sexta-feira, agosto 5
Como a ‘montanha’ pariu um rato…link
É conhecido o percurso histórico da ADSE. Trata-se de uma situação que nasce na ditadura e funcionou como um remendo para as carências e subserviências dos chamados ‘servidores do Estado’, na ausência de um Estado Social (real). Após o 25 de Abril e com a posterior ‘construção’ de um SNS universal a ideia de sobreposição começa a instalar-se em alguns espíritos. Mas pior que a sobreposição é o ‘fumo’ de poderia tratar-se de um privilégio para ‘alguns portugueses’, portanto, atentatório do conceito de equidade – uma das características primordiais do SNS – e, tal facto, condicionaria irremediavelmente o seu futuro.
Na verdade, este ‘choque’ tem sido artificialmente alimentado por sucessivas análises económicas (diria ‘economicistas’), já que ladeia o facto destes serviços complementares (de sublinhar esta característica) são, notoriamente, na actual execução orçamental, custeados pelos próprios beneficiários que, simultaneamente, contribuem para o Orçamento de Estado, financiador do SNS.
Deixemos estas discrepâncias conceptuais terem o seu curso e vamos ater-nos aos mais recentes desenvolvimentos que a divulgação restritiva e a conta-gotas do relatório final da comissão veio proporcionar.
Comecemos, então, pelos mais recentes abalos que podemos ‘contabilizar: o Colégio de Governação dos Subsistemas Públicos de Saúde (CGSPS), decorrente do Decreto-Lei n.º 154/2015, de 7 de agosto, que terá entrado em funções em Outubro 2015 e cuja actividade se desconhece link , porque não funciona.
Depois de incomodativos silêncios que foram, aqui e acolá, acompanhados por múltiplas excitações, apareceu finalmente a público o douto relatório da comissão de peritos produzida sob os auspícios do Prof. Pita Barros, uma espécie de ‘oráculo’ para os sistemas de saúde que tanto serve deus (o actual ministro) como serviu o ‘diabo’ (na tutela do Dr. Paulo Macedo). Aliás, o facto de essa Comissão link não integrar representantes dos sindicatos e bem como associações cívicas e profissionais suscitou, ab initio, alguns ‘incidentes de exclusão’. Mas, pior, eram os condicionamentos implícitos que este despacho continha.
A ‘Comissão’ - segundo o citado despacho – “fica acometida de apresentar, até ao dia 30 de junho de 2016, uma proposta de projecto de enquadramento e regulação que contemple a revisão do modelo institucional, estatutário e financeiro da Assistência na Doença aos Servidores do Estado (ADSE), de acordo com o previsto no programa do Governo e, tendo em conta, as Recomendações do Tribunal de Contas”.
Ora, o programa do Governo - no que respeita à ADSE - é muito parco e as ‘previsões’ para futuro embora pouco explícitas eram muito limitativas para os trabalhos da ‘Comissão’. Na sua pág. 100 o programa refere o seguinte: “Mutualização progressiva da ADSE, abrindo a gestão a representantes legitimamente designados pelos seus beneficiários, pensionistas e familiares” link).
Sendo assim a comissão estaria à partida limitada á aplicação à futura ADSE de um modelo mutualista.
Em termos genéricos, ‘mutualismo’ é a interacção entre duas espécies e neste caso poderia significar um esquema de cooperação entre o Estado e os beneficiários do sub-sistema, numa concepção do tipo do Instituto Público de Gestão Participada.
Em termos de Previdência, ‘mutualismo’ será um sistema privado de protecção social, um pouco semelhante às IPSS e que se regem por um remoto código de 1990.
E, metida dentro deste espartilho - que incautamente aceitou- que funcionou como ponto de partida, a Comissão, lavrou uma solução que – segundo as notícias hoje divulgadas nos meios de comunicação social link - parece confrangedoramente salomónica, oscilando entre as duas balizas previamente estabelecidas. Assim, ‘ensanduichada’ a Comissão confrontou-se com 2 opções: a ADSE como um Instituto Público (com gestão participada) numa visão abrangente e/ou uma associação privada de utilidade pública bem mais redutora.
Todavia, para quem anda nestas lides, não seria de esperar outra opção do ‘grupo de peritos’ que não fosse a de retirar a ADSE da esfera pública.
De facto, depois de um relatório preliminar que não suscitou um aberto e esclarecedor debate público, até porque o acesso ao documento foi muito limitado, o ‘grupo de peritos’ volta à carga no relatório final adiantando um pormenor quando sugere que a instituição pode, eventualmente, ser gerida “por uma operadora de seguros de saúde privada” link. A única coisa que aqui está a mais é o ‘eventualmente’. Este é um caricato exemplo da popular expressão: gato escondido com o rabo de fora.
As razões encontradas para defender a transmutação para uma pessoa colectiva de direito privado, não ficam pela mera alienação das funções do Estado, mas abrem ‘novas perspectivas’, verdadeiramente, peregrinas. Isto é, havendo excedentes das quotizações como se têm verificado desde o brutal aumento da taxa contributiva para os trabalhadores e aposentados da Administração Pública (de 1,5 para 3,5% - um ‘salto’ de 133%) a proposta da comissão é de que esta instituição funcione como uma espécie de “associação empresarial de investimentos” (a designação é nossa) com possibilidade de …‘rentabilizar os excedentes das quotizações’. E a razão para sustentar este tipo de configuração é a saída do perímetro orçamental (abandonar a ‘sujeição às regras de execução orçamental’) link.
É muito significativo este ‘jogo de cintura’. Até aqui a ADSE era julgada sob dois parâmetros considerados cruciais. Primeiro, o da sustentabilidade, onde só se viam nuvens negras a ensombrar o futuro e, em segundo lugar, o da iniquidade, onde se insinuava que os beneficiários do sub-sistema (público) teriam tratamento privilegiado em relação aos utentes do SNS, esquecendo que os funcionários da Administração Pública também são contribuintes.
Como a ADSE, desde 2012, não se senta à mesa do Orçamento de Estado e, concomitantemente, desde 2014, apresenta elevados saldos líquidos (200 M€ em 2014 e 142 M€ em 2015 link) a sustentabilidade (mantendo-se o actual esforço contributivo dos beneficiários), a curto e a médio prazo, deixou de ser um cavalo de batalha e a deriva passou a ser outra. Agora, o que está na berlinda é a quem endossar estes superavits. A ‘comissão de peritos’, depois de muitos contorcionismos, acaba por sugerir a sua rentabilização (ao que supomos no mercado) e o endosso da gestão a operadores de seguros de saúde privados.
