HH´s, avaliação dos CA´s
Numa recente entrevista à TVI 24, o Professor António Câmara, “patrão” da YDreams, explicava à entrevistadora porque razão se considerava um empreendedor, mas não um gestor.
Sou um empreendedor, dizia AC, porque tenho ideias e sei pô-las em prática. Não sou gestor porque não tenho formação, nem a prática de gestor.
Assim pensava também o Professor Coriolano Ferreira, que, num artigo sobre a gestão hospitalar, manifestava a sua admiração pela enorme apetência que tantas pessoas, com a mais diversa formação, sentiam pela gestão hospitalar.
CF sabia que para gerir hospitais era preciso formação e prática. Por isso batalhou para criar um Curso de Administração Hospitalar e uma Carreira de Administração.
Em 1988 entendeu-se que os administradores hospitalares eram os grandes responsáveis pela ineficiência dos hospitais.
Abriu-se, então, a possibilidade legal de recrutar, para o cargo de Administrador Delegado, “gestores de reconhecido mérito, vinculados ou não à função pública e com currículo adequado às funções a exercer.” (nº1 art. 9.º do Decreto Regulamentar n.º 3/88.)
Era óbvio que não valia a pena mudar os peixes sem mudar a água. Bastava ter lido Drucker para perceber que assim seria. Passo a citar o grande Mestre:
“Pessoas com o melhor espírito empresarial e inovador comportam-se como o pior dos burocratas oportunistas, ou dos políticos famintos do poder, seis meses depois de terem assumido a direcção de uma instituição de serviços públicos, particularmente se se tratar de um organismo estatal.”
Os resultados foram ainda piores porque nos critérios de escolha dos gestores se substituiu o “currículo adequado” pelo “cartão ajustado”.
O PS, então na oposição, reclamou dos critérios de escolha. Uma vez no Governo, fez exactamente o mesmo.
Um argumento, às vezes invocado, para justificar o recrutamento com base partidária é o da maior confiança que este oferecerá no cumprimento das decisões do governo.
Argumento pueril, que não colhe, nem no futebol.
Parece que Luís Filipe Vieira quer contratar Jorge de Jesus. Consta que Jorge de Jesus é do Sporting, desde pequeno. Mas será por Jorge de Jesus ser sportinguista que Luís Filipe Vieira vai desistir de o contratar?
O Benfica sabe que, contratando aquele treinador, ele tudo fará para triunfar. Jorge Jesus, por sua vez, também sabe que, se vier a ser contratado, será escrutinado pela SAD, pelos jogadores e pelos adeptos.
No futebol o julgamento dum treinador é simples, mas pode ser muito injusto.
A avaliação da performance do CA dum hospital é muito complexa, mas pode ser razoavelmente justa. Basta ter instrumentos de avaliação que correspondam à complexidade do hospital.
Os Ministros da Saúde estão muito condicionados na escolha dos gestores hospitalares. Um bom instrumento de avaliação ser-lhes-ia muito útil.
Desde logo, porque a sua existência seria dissuasora de algumas candidaturas. Depois, porque a sua aplicação, consistente, iria remeter as escolhas para o campo da meritocracia.
Os primeiros beneficiados seriam os próprios Ministros. Afinal, quem os julga é o País e não o “aparelho” do partido.
Brites
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6 Comments:
Caro Xavier:
Quando "anunciou" o arranque do processo com vista à avaliação dos CA's, com uma nomeação de uma comissão, promovido pelo MS que procederia a avaliações experimentais, desde logo, duvidei que esta "empresa" chegasse a "bom porto".
E, exprimi essa minha convicção aqui no SaudeSA.
Quem alguma vez seguiu, com alguma proximidade, um processo de nomeação de um qualquer CA, de um determinado HH, povavelmente terá disfrutado de uma experiência única na vida: a de presenciar o desenrolar de uma complexa teia de interesses, em que o referido "cartão" conta (mas não basta), e também um "jogo" onde quer a transparência, quer a linearidade, estão ausentes.
E para não me expandir em pormenores que são sempre reservados e recatados, devo assegurar-lhe que, uma das coisas que mais me "impressionou", foi a total passividade da ARS, neste processo. Por vezes cede instalações para reuniões oficiais.
Tudo o resto, ignora aquele princípio basilar: " o homem certo para o lugar certo!".
E, muito do essencial e do decisivo, decorre fora das estruturas partidárias, locais, regionais e nacionais... e entronca-se em outros centros de decisão e poder, menos visíveis e menos expostos. Portanto, com as suas sedes próprias de avaliação, a léguas de uma metodologia "oficial" definida, mesmo que seja "justa".
Portanto, a avaliação da performance do CA, de um qualquer HH, vai recair sobre o "promotor" da sua nomeação. Muitas vezes em urnas (de votos) - mas não obrigatoriamente nas eleições do calendário político constitucional.
Avaliar orgãos intermediários de poder - não me circunscrevo aos HH's - tendo em consideração os complicados jogos de influencia, poder e decisão pode ser semelhante a um pacato caçador de borboletas tentar meter a mão num "vespeiro".
Não chamo neste curto comentário à colação o dito "bloco central de interesses" que não anda longe, nem despreza, este processo.
E não tenho a ousadia, nem alimento a ingenuidade, de comparar os métodos das empresas privadas (como, p. exº. a citada YDreams), com empresas públicas.
