quarta-feira, julho 1

A destruição do SNS

As notícias dos últimos dias deverão levar-nos a reflectir sobre as responsabilidades incorridas, pelos diferentes responsáveis, pelas políticas de saúde nos últimos anos.

Afinal em que consiste defender o SNS e quem, verdadeiramente, o defende?

O Estado pouco fez (nestes últimos quatro anos) para consolidar um novo modelo de gestão pública capaz de fidelizar os profissionais, de promover o desenvolvimento das instituições e de delimitar, com clareza, a intervenção dos sectores. Ao invés foi tendo sempre uma atitude ambígua ensaiando, num primeiro tempo com ACC, uma acção política frenética ainda que, mais estruturada, para depois com AJ desistir de tudo abdicando de qualquer estratégia apenas com o objectivo de trocar cedências por silêncio.

As proclamações “esquerdistas” a favor do SNS e contra o sector privado por aí se ficaram, por meras proclamações. Desde a ADSE que continuou a fazer acordos com quem muito bem queria, mantendo um gravíssimo incumprimento com os hospitais públicos, desde a afirmação de que em casos graves se não deve recorrer aos hospitais privados para a seguir se prometer a formação de internos nesses mesmos hospitais tudo se foi esboroando no sentido de “deixar cair” um SNS forte, mobilizado e eficiente.

Continuamos a assistir a situações absolutamente extraordinárias. A ERS (finalmente) reconheceu, publicamente, a inadmissível selecção adversa feita pelas entidades privadas aos utentes da ADSE. E afinal, perante tal constatação, quais vão ser as consequências? A ERS vai aplicar coimas? O Ministério das Finanças (ADSE) vai intervir e accionar judicialmente os prestadores? A Ordem dos Médicos vai relembrar os imperativos éticos de não discriminação dos doentes, no acesso à prestação de cuidados de saúde, por razões sociais ou económicas?

É certo que nem a OM nem a IGAS (agora com competência para tal) se atrevem a fazer “visitas de surpresa” aos serviços de urgência, UCI’s e Blocos das “modernaças” unidades de saúde privadas tão propagandeadas. É que de facto haveria o risco de aqui e acolá encontrarem um interno de especialidade a chefiar um banco de pediatria e quase pela certa de uma outra grosseira violação dos ratios técnicos definidos quer pelo MS quer pela própria OM.

Para compor o “ramalhete” faltava apenas esta generosa “dádiva” das carreiras médicas em versão minimalista. Já se perceberam (como aliás era previsível) muitas coisas: os médicos mais jovens alhearam-se, completamente deste grande feito que permanece apenas celebrado no recato da geração do Maio de 68. Os Sindicatos ficaram encantados com o regresso à funcionalização garantida e estática dos médicos, no sector público, aguardando agora, ansiosos, pelo prometido ACT para tratarem das contas relativas a mais dinheiro pelo mesmo trabalho. Os privados esfregam as mãos pensando que até fica bem ter médicos com graus nas suas unidades garantido que esteja que os contratam nas suas regras passando a dispor de uma acrescida e mais disponível base de recrutamento. As empresas de trabalho médico passam a ter mais mão-de-obra disponível e mais mercado à vista e até as PPP’s podem ir à pesca ao sector público com uma rede de malha mais larga.
Entretanto animemo-nos todos porque ainda há uma forte hipótese de a PPP de Vila Franca de Xira ser ganha pelo GPS da SLN do tal Banco dos foragidos.

Finalmente uma palavra para o caro Antunes não se deixe levar pelas aparências. Compreendo que critique ou mesmo que não goste de ACC mas repare que desde que ele saiu do governo tanta coisa poderia ter sido feita. E pior, algumas das que se fizeram, em silêncio ou quase surdina, afundarão o SNS mais depressa que muitos dos impulsos irreprimíveis de ACC.

Asdrúbal

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1 Comments:

Blogger PhysiaTriste said...

Conta o Dr. Mário Soares que, quando era Primeiro-ministro, reuniu a nata dos Economistas Portugueses, para recolher opiniões sobre a adesão de Portugal à CEE.
Eram todos contra. E desenvolveram cenários catastrofistas para a hipótese da nossa entrada na Comunidade.
O Dr. Mário Soares saiu da reunião, regressou ao seu gabinete e tomou a decisão, inabalável de pedir a adesão de Portugal à CEE.
Tratava-se duma decisão essencialmente política que foi, felizmente, tomada em sede própria.
Hoje, diz o Dr. Mário Soares, todos aqueles economistas são a favor.

Em 1976 o Dr. António Arnault deu um despacho que abria os postos das Caixas de Previdência a toda a população.
Tivesse o Dr. Arnault consultado os Técnicos do seu Ministério e estes lhe diriam que aquele despacho era inexequível.
Estou em crer que o próprio Dr. Arnault sabia que assim era.
Mas o seu despacho foi uma decisão política, destinada a abrir caminho ao SNS.
O SNS nasceu e desenvolveu-se constrangido pela falta de meios. Foi necessário “sangue, suor e lágrimas” de muitos profissionais de saúde para que vingasse.
Hoje, ninguém contesta a sua importância.

Nos anos 80 discutia-se a construção do Hospital de Tomar. Os serviços de planeamento eram contra. A capacidade instalada naquela área geográfica já era excedentária.
Um governo do Prof. Cavaco Silva decidiu-se pela construção.
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades;não consta que aquela decisão tenha resultado de qualquer estudo custo-benefício.
Hoje, temos um Centro Hospitalar, integrando três hospitais, completamente ingovernável.
Foi o preço da invasão da esfera técnica pelo poder político.

Depois de muitos anos de indecisão, de avanços e recuos, o Governo nomeou uma Comissão Técnica para estudar a localização do Centro Materno Infantil do Norte.
Com base nesse estudo decidiu-se pela integração, do Centro Materno Infantil, no Centro Hospitalar do Porto.
Entretanto, uma bem conseguida campanha publicitária dá conta da decisão do Hospital de S. João construir um novo Hospital Pediátrico.
Inauguramos, assim, um novo modelo de decisão. A decisão institucional, tomada à revelia duma decisão política apoiada num estudo técnico.

O Governo não terá nada a dizer sobre isto?

7:14 da tarde  

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