sexta-feira, janeiro 15

A nobreza da Política

foto guardian
Esteve em Portugal em visita oficial e na Cimeira Ibero-Americana. Deu uma entrevista ao Expresso e conversou com Mário Soares na RTP1. link
Tal como o decano dos nossos políticos, fiquei fascinado com aquela Senhora. Falo de Michelle Bachelet, Presidenta da República do Chile.
Num país conservador e machista a sua eleição tinha tudo, como diz o Expresso, para não dar certo:”É socialista, agnóstica, separada, ex-presa política, “culpada de todos os pecados”.
Ao fim de quase quatro anos de governo mantém uma popularidade de 80%. Que milagre é este, nos tempos que correm, duma socialista chegar ao fim do mandato no topo da popularidade?
Ainda para mais num país que vai eleger um candidato da direita, porque os mandatos presidenciais são de quatro anos não renováveis.
A própria Michelle Bachelet o explica: durante o seu governo as pessoas foram colocadas no centro da política. “Isso foi genuíno e verdadeiro e as pessoas sentiram isso.”
Gosta de trabalhar para as pessoas mas também com as pessoas. “Acredito absolutamente que as políticas são mais legítimas, mais sustentáveis e melhores, se a opinião de todos os envolvidos for tida em consideração.”

“A política tem de ser mais próxima das pessoas com estilos de liderança mais participativos e que contemplem e incluam espaços onde os cidadãos organizados possam também ser parte da política” .
“Diziam-me - queremos decisões e não discussões ou comissões - porque eu, para estruturar as reformas, convoquei múltiplos actores".
Esta lógica não era entendida, mas sempre fui clara: as comissões deviam durar seis meses, elaborar um relatório, depois eu tomava a decisão e o projecto de lei seguia para o Parlamento. Os resultados foram além das expectativas.
No projecto da reforma das pensões, por exemplo, houve uma comissão que trabalhou seis meses, com especialistas de todas cores políticas e perspectivas muito diferentes, grupos de reformados, representantes dos partidos e da sociedade civil. Assim um projecto que poderia estar dez anos no Parlamento, devido ao nível de acordo atingido antes, foi rapidíssimo.”
Foi sempre assim que resolveu os problemas? Não. Quando lhe propuseram aumentar a idade da reforma das mulheres rejeitou imediatamente. “ Não aceitei e fi-lo porque entendo que é muito diferente a condição das mulheres. Num país muito desenvolvido, com maior partilha de responsabilidades entre os dois sexos e onde as mulheres não têm a tripla condição de trabalhadoras – no trabalho, em casa e como mães – poderia ser. Mas não enquanto esta sociedade não der às mulheres melhores condições. Elas efectivamente trabalham três vezes mais.”
Revolucionária desde jovem, viu o Pai, General da Força Aérea, morrer de enfarte de miocárdio nas prisões de Pinochet: ela própria e a Mãe estiveram presas, foram insultadas e espancadas e só partiram para o exílio com o auxílio da Cruz Vermelha.
Regressou ao Chile, já licenciada em Medicina na RDA, ainda durante a ditadura. Reconhece os erros da governação de Allende e mal refere Pinochet. No seu discurso, sempre positivo, não há vestígios de ódio nem, tão pouco, sinais de ressentimento.
“Podemos discutir sobre as responsabilidades do passado, mas o que ninguém discute é a responsabilidade que temos, todos juntos, para o futuro, construindo um país democrático que resolva de forma pacífica e democrática as suas controvérsias.”

O que move esta Mulher? “O que me move não é um sentimento abstracto, é uma emoção resultante da necessidade de construir.”
“Eu não cheguei à política olhando para o Estado e para as leis! Cheguei a partir da indignação diante da pobreza e da miséria, da dor, do sentimento, do amor às pessoas”
“Se não é por amor às pessoas e aos mais necessitados, para que serve ser eleito?”
Na conversa com Mário Soares, falaram da globalização, da crise financeira e do que há a fazer, a partir de agora. Foi deste modo que Michelle Bachelet terminou:
“Assim como se gastaram milhares de milhões para salvar os bancos, agora é preciso dar uma resposta maciça para salvar as pessoas. São milhões de seres humanos, são mais de mil milhões, que estão a passar fome. Penso que é nossa obrigação, ética e moral, recuperar a economia mas também recuperar os seres humanos.”
É a Política em toda a sua nobreza.
Brites

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