terça-feira, agosto 3

SINAVE

“ALGUMA COISA ESCAPA AO NAUFRÁGIO DAS ILUSÕES”…in Machado Assis

A intenção do SINAVE de agilizar o registo de doenças de declaração obrigatória, envolvendo todos os parceiros da saúde, é de saudar.
Todavia, os problemas não são simples e quando a tutela não tem uma agenda definida, com prioridades escalonadas, aparecem os actos isolados, descontextualizados, frustrantes – os “fogachos”. E assim se perde uma nova oportunidade.
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A prevalência de doenças – nomeadamente as transmissíveis ao homem – é um importante problema de Saúde Pública mas, também, um instrumento de planificação de respostas adequadas [eficientes].
Os dados que a opinião pública retém são, quase sempre resultados de investigação jornalística, extraordinariamente sensível ao alarido social mas, na maior parte das vezes, completamente dissociados de uma visão global. Uma visão de interesse público.

Aliás não são só os meios mediáticos que, neste melindroso assunto, metem o pé na poça. Os organismos públicos também. As recentes entradas na agenda sanitária nacional da listeriose e da febre do Nilo – embora não enquadrem as doenças de declaração obrigatória - são uma evidência destes factos. Enquanto não entendermos a Epidemiologia como uma ciência que estuda o comportamento das doenças em uma determinada comunidade, levando em consideração diversas características ligadas às pessoas, aos espaço físicos e também à sua evolução no tempo e nos quedarmos pela elaboração de insípidas e inodoras estatísticas estamos conversados.
A vigilância epidemiológica incidindo sobre os casos de listeriose é indispensável para combater a doença. Só estudos idóneos decorrentes dessa vigilância trarão ferramentas eficazes para combatê-la [subentenda-se preveni-la]. A Listeria monocytogenes, agente da doença, habita os alimentos, nomeadamente, os conservados em meios de frio – os vulgares frigoríficos.
A Listeria monocytogenes parasita essencialmente as carnes frescas, charcutaria e produtos lácteos frescos [requeijão com leite não pasteurizado].
Algumss das marcas de água da nossa gastronomia como os enchidos de Vinhais, as alheiras de Mirandela e os bivalves da nossa costa e dos estuários dos rios são reservatórios habituais deste agente patogénico. Mas a relação entre a presença do agente patogénico nos alimentos e a doença depende de outros factores mais gerais, como por exemplo, deficiências imunitárias adquiridas por condições não infecciosas. Assim, o envelhecimento da população será pela inerente debilidade imunitária o grande factor de desencadeamento da doença, em mais de 50% dos casos. Os restantes serão, na grande maioria, “portadores-sãos”.
O combate à Listeriose passa por medidas higieno-alimentares que não desvirtuem as características de denominação de origem nem os métodos artesanais de fabrico dos alimentos acima citados. E o meu receio é que não tenhamos a sensibilidade suficiente para tratar deste emergente [será?] problema com medidas sanitárias adequadas e entreguemos a sua solução a entidades repressivas, como por exemplo, a ASAE…

Feita esta longa divagação, voltemos ao registo obrigatório de doenças [transmissíveis e outras].
Nada do que está no papel é solução. A solução está associada à implementação [não acaba aí como acima dissemos] do Registo de Saúde Electrónico [RSE].
O Registo de Saúde Electrónico (RSE) dos cidadãos [pelo menos dos utentes do SNS] esteve em discussão pública no Verão de 2009 [mas não interessou os veraneantes], conforme o Despacho n.º 86/2009, de 30 de Junho, do Secretário de Estado da Saúde. Sendo o Registo de Saúde Electrónico, -como definiu o Grupo de Trabalho que recolheu os dados da discussão pública - um registo médico completo ou documentação equivalente, em formato electrónico, dos antecedentes e do estado de saúde actual, físico e mental, de uma pessoa, que permite obter prontamente estes dados para fins de tratamento médico e outros, estreitamente conexos, impõe-se perguntar: o que fizemos até hoje?
Ficamos por questões médico-legais, por problemas de uso das redes de armazenamento de dados, interoperabilidade, auditabilidade, vulnerabilidades e ameaças. Enfim, paralisamos…

As pretensões do SINAVE [Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica] sem que o RSE esteja desenvolvido e funcional, no terreno, i.e., no SNS, será o mesmo que tentar construir uma casa pelo telhado.

E-Pá

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