Triste papel desempenhou a Comissão. Não ousou ser abrangente e interpretar a ‘mutualização’ sob uma visão lata que abarcasse o modelo de Instituto Público com gestão participada (como um esclarecido artigo de Eugénio Rosa defende link) e quando se embrenhou em esquemas redutores não foi capaz de disfarçar uma encapotada ‘privatização’.
A montanha ‘de sábios do power point’ pariu um rato. Desde há 2 dias que abriu a caça ao intrometido roedor (a começar pela tutela) link;link
E-PÁ!.
sábado, março 5
Fraude e Desperdício
Eliminar desperdícios, reformando…
Dez por cento das verbas da saúde perdidas por "fraude e desperdício"… link.
Adalberto Campos Ferreira traduziu assim a sua convicção: "Só naquilo que é a má utilização decorrente de desperdício ou de fraude, nós não temos dúvidas nenhumas em afirmar que, provavelmente, dez por cento do Orçamento total da Saúde estará perdido nesses domínios". Trata-se, portanto, de 800 milhões de euros.
Há 6 anos foi lançado – julgo que da mesma maneira – um outro número (libelo) mais ‘volumoso’ de 25 a 30 % no que concerne a avaliação de desperdícios, e como foi salientado na altura, essa previsão foi efectuada sem qualquer objectividade ou racionalidade e por vezes vítima de uma extrapolação abusiva de auditorias pontuais ou sectoriais do Tribunal de Contas. link.
A utilização acrítica da bengala dos desperdícios foi, desde sempre, um instrumento e uma concepção ‘liberal’ para a evolução ‘natural’ do SNS. A Direita sempre a utilizou a ‘questão dos desperdícios’ para questionar o ‘peso’ da massa salarial, congelar carreiras, diminuir contingentes em recursos humanos (promovendo a precariedade), fazer fusões de instituições ad hoc atropelando a quadrícula de resposta e critérios de proximidade e colocar boys no terreno (CA e ACCES).
Quando se olha para este rol de intenções ressalta de imediato o ‘programa’ de Paulo Macedo e do seu inefável companheiro Leal da Costa. Não será bom enveredar, de novo, por este caminho.
Por detrás da invocação de desperdícios está sempre escondida a pretensão de privatizar. Não creio que seja esse o intuito do actual ministro. Mas existem argumentos voláteis e infelizes – pelas conotações que encerram – que seria melhor serem evitados.
A ‘Central de compras’ que tem origem em 2009 (SPMS – Serviços Partilhados do Ministério da Saúde) e redesenhada posteriormente pela ACSS e ACE como uma ‘Central de Compras’ nunca mereceu o parecer favorável do Tribunal de Contas. Foram sucessivamente invocados argumentos formais, nomeadamente a salvaguarda da autonomia das entidades empresariais (EPE). Trata-se que obstáculos formais facilmente removíveis por via legislativa já que será possível inserir na autonomia administrativa (louvável) uma dimensão de escala em que o accionista é único e comum (Estado). Existe por assim dizer uma holding.
Provavelmente, só aqui se obteriam ganhos (de milhões link), ou no caso de existir uma adesão masiva poderá chegar próximo dos 10%, os tais 800 milhões de euros (para já contabilizados como ‘desperdícios) link.
Mas, dentro de um quadro mais optimista seria possível ir mais além. Isto é se fosse possível por a divida aos fornecedores em dia – cujos valores link impossibilitam qualquer tipo de boa gestão - aumentaria consideravelmente a capacidade negocial da dita Central de Compras e geraria mais poupança.
Lançar para o ar o libelo de 10% de desperdício como um dado adquirido, e aparentemente ‘oculto’, não ajuda em nada a reestruturação do SNS que se encontra muito debilitado ao fim de 4 anos e meio de permanente desnatação.
Esta asserção do ministro é também politicamente perigosa e dúbia já que foi sempre a arma daqueles que andaram por cá interessados no desmantelamento do SNS e na sua privatização a granel.
A importação de procedimentos de gestão do sector privado com vista à obtenção de melhores performances é um ‘mito urbano’ (para usar uma expressão corriqueira do politiques actual) para entregar a gestão dos serviços públicos ao sector privado ou social, mas existem outros procedimentos em marcha. Um deles é o desnatar as situações patológicas, através de triagens enviesadas, ficando o sector privado com as situações ligeiras (com a ‘carninha da perna’), replicando actos médicos (alguns supérfluos) e ‘transferindo’ para as instituições públicas as situações pesadas (o ‘osso’), obviamente, mais difíceis e dispendiosas. Há aqui uma perversa inversão do carácter complementar na prestação de cuidados de saúde.
Ganhos de efectividade na redução das listas de espera link, na reformulação dos esquemas retributivos (em função do desempenho) link são medidas já anunciadas. Falta prosseguir com a reforma da rede hospitalar, dos cuidados continuados e paliativos e the "last but not the least" o desenvolvimento e aplicação de novos programas e repostas no âmbito dos cuidados primários (USF, USL e no intermédio as ACES), esses sim podem produzir ganhos nas respostas e na produção e indirectamente diminuir custos, o que será uma coisa literalmente diferente dos ‘desperdícios’.
Não vamos, portanto, desperdiçar tempo com elucubrações. Porque se ficarmos por aí esse desperdício será sempre superior a 10%. Este um último alvitre.
E-Pá!
Etiquetas: Crise e politica de saúde, E-Pá
domingo, fevereiro 7
Liberdade de escolha (2)
Escolhas livres mas segundo tudo indica adiadas…
Até aqui foi o assentar da poeira. Um novo ciclo político tinha necessariamente de trazer mudanças e inovações numa área tão preponderante no campo social como é a saúde.
Até aqui gastou-se a maior parte do tempo a remendar estragos gerados pelo consulado de Paulo Macedo que se tornaram inadiáveis.
Entretanto, duas novas inovações foram sendo avançadas: o mercado interno e a livre escolha. Situações complementares tendentes a estacar a hemorragia que espoliou o SNS em direção a 2 sectores: o social e o privado.
A ‘livre escolha’ não é uma novidade nos programas políticos para a Saúde. É uma conceção de raiz liberal e moldável a diversas situações e circunstâncias político-sociais envolventes.
A livre escolha foi (também) um cavalo de batalha do programa do PaF para a saúde. Não foi bem um cavalo de batalha mas efetivamente era a versão do troiano do equídeo para transferir funções e prestações do sector público para o social e privado. Mas isso é outra história. A Direita coligada inscreveu no seu esquivo e encriptado programa eleitoral (pág. 43) link o seguinte: “Aumentar progressivamente a liberdade de escolha, na rede pública de prestação de cuidados de saúde, para todos os utentes do SNS, de forma a possibilitar o aumento da qualidade e a melhoria dos tempos de acesso e a proporcionar maior equidade…”.
É ainda nesse mesmo documento (pág. 44) que está inscrito uma medida – “…Prosseguir o processo de devolução dos hospitais às Misericórdias”, e onde a atual equipa ministerial efetuou a primeira e saudável rutura com o passado recente com visibilidade, significado e tradução prática.
Aparentemente, este conteúdo programático privilegia a livre escolha dentro do mercado interno (do SNS). Para ser verdadeira e acertada essa opção a alocação de recursos dentro desse ‘mercado interno’ tem de pressupor igualdade de condições ditas concorrenciais (estamos a discorrer em termos de mercado). Ora essa equidade está longe de existir no terreno. Enquanto os cuidados primários não estiverem em pleno funcionamento (um médico de família para cada utente) será leviano e precipitado pretender abrir aos utentes a via da ‘livre escolha’ que, como é internacionalmente reconhecido, estimula a inovação, melhora a qualidade das respostas, aumenta a eficiência e até tende a controlar os custos.
Mais uma vez tentamos andar com a carruagem à frente dos bois. Na situação atual será necessário colmatar, desde já, as deficiências na rede de cuidados primários (e este esforço não será uma tarefa menor) e, enquanto se aguarda, introduzir melhorias nos sistemas de mobilidade e ‘flexibilização’ (palavra perigosa!) nos mecanismos de acesso. A flexibilização do acesso implica alterações na configuração atual da lista de utentes afectos a cada médico de família criando uma área marginal, móvel capaz de abrir oportunidades de escolha sem sobrecarregar a prestação global de cuidados organicamente contratualizada.
Esta é a discussão prévia necessária e que não terá sido feita.
Resumindo: antes da introdução da livre escolha há muito trabalho de casa por fazer.
Dito isto, será importante olhar atentamente para o OE2016 e vasculhar as propostas (e respostas) na área da saúde.
Até aqui foi o assentar da poeira. Um novo ciclo político tinha necessariamente de trazer mudanças e inovações numa área tão preponderante no campo social como é a saúde.
Até aqui gastou-se a maior parte do tempo a remendar estragos gerados pelo consulado de Paulo Macedo que se tornaram inadiáveis.
Entretanto, duas novas inovações foram sendo avançadas: o mercado interno e a livre escolha. Situações complementares tendentes a estacar a hemorragia que espoliou o SNS em direção a 2 sectores: o social e o privado.
A ‘livre escolha’ não é uma novidade nos programas políticos para a Saúde. É uma conceção de raiz liberal e moldável a diversas situações e circunstâncias político-sociais envolventes.
A livre escolha foi (também) um cavalo de batalha do programa do PaF para a saúde. Não foi bem um cavalo de batalha mas efetivamente era a versão do troiano do equídeo para transferir funções e prestações do sector público para o social e privado. Mas isso é outra história. A Direita coligada inscreveu no seu esquivo e encriptado programa eleitoral (pág. 43) link o seguinte: “Aumentar progressivamente a liberdade de escolha, na rede pública de prestação de cuidados de saúde, para todos os utentes do SNS, de forma a possibilitar o aumento da qualidade e a melhoria dos tempos de acesso e a proporcionar maior equidade…”.
É ainda nesse mesmo documento (pág. 44) que está inscrito uma medida – “…Prosseguir o processo de devolução dos hospitais às Misericórdias”, e onde a atual equipa ministerial efetuou a primeira e saudável rutura com o passado recente com visibilidade, significado e tradução prática.
Aparentemente, este conteúdo programático privilegia a livre escolha dentro do mercado interno (do SNS). Para ser verdadeira e acertada essa opção a alocação de recursos dentro desse ‘mercado interno’ tem de pressupor igualdade de condições ditas concorrenciais (estamos a discorrer em termos de mercado). Ora essa equidade está longe de existir no terreno. Enquanto os cuidados primários não estiverem em pleno funcionamento (um médico de família para cada utente) será leviano e precipitado pretender abrir aos utentes a via da ‘livre escolha’ que, como é internacionalmente reconhecido, estimula a inovação, melhora a qualidade das respostas, aumenta a eficiência e até tende a controlar os custos.
Mais uma vez tentamos andar com a carruagem à frente dos bois. Na situação atual será necessário colmatar, desde já, as deficiências na rede de cuidados primários (e este esforço não será uma tarefa menor) e, enquanto se aguarda, introduzir melhorias nos sistemas de mobilidade e ‘flexibilização’ (palavra perigosa!) nos mecanismos de acesso. A flexibilização do acesso implica alterações na configuração atual da lista de utentes afectos a cada médico de família criando uma área marginal, móvel capaz de abrir oportunidades de escolha sem sobrecarregar a prestação global de cuidados organicamente contratualizada.
Esta é a discussão prévia necessária e que não terá sido feita.
Resumindo: antes da introdução da livre escolha há muito trabalho de casa por fazer.
Dito isto, será importante olhar atentamente para o OE2016 e vasculhar as propostas (e respostas) na área da saúde.
E-Pá!
domingo, outubro 25
Esquartejar o SNS (2)
Uma misericordiosa máscara para uma ínvia descentralização…
A municipalização do SNS para além dos alertas já lançados, nomeadamente, em relação à perda de coesão do Sistema e à inevitável criação de desigualdades no acesso e na qualidade das respostas, enferma de outros problemas.
Em primeiro lugar, surge um problema político que tem manchado persistentemente o governo de Passos Coelho, isto é, a compatibilidade constitucional das medidas sugeridas. Quer o carácter universal, quer a caracterização equitativa, têm informado o modelo do SNS e não podem estar condenados a uma macabra morte à beira da praia.
Na verdade, a saúde é um direito reconhecido constitucionalmente, por estar intimamente ligado à vida e a uma existência digna, e não uma mercadoria transacionável onde os municípios ficariam encarregues de lotear e ratear. Quando a Constituição impõe que a administração do Serviço Nacional de Saúde deve ser descentralizada estará a pensar que a participação dos cidadãos e das estruturas locais podem carrear para os cuidados primários as específicas sensibilidades sociais e, isso sim, numa maior autonomia das ARS (não ausência de uma efetiva regionalização).
E se necessitássemos de um exemplo da sonegação deste equivocado princípio de participação descentralizada bastaria olhar para as ACES e tirar as devidas conclusões de como uma estrutura intermédia, de proximidade, se transformou rapidamente numa agência de colocação de ‘boys’, altamente inoperacional em termos de gestão.
Claro que a proposta de Paulo Macedo é colocada no terreno como experimental. É uma maneira de levar de mansinho a água ao moinho. Foi assim nos Hospitais SA e todos conhecemos como, sem avaliação de resultados, se passou à fase seguinte, isto é, à disseminação.
E a propósito de municipalização deste tipo de serviço existe, cá na Europa, experiências que merecem análise prévia, nomeadamente, a finlandesa onde a identidade dos cuidados primários de saúde está cada vez mais ameaçada, seja por problemas de recrutamento, seja pelo decréscimo de operacionalidade link.
Esta nuance que tanto parece entusiasmar o ministério da Saúde não é, portanto, inovadora, nem será capaz de assegurar bons resultados em termos de futuro. A gestão de serviços de saúde, um sistema social da maior complexidade, é extremamente difícil não bastando boas vontades ou a introdução de fatores de proximidade.
Na realidade, estas experiências descentralizadoras obedecem classicamente a quatro vetores: desconcentração, devolução, delegação e privatização. As fragilidades são muitas e vão para além do que é imediato e evidente, i. e., o enfraquecimento das estruturas centrais.
Questões como a coordenação, os custos de transação, a fragmentação dos serviços, a perda de economia de escala, o clientelismo local, falhas de estruturação nos programas verticais, etc., não são situações despiciendas.
O objetivo final da municipalização da saúde será, portanto, o último dos vetores de uma anunciada (mas não ‘inocente’) descentralização: a privatização. A questão é simples: um governo que atua no sentido de ignorar políticas de proximidade fechando Correios, Tribunais, Escolas, Serviços de Higiene (Águas , Lixos), Transportes, etc., por que razão aparece agora a propor a municipalização dos serviços de Saúde?
Este oculto trânsito entre a situação atual e a privatização poderá (ou não) passar pelo 3º. sector (as Misericórdias), mas tenderá sempre a cair na deriva de associar-se a práticas assistencialistas que entram em franca contradição com o paradigma de atuação que caracteriza – e bem - o SNS.
E-Pá!
sábado, setembro 26
ARS Norte: Inusitadas publicações em DR e uma tétrica nomeação…
Não! Não existe – para a ARS Norte - nada de extraordinário nestas inusitadas nomeações. link
As inconformidades administrativas são para essa Administração absolutamente plausíveis e diligentes. Passam ao lado de qualquer negligência e não devem ser entendidas como suspeitas.
Ora, a ‘história’, apesar desses ‘desejos’ e ‘vontades’ não deixa de levantar reflexões e questões.
Os serviços públicos foram ‘depenados’ de meios humanos sob o garrote das restrições orçamentais, mas é suposto (ainda) não termos aportado ao descalabro de justificar um atraso de 3 anos nas publicações no DR.
Na verdade, as nomeações feitas de supetão (20 publicadas no DR em 19, 20 e 21 de Agosto 2015) link; link link segundo a ARS Norte pretendem ‘regularizar’ o exercício de funções referentes a dirigentes há muitos anos em desempenho, sabe-se lá como. Resta saber em que se fundamentou, até aqui, esse exercício. E pior como (alguns) foram dispensados desses desempenhos de direcção sem qualquer nomeação legal prévia. É um pouco a ‘história da pescada’ (que antes de ser já o era).
A inusitada catadupa de despachos levou até que uma dirigente fosse nomeada em DR, nesta ‘leva de Agosto’, já depois de falecida. O que sendo, humanamente, um lamentável incidente, altamente desrespeitoso (tétrico) para a família da nomeada, não deixa de ser, administrativamente, uma atitude de uma intolerável leviandade e reveladora de um infindável desnorte link
Por outro lado, este monumental atraso levanta 'ab initio' suspeições associadas sobre a hipotética e velada intenção de escamotear as nomeações em causa do escrutínio público. Esta é uma das razões, para além da estrita obrigação legal, para o ocorrido tenha direito a outro tipo de justificações por parte da ARS-Norte.
Urge também perguntar – e esta é outra interpretação possível – se a publicação de nomeações abrangendo um prazo temporal tão dilatado (3 anos) visa ocultar desconformidades e conflitos de interesses. Ou trata-se de uma exposição de ‘factos consumados’?
As ACES foram desde o seu início um alfobre de acolhimento para ‘quadros político-partidários’, em trânsito ou em início de carreira, muito ‘influenciados’ pelas comissões partidárias, locais e distritais. Em 2012, também durante o período estival, a questão das nomeações para os corpos gerentes das ACES já levantou acesa polémica link;link; link.
Para já verificamos que na ânsia de varrer lixo para debaixo do tapete até vale nomear alguém já falecido para um cargo dirigente nas ACES. Diz o ditado que ‘as cadelas apressadas parem os cães cegos’…, ou então, tornou-se necessário arrumar a casa antes do próximo acto eleitoral, não vá o diabo tecê-las.
De notar que quando, em Setembro de 2012, surgiu uma circunstância verdadeiramente escandalosa que levou à demissão da directora executiva da ACES Grande Porto 1 (Santo Tirso/Trofa), por inconformidades e inexactidões curriculares, o Ministro da Saúde anunciou que as futuras nomeações passariam pelo crivo da CReSAP e que essa avaliação teria um ‘carácter vinculativo’. link.
Noutros tempos era comum afirmar-se que até os mortos votavam. Agora, é o que se vê… e quase que não se acredita.
E-Pá!
Etiquetas: E-Pá, Estranhos casos
segunda-feira, agosto 17
SNS para inglês ver?…
A ‘silly season’ não pára de nos surpreender pelas suas
leviandades. O último acidente de percurso que aborda as margens do fantasioso
é exactamente um assunto de férias.
David Cameron chegou de vilegiatura ao nosso País. Trata-se
de uma opção pessoal e recorrente (há 3 anos que o faz).
Desta vez o ‘espectáculo’ mereceu os encómios de uma
singular encenação mediática sofisticada e, provavelmente, ‘cozinhada’.
Encontramos aí um esgar de uma classe política muito
poupadinha, (medianamente) ‘remediada’, que passa férias como o comum dos
mortais, isto é, fazendo contas à vida. Para os políticos esta postura é tanto
mais necessária quando mais próxima está a imposição de medidas de austeridade
a soldo do poder financeiro, sob pretextos de equilíbrios orçamentais e de
combate ao endividamento público.
Todavia, as férias não são tão restritivas, ou ‘neutras’ –
para o erário público - como se quer fazer crer. Paralelamente, terá sido
necessário deslocar toda uma parafernália de segurança, com homens, veículos,
comunicações, etc.
As férias que são períodos de relax e de divertimento
encorparam, por vezes, acidentes, dissabores e imprevistos. Nem tudo na vida é
um mar de rosas. E quando se procura denodadamente o mar, ou se frequenta
swimming pools, percalços do tipo das otites do ouvido externo são comuns. São
as ‘otites dos nadadores’ (“swimmer’s ear” na língua do Sr. Cameron). Esta a
história banal e natural.
Existirá, todavia, uma outra estória. Idílica e com laivos
de carochinha. Trata-se da ida do primeiro-ministro inglês ao Centro de Saúde
de Monchique.
Todos conhecemos os défices de cobertura nacional em termos
de cuidados primários onde até o responsável pela pasta da Saúde (apesar dos
sucessivos expurgos de utentes) reconhece que mais de 1 milhão de portugueses
não tem médico de família link.
É sabido que, no período estival, a região do Algarve
triplica a população à custa de uma grande afluência de elementos flutuantes: -
os chamados ‘veraneantes’ link.
Não é, portanto, difícil imaginar a sobrecarga das unidades de cuidados
primários durante o Verão.
Mas ao contrário do previsível David Cameron foi atendido de
modo expedito. Apesar de ter recorrido a um Centro de Saúde no dia em que
decorria uma greve de enfermeiros conseguiu disfrutar de um atempado
atendimento. Ficamos sem saber se, na qualidade de turista, lhe terá sido
cobrada alguma taxa moderadora.
À saída teve tempo e disposição (apesar do incómodo da
situação clínica) para elogiar o SNS link
que o seu companheiro no Partido Popular Europeu – Passos Coelho – segundo a
propaganda eleiçoeira terá sido um ‘exímio salvador’.
Estão aqui reunidos todos os ingredientes de uma estória mal
contada. Escamoteou-se numa veraneante pincelada as difíceis e morosas
condições de acessibilidade reinantes, no dia-a-dia dos cidadãos, aos cuidados
primários de saúde.
Ou a encenação algarvia terá sido um daqueles episódios …
‘para inglês ver’?
E-Pá!
Etiquetas: E-Pá, silly season
sábado, maio 16
Ética Republicana e Democrática
O Manifesto
A questão da ‘Ética Republicana e Democrática na
Administração Hospitalar’ sendo absolutamente pertinente corre o risco de
transformar-se num utópico e idílico problema.
Comecemos por divagar à volta dos conceitos. Na verdade, a
primeira interrogação que salta versa sobre o que é, de facto, a ‘ética
republicana e democrática’.
Ab initio existe uma redundância já não parece concebível
(possível) a existência de uma ética republicana fora de um conteúdo
democrático. Por outro lado, a expressão ‘ética republicana’ pode tornar-se
numa figura de retórica vazia (ou perigosa) se não for explicitada. Deixar cair
a expressão na vacuidade, indefinição ou em contradições pode levar-nos a
caminhos ínvios. É difícil fazermos o trajecto histórico de República, seja ela
qual for e em que tempo a quisermos colocar, sem embrulharmo-nos em
especulações filosóficas que podem atingir ou camuflar o âmago da questão, isto
é, a sua legitimidade. Legitimidade que emerge do confronto dialéctico com os
estafados modelos alternativos concorrentes que foram caindo ao longo dos
tempos sob uma crescente afirmação democrática, humanitária e ‘igualitária’ (ao
fim e ao cabo a tríade da Revolução Francesa).
Mas a confusão aumenta quando se mistura Ética com
República. Existindo, nos tempos actuais, uma clara separação entre os
conceitos de ‘ética’ e de ‘moral’ facto que engloba a destrinça entre uma
concepção individual e uma outra colectiva, verifica-se que, no caso vertente,
não seria deslocado começar por afirmar o objectivo de uma ‘moral republicana’
já a motivação subjacente será, sempre, pública, isto é, colectiva.
Sem entrar em conceitos niilistas é óbvio que qualquer
atitude ética, ou mesmo moral, conterá muito de relativo e de céptico, para
deixar de lado aberrações do tipo cínico e/ou pessimistas. Neste ‘pântano
ético’ encaixa-se muito da perversão democrática que cresceu ad latere da
actividade partidária, indispensável à democracia, mas absolutamente vulnerável
a ‘esquemas corruptivos’ (latu sensu) em que os cidadãos são substituídos por
militantes, simpatizantes, amigos, etc. É, no entanto, possível vislumbrar
quando se observa a trincheira ética das sociedades muitos outros ‘fantasmas’,
como por exemplo, o medo, a inveja, os conformismos e as traições.
Assim, constatamos que a ‘ética republicana’ tem de ser
construída à volta de um conjunto coerente de valores e princípios aplicáveis a
todos os cidadãos, povos, estados governos e nações, e não apenas para alguns
ou para aqueles que os seguem ou acreditam neles. Entramos no terreno da
meritocracia, tão sensível, volátil e escorregadio, mas absolutamente
necessário para caracterizar qualquer República. E quando olhamos à nossa volta
verificamos que existe, neste amplo e envolvente eixo República/Meritocracia um
vasto mar de utopia por onde se arrisca a navegar o citado Manifesto.
Depois desta divagação é imperioso regressar aos princípios
básicos do ‘republicanismo’: primeiro, a coesão social; depois, a contínua
participação cidadã na governação (e não só de 4 em 4 anos em actos
eleitorais); e, finalmente, que as causas (e as coisas) particulares,
individuais ou de grupos (profissionais) derivam e são subsidiárias de
vivências colectivas. E o que se passa na realidade envolvente é estarmos
perante uma sociedade pouco coesa e muito fragmentada por uma grotesca
austeridade que nos empobreceu globalmente (no terreno económico, social e
cultural) em que a participação cívica – e as actividades profissionais – são
dominadas pelos obscuros meandros do partidarismo e, por outro lado, as causas
colectivas profundamente ensombradas por aparências, pelo dinheiro e pelo
poder.
É claro que os problemas da Administração Hospitalar são uma
gota de água no meio deste oceano de indefinições e contradições. Mas será
muito difícil libertar-se de todas estas poderosas amarras. Os arranques
sectoriais têm pouco impacto e tornam-se reversíveis na primeira oportunidade.
O Manifesto – que representa um saudável regresso à ética
(qualquer que seja o seu entendimento) – será mais esforço de saneamento do
aparelho de Estado, supostamente e nominalmente republicano, mas pervertido na
sua praxis. Na realidade, quando surgem apelos à transparência o caldo está,
por norma, entornado.
Trata-se, também, mais de uma declaração ‘ moralizante’,
avant la lettre (porque o expurgo nacional das aberrações mora longe), e que
corre o risco de ser uma ‘manifesta’ ideia sem pernas para andar. É, por outro
lado, um enunciado deontológico (a criação de uma Ordem aponta nesse sentido)
que para vingar necessitará sempre do agrément do poder, pouco interessado em
partilhar poderes, cultivando na esfera pública a ignorância de saberes e que
permanecerá empenhado até à medula nos compadrios, nos favorecimentos e em
situações quejandas .
Resta-nos registar o esforço no sentido de uma ética
republicana que o sistema político há muito colonizou, submeteu e, na prática,
o sistema partidário vai continuar a adulterar, por razões muito pouco éticas.
O Manifesto quando se coloca no campo ético está
efectivamente a procurar os lídimos terrenos republicanos mas choca
frontalmente com interesses instalados oriundos do espectro partidário. Será,
portanto, de prever que esse Manifesto tenha aceitação na Oposição (enquanto
for Oposição) e mereça o silêncio ou declarações de circunstância dos partidos
do poder. Este é, infelizmente, o País que temos e onde vivemos.
Cabe aqui um escrito de Eduardo Galeano, incontornável
escritor e pensador sul-americano que, há cerca de um mês, nos deixou.
“A utopia está lá no horizonte. Aproximo-me dois passos, ela
afasta-se dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por
mais que eu caminhe, jamais alcançarei.
Para que serve a utopia?
Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar”.
E-Pá!
Etiquetas: E-Pá
segunda-feira, dezembro 8
Patos bravos
Na inauguração de mais um Hospital privado - Senhor do Bomfim, Vila do Conde-
Passos Coelho achou por bem falar sobre
um consenso que abarque o futuro do SNS. Acha, o primeiro-ministro, que o SNS
será estruturalmente afectado pelas mutações demográficas (“temos cada vez
menos crianças, cada vez mais idosos com problemas que são típicos das
populações envelhecidas”…) link
.
Não se percebe bem o que para este governante estará em
causa. Se fossemos imediatistas poderíamos embarcar em perguntas directas:
- Serão preocupações sobre os cuidados primários que
deveriam cobrir toda a população independentemente dos grupos etários?
- Será a angústia de ver os cuidados continuados abrirem ao ritmo
marcado pelos apetites e capacidade do sector social?
- Será a necessidade contabilística de diminuir o número de
pediatras e aumentar o de gerontologistas?
Bem, não vale a pena inquirir o que se passa na cabeça de
Passos Coelho. A agenda política deste Governo para a Saúde assenta na velha
peia de um Serviço de Saúde onde o Estado seria o financiador e estruturas
privadas os prestadores. E numa outra coisa: a livre escolha !”… link.
Estas noções não são novas. Os primeiros indícios remontam
às alterações introduzidas na revisão constitucional de 1989 onde o direito à
saúde transita de ‘gratuito’ a ‘tendencialmente gratuito’ e passam também por
um hoje ‘esquecido’ livro sobre o ‘Financiamento do Sistema de Saúde em
Portugal’ (que embora não disponível on line convinha reler link),
elaborado em 1995, em fim de ciclo político do XII Governo Constitucional de
Cavaco Silva, sendo Paulo Mendo responsável pela pasta da Saúde onde, entre
muitas coisas, se anunciam algumas premonitórias alterações (separação entre
financiadores e prestadores, a empresarialização, concessão de hospitais e
finalmente modelos de ‘opting out’).
Este roteiro foi sendo paulatinamente introduzido à revelia
(ou nas margens) dos preceitos constitucionais. A caminhada, ou melhor, a
tortuosa marcha, foi sendo cumprida tendo por detrás um oculto e obscuro
programa ideológico. A ‘Reforma de 1990’ (Lei de Bases da Saúde / Lei nº 48/90,
de 24 de Agosto link)
para além do início das questões à volta das ‘taxas moderadoras’ (que
suscitaram a verificação de constitucionalidade) já avança com o alvitre de uma
separação entre financiador e prestador como condição para permitir a
introdução de gestão empresarial. Esta a primeira ‘machadada’ que no seu
posterior desenvolvimento contou com múltiplos cúmplices.
Em 2002, em pleno Governo Barroso e com Luís Filipe Pereira
ao leme, inicia-se a ‘mudança’. Aparecem, desastradamente, os Hospitais SA (Lei
nº27/2002, de 8 de Novembro link
)
como uma ‘experiência’ em 31 Hospitais, até então integrados no Sector Público
Administrativo (SPA), que não precisou de avaliar resultados, nem de
distanciamento temporal, para contaminar a maioria do sector hospitalar. Surge
então - como cogumelos em época outonal – ‘o delírio da empresarialização’ de
âmbito privado para gerir capitais exclusivamente públicos e, paralelamente, a
privatização descarada de hospitais (públicos) com as PPP (Decreto-Lei 185/2002
de 20 de Agosto link,
alterado pelo Decreto-Lei 86/2003 de 26 de Abril link).
Em 2005, já sob novo Governo (de maioria socialista),
procedeu-se a um novo ‘arranjo’ da rede hospitalar, essencialmente cosmético,
para evitar avaliações que tardavam (poderiam ser eventualmente incómodas) e camuflar
subfinanciamentos crónicos, transformando-se os Hospitais SA em Hospitais EPE
(Decreto-Lei 93/2005, de 7 de Junho link),
com o pretexto de permitir “compartilhar autonomia de gestão com sujeição à
tutela governamental”.
As PPP continuaram a fazer o seu caminho embora com algumas
alterações (Decreto-Lei 141/2006, de 27 de Julho link)
que geraram a 2ª. geração deste controverso modelo que nunca foi rigorosa e
cabalmente avaliado. Restam fundadas dúvidas se a gestão privada dos hospitais acrescentou
ganhos de eficiência, melhoria de qualidade dos cuidados e partilha de riscos que não podem ser
restritos a meras questões de investimento.
Se considerarmos o caso do Hospital Amadora-Sintra como um
projecto-piloto ressalta um largo campo de interrogações sobre a tipologia dos
compromissos assumidos (pelo Estado), os interesses dos utentes (cidadãos
contribuintes) e a partilha dos riscos (públicos versus privados) .
O programa delineado em 1995 está a ser paulatinamente
‘cumprido’ : o processo de separação entre financiador e prestador está em
franca velocidade de cruzeiro, a empresarialização dos hospitais corre de vento
em popa, ‘decretou-se’ que as PPP da saúde são um mar de rosas e soam já em
vários quadrantes as trombetas de possíveis ‘opting out’.
Pretende-se questionar o conceito de Serviço Nacional de
Saúde e substitui-lo por um Sistema Nacional de Saúde. As siglas são idênticas
(SNS) mas a substância é totalmente diferente. O sistema poderá ser aquilo que
o governo quiser e navegar à boleia de interesses políticos, partidários e dos
investidores sofrendo todo o tipo de entorses quando um serviço público é outra
coisa onde a responsabilidade do Estado, constitucionalmente definida, não pode
ser torpedeada ao sabor de concepções ideológicas e dos interesses privados. Na
verdade, o direito à saúde, independentemente das acrobacias neoliberais, é na
sua essência um ‘bem protegido’.
Não devemos atribuir grande importância às peregrinas ideias
do empresário Manuel Agonia sobre saúde (chamo-lhe ‘empresário’ porque pela
boçalidade expressiva parece não integrar - pelo menos no ‘economês’ - a nova
geração de ‘empreendedores’), melhor, sobre o ‘negócio da saúde’ a que
‘patrioticamente’ resolveu dedicar-se link.
Mais relevante em termos políticos foi a prestação ‘paralela
e complementar’ do Sr. Primeiro-Ministro (presente na cerimónia) que enrolado
na onda de financiar com dinheiros públicos serviços privados afirmou: “o
grande desafio do futuro é os cidadãos escolherem o local onde pretendem
receber os tratamentos de saúde". "Seria na mesma o Estado a
garantir, através dos impostos, o acesso aos cuidados, mas não tendo encargos
fixos, apenas contratando no mercado os melhores serviços ao melhor
preço", partilhou o primeiro-ministro, sublinhando o porquê de tal ainda
não ser possível. "O que nos impede é termos investido durante muitos
anos em equipamentos e serviços de saúde. E como bons investidores não
podemos deixar esses equipamentos vazios. Mas devemos criar, progressivamente,
condições para que essa liberdade das pessoas se possa materializar”, concluiu link.
É patético o mais alto responsável do actual Governo considerar-se
salvador do SNS e ao mesmo tempo defender a destruição do serviço público universal, equitativo e
tendencialmente gratuito, trocado por um sistema centrado no negócio gerido por
“patos bravos”, na mais pérfida tradição de liberalismo económico e social.
Ora, o dito ‘mercado de saúde’ é um espaço condicionado por
regras e especificidades próprias e está muito longe de ser o espaço ‘livre’
onde todo o tipo de negócios é possível, permitido e incentivado. Nos últimos
anos todas as alterações de formato têm sido contornadas com a progressiva
introdução de "stakeholders", uns internos, outros adjacentes
(externos), à sombra de um (falso e oportunista) estatuto supletivo e de
complementaridade. Este deambular tem vegetado até à entrada no ‘negócio’ dos
‘pesos-pesados’ (grandes grupos económicos, instituições financeiras e
seguradoras).
Há, todavia, um princípio que o primeiro-ministro teima em
ignorar (ou tenta levianamente ultrapassar). Uma eventual articulação do sector
público com o privado e o social (este muito em voga) não pode esquecer um dos
objectivos fundamentais do SNS, isto é, trata-se de um pilar social que se
tornou (depois do 25 de Abril) indispensável à coesão social nacional. E essa
articulação não é feita no mercado ou pelos ‘mercados’. É um ‘sistema em rede’
que como obrigação cobrir todo o território nacional e ser socialmente
inclusivo (equitativo). A tentação política do primeiro-ministro é a inversa:
‘trabalhar sem rede’, muito ao jeito de um equilibrista circense, ofuscado por
peias neoliberais.
Um serviço público de carácter universal não deve, nem pode,
ficar exclusivamente dependente da lei da oferta e da procura. Sendo por um
lado a procura universal tal facto condiciona a oferta, e esta universalidade,
para evitar perversões monopolistas e assimetrias, terá forçosamente de ser
assegurada pelos poderes públicos. Será difícil, ou impossível, assegurar um
tão vasto tipo de oferta (que passa por diversas ‘redes’ coordenadas e
interdependentes - cuidados primários, hospitalares, cuidados continuados,
saúde pública, etc.) ou, numa versão intermédia mais delicodoce, não poderá
contentar-se com uma regulação conjuntural (nada global) eficaz na prevenção de
iniquidades e bloqueios. A intervenção numa área tão sensível, específica e
socialmente estratégica, como é a Saúde, passa pela necessidade
(obrigatoriedade) de assumir no terreno e a nível nacional uma dominante
preponderância bem como a liderança no campo da prestação de serviços, do
investimento, da formação e da investigação. Não poderá haver confusão entre a
necessidade de introduzir, em contínuo, ‘alterações gesticionárias’, para
eliminar disfunções de toda a ordem que o dia-a-dia evidencia e a sub-reptícia
mudança de paradigma. Eventuais correcções de trajectória não podem configurar
uma ‘inversão de marcha’ sem que concomitantemente se elimine o desastre de um
‘despiste democrático’.
O esquema de privatização, disfarçadamente em curso, está à
vista. A oferta privada concentra-se nos grandes centros urbanos e no litoral (onde
tem condições negociais para florescer) e transforma-se num instrumento de
aprofundamento das assimetrias nacionais e regionais que irremediavelmente
inquinam as básicas condições de acessibilidade.
O SNS corporiza uma‘necessidade pública’essencial destinada a satisfazer interesses colectivos
prerrogativa que os portugueses não estão dispostos a abrir mão, nem a fazer
cedências.
Por isso as afirmações do Sr. Manuel Agonia (classificando a
saúde como um ‘negócio’) foram chocantes. Só faltou alinhar pela asserção de
que a dita área será o ‘melhor negócio depois do armamento’.
Mas pior foi a infame colagem do primeiro-ministro a essas
declarações. Revelou uma obsessiva paranóia de tudo privatizar que adquire
foros patológicos. Mesmo tomando em conta que Passos Coelho se encontrava num
espaço vocacionado para síndromas neuropsiquiátricos (Alzheimer, doença
bipolar, esquizofrenia, parkinson, …link)
os sintomas alienantes (de pensamento político e de ‘entrega patrimonial’) são
deveras preocupantes e não devem ser desvalorizados.
Passos Coelho, já em plena campanha eleitoral, foi para os
lados da Póvoa em mítica (mística?) romagem à Senhora da Saúde e saiu-lhe na
rifa o Senhor Agonia [*], sem que se preveja um ’Bomfim’ (designação
premonitória da nova unidade).
[*] – A romagem da Agonia é uma tradição popular de Viana
que remonta aos finais do século XVIII dedicada aos pescadores e patrocinada
pelos mesmos. Não deve admirar, portanto, estas novas afeições vindas de
contemporâneos ‘pescadores de águas turvas’…
E-Pá!
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sábado, novembro 22
Legionella e as gotículas em suspensão…
O surto de Doença dos Legionários surpreendeu o País pela
súbita dimensão que adquiriu. Mas mais do que uma estonteante surpresa levantou
várias questões que, entretanto, o atendimento dos infectados, as tarefas de
arquitectar respostas adequadas e concertadas e a necessária informação à
população, fez submergir.
E à cabeça das interrogações, surge a questão do(s) foco(s)
disseminador(es). O quadro legal de protecção do meio ambiental e
consequentemente a capacidade de monitorizar e prevenir as contaminações
industriais, ou outras, capazes de criar problemas de saúde pública não sai bem
desta fotografia. Será muito difícil defender que as alterações introduzidas há
pouco mais de 1 ano (Agosto 2013) ao Decreto-Lei em vigor até então (Dec-Lei nº
79/2006 link)
e que passam pelas funções da Inspecção-Geral da Agricultura, Mar, Ambiente e
Ordenamento do Território (IGAMAOT). Quando se lê nas atribuições do IGAMAOT
que o mesmo tem como funções “assegurar a realização de ações de inspeção a
entidades públicas e privadas em matérias de incidência ambiental, impondo as
medidas que previnam ou eliminem situações de perigo grave para a saúde,
segurança das pessoas, dos bens e do ambiente” link,
verificamos que entre o assegurar e o efectuar inspecções existe um lapso
fatal.
Quando da crise política que fustigou este Governo (no Verão
de 2013) os arranjos, decorrentes de ‘irrevogabilidades’ e espírito de
sobrevivência (do projecto neoliberal), determinaram alterações orgânicas e na
repartição de pelouros, competências e influências que até então estiveram
concentradas no ‘superministério da Agricultura’ (vamos denominá-lo assim para
encurtar texto) sendo, neste contexto, criado um novo ministério (do Ambiente,
Ordenamento do Território e Energia). Fica a sensação que no transbordo
decorrente desta acomodação algo se perdeu pelo caminho. Provavelmente em nome
da agilização da economia, da diminuição dos custos de produção e, claro está,
com sacrifício da segurança das pessoas.
Toda esta mecânica de acomodação teve como objectivo e
consequência o aliviar custos associados à produção empresarial (será uma daquelas
difusas medidas tomada em prol do aumento da ‘produtividade’) e porventura a
diminuição da ‘carga burocrática’ um dos factores de flexibilização da gestão.
Assim, as unidades industriais ficaram com a responsabilidade de proceder à
monitorização activa dos impactos ambientais e de saúde pública resultantes de
uma normal laboração. O Estado ficou reduzido ao papel de transcritor de normas
europeias e a missão de actuar à posteriori em caso de acidente ou desastre
(função de sapador), vivendo na esperança de escapar à Lei de Murphy. Esta a
acção reguladora e fiscalizadora que este Governo reivindica para si e que
proclama ter cumprido.
A afirmação do Sr. primeiro-ministro de que não terá
existido negligência por parte do Estado (entenda-se Governo) e que a alteração
legislativa operada em 2013 “foi feita justamente para reforçar a capacidade de
inspecção e de prevenção destes casos”, é manifestamente prematura e poderá ser
totalmente gratuita link
. Os inevitáveis processos judiciais que se seguirão a estes graves incidentes
atentatórios da saúde pública, que se traduziram em perdas de vidas, poderão
vir a revelar muita coisa que o primeiro-ministro pretende à priori escamotear.
Há, todavia, um facto intransponível: uma visão burocrata e defensiva perante
um grave problema de saúde pública.
Uma coisa é, face a um problema, sacudir imediata (e
politicamente) a água do capote, outra será tentar perceber o que poderia e
deveria ter sido feito e efectivamente não foi, como a realidade com que
estamos confrontados demonstra à saciedade.
Fica bem patente a ‘filosofia’ da mirífica reforma
‘estrutural’ da economia que o actual Governo pretende levar a cabo, através
dos cortes nos custos e produção e de funcionamento, da deterioração das
condições de trabalho intra-muros, de habitabilidade e salubridade nos
perímetros industriais e, por outro lado, a acção governamental que se dedica
prioritariamente a potenciar o ímpeto facilitador e o apoiar (libertar) custos
das empresas, mas para este ‘peditório’ pouco contam as pessoas.
Na quinta-feira passada o DGS moderou uma conferência de
imprensa com grande e variada carga expositiva em que a necessária informação
devida aos cidadãos surge envolta em algum nevoeiro link.
Francisco George, cujo comportamento perante o surto
epidémico de Doença do Legionário deve ser realçado, montou um autêntico
‘workshop’ onde revelou performances de incansável ‘bombeiro’, sendo acolitado
pelo ‘amanuense’ Macedo e pelo ‘mochileiro’ Moreira da Silva. Francisco George
transformou uma conferência de imprensa num show de performances (work) que
demonstraram como os órgãos do Ministério da Saúde e do Ambiente, perante a
crise instalada, procuraram afanosamente detectar a origem, remediar ao
estragos e controlar danos. A actuação postecipada (shop) foi bem ilustrada e
cumpriu com o espectável e desejável (nomeadamente na articulação entre
diversos organismos) mas contornou e escondeu a incapacidade prática de
prevenir (este e futuros ‘acidentes’).
As únicas coisas que os portugueses conseguiram ver, nestes
últimos dias, foi uma exaustiva e inusitada itinerância de Paulo Macedo pelos
hospitais colando-se aos resultados que estão a ser obtidos na prestação de
cuidados aos doentes infectados pela legionella. Apesar da emergência de saúde
pública e das mortes até agora verificadas o sobrenadante será a natural
satisfação dos profissionais de saúde pelo cumprimento do dever. Constatação
que não precisa, nem beneficia, com o aproveitamento político do ministro, tão
solícito e apressado em colher louros. Se existe área onde não há qualquer
orientação estratégica é a Saúde Pública.
Quem cumpriu, na íntegra, a sua missão foram os
profissionais (todos!) do SNS. O indicador mais rigoroso é a taxa de
mortalidade verificada no decurso deste surto, actualmente em fase de
regressão. Em mais de 300 casos diagnosticados a percentagem de casos fatais
(cerca de meia dúzia), representa uma taxa de mortalidade entre os 2 e 3%,
francamente abaixo das estimadas nos prognósticos internacionalmente divulgados
pela CDC (5-30%) link.
O que a itinerante agitação ministerial pretende demonstrar
é que apesar dos cortes tudo continua a funcionar. Quando na realidade o que se
verificou foi, tão-somente, que o sistema embora debilitado ‘ainda’ funcionou.
Mas a pergunta que se impõe é: se tudo continuar no mesmo
caminho por quanto tempo mais resistirá o SNS?
E ainda outra: se o Governo tivesse concluído a programada
destruição do SNS teria sido possível coordenar as respostas e obter os mesmos
resultados?
E-Pá!
Etiquetas: