private finance initiative".
O tempo trouxe à tona o total fracasso da experiência. Excepto para a contabilidade das empresas que entraram na "iniciativa".

As consequências:
O orçamento do NHS está, neste momento, a ser penalizado em milhões de libras anuais, com cada vez maiores dificuldades na resposta.
Portanto, um festim para as empresas, a penúria para os cidadãos. Quase um sistema de vasos comunicantes.
Tony Benn, já deve estar a “limpar” a arma para a revolução que previu…

O caminho do NHS é preocupante. Está a beira do precipício. Totalmente “empurrado” pelo partido que o concebeu. Vitima do pragmatismo de Blair e o seu continuador Brown. Pragmatismo que informou a tal 3º. via de Blair, muito propangandeada pelos conservadores e que, ao que vemos, morreu de inanição (política).

Ao abandonar a ideologia, menosprezaram o Estado Social, entregaram-se nas mãos do capital, submeteram-se à regulação do mercado e, neste momento, estão sob a mira (…daqui a pouco da fúria) dos súbitos de Sua Majestade.

Onde (em que País) poderá estar a passar –se um filme idêntico?

Um acrescento suscitado pelo artigo de PKM.
Entre essas empresas controladoras do NHS (aquelas para fazerem “commissioning of NHS services”) contam-se as americanas UnitedHealth, Aetna e Humana, quase todas com largo currículo judicial por “malice, oppression and fraud”, na área da prestação de cuidados de saúde.
No filme Sicko, mostra-se uma “medical reviewer” da empresa americana “Humana” a testemunhar no Congresso que provocou a morte de um homem por lhe recusar assistência, para poupar o dinheiro da empresa.
Este é o "paradigma americano", com um palmarés de 18.000 mortes/ano, sem assistência médica (não têm dinheiro para a pagar).

A Europa, a “velha” Europa na cabeça do ultra-conservador Donald Rumsfeld, têm desenvolvido uma política social na saúde desde Bismark (séc. XIX) com a instituição de medidas obrigatórias de protecção social e entre outras: o seguro doença; o seguro acidentes de trabalho; o seguro invalidez e velhice.
A “nova” América ainda não chegou aí.
A herança "bismarkiana" é uma um importante acervo político conquistado na lutas sociais democráticas nos primórdios da era industrial e que fazem parte da cultura humanista europeia, logo, determinantes das decisões políticas.
Não precisamos de regressar à política.
Não precisamos de re-inventar o que criámos há séculos.
- Nunca devíamos ter saído dela!


Nota final:
Quanto aos antidepressivos, segundo os dados da “Health at a Glance 2007 - OECD Indicators”, os americanos (e a sua indústria) ganharam parcialmente a “aposta”. De facto, entre 2000 e 2005 verifica-se um crescimento no consumo de > 80%.
Digo, parcialmente, porque a outra parte do êxito das vendas atribuo-a a uma outra depressão que os portugueses vivem desde essa data: – a económica.

12:34 da tarde  

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