A questão central é o modelo de organização política e administrativa do Estado e da sua quase repugnância em regular e fiscalizar as competências que, no normal exercício do Poder, delega nos cidadãos.
E, no extremo deste campo de fiscalizar, desenvolver uma política (e uma polícia) anticorrupção, eficiente.
Caso contrário, não teriamos no colo problemas como o BPN, o BPP, Freeports, Operações Furacão, Apito dourado, etc...
Formação e experiência?
Muitas vezes nem uma coisa nem outra.
Usualmente pouca formação e alguma escassa experiência.
O caso do Vieira do Benfica é diferente. Muita experiência e zero de formação.No Benfica vai ser necessário mudar a água toda.
No Porto a coisa tem mais a ver com a fruta. Muita papaia e muita meloa.
Cumprimento o Brites que alia o rigor e excelência da análise com invejável capacidade de síntese e de comunicar, simples e límpido. É por textos assim que venho ao blogue, hoje com um comentário que mais não visa que acrescentar umas notas ao seu post.
Gestores políticos.
Os politicamente “cartonados” vêm para os hospitais não por habilitação e vocação mas por transição, para outros lugares políticos. Chegam com as algibeiras cheias de contactos e influência, tomam o hospital como seu e distribuem o que é dos contribuintes: satisfazem os pedidos de mais recursos, distribuem regalias, fazem obras e mais obras, apressam-se a fazer uns fretes e colocar amigos e correligionários. Deixam o hospital cheio de vícios e com problemas financeiros. O que vale é que temos o IGIF, para abrir concurso para as consultoras dizerem o que fazer!
Avaliação justa.
A avaliação não pode ser cega, esquecendo a diferente complexidade, dimensão e dificuldade de mudar. Também não deve ser arbitrária, recorrendo apenas a indicadores financeiros que são susceptíveis de manipulação, doutro modo premeiam-se os mais “habilidosos” a cozinhar números, não os melhores.
Avaliação complexa.
Gerir um hospital é tarefa complexa como é medir os seus resultados e a contribuição do CA. Para ilustrar deixo exemplo dado por Mintzberg:
«Um cirurgião transplantador de fígado operou no NHS 10 doentes, dois morreram. Dos oito que sobreviveram, um tinha tido cancro antes e veio a ter uma recorrência. Noutro doente o fígado começou a falhar e necessita de 2º transplante. Dos 6 doentes restantes só 3 serão capazes de fazer vida normal. Perguntado sobre a performance, o cirurgião respondeu que teve taxa de sucesso de 8 em 10 (… ele conta fígados, não pessoas). Para um imunologista são 7 em 10, acreditando que o doente de cancro não devia ter sido operado. Um administrador consciente dos custos diria 6 em 10. As enfermeiras reclamam 3 em 10, tomando em conta a qualidade de vida pós-operatória».
Segundos beneficiados.
Concordo que os Ministros seriam os “primeiros beneficiados”. Só que avaliar o CA gera outros benefícios para muitos «segundos»:
Para o CA que, com a fixação de objectivos e a replicação do processo a toda a gestão, ganha coesão e motivação para atingir as metas, para prestar contas, para se aperfeiçoar e para aplicar as acções certas. Reconhecerem o mérito e a dificuldade do seu trabalho e não ser substituído por qualquer “cartonado”.
Para o hospital que vê as acções de melhoria concretizadas e o hospital com melhor capacidade, melhores resultados e o pessoal mais satisfeito. Os serviços e unidades com contrato e objectivos definidos a trabalharem todos para a mesma direcção.
Para os doentes que serão tratados com mais atenção e qualidade, e que beneficiarão das melhorias introduzidas em capacidade e tempo de resposta.
Para os empregados porque terão mais atenção da gestão a desejada melhoria dos seus serviços e do seu hospital.
O CA fará o que é certo dando o exemplo de se submeter primeiro à avaliação, depois poderá com justiça reivindicar o mesmo para os gestores e para o restante pessoal.
Et Cetera
P.S. o exemplo do Jorge de Jesus mostra dor de cotovelo pela nova aquisição?!
Os hospitais empresa fecharam o primeiro trimestre numa situação pior do que a apresentada há um ano. Tanto o resultado operacional como o líquido foram negativos - queda de 19,4% e 44,3% (para 106,5 milhões de euros), respectivamente - com a subida dos custos a não compensar a dos proveitos.
DE 04.06.09
Apesar da crise, é claro que muitos dos AH não dão conta do recado.
A crise não pode servir de desculpa para tudo.
É necessário efectuar uma profunda alteração do sistema de enquadramento dos gestores hospitalares. Com um sistema de avaliação a valer. E a doer.
Depois destes péssimos resultados, aposto, que não vai acontecer nada.
E os senhores administradores hospitalares, tal como os senhores professores, não querem ser avaliados.
Como os tomates são fracos isto continua na balda...
Caro Hermes:
Obrigado pelo seu comentário.
Supérfluo dizer-lhe que estou perfeitamente de acordo sobre a importância da avaliação para os “segundos”. Apenas não seria capaz de o dizer de forma tão apropriada.
Quanto ao Jorge de Jesus não será problema para o meu cotovelo. Os problemas são para ele próprio (não sei se ele sabe que não sabe onde se vai meter) e para o Benfica, que muda mais vezes de treinador que o MS de Ministro.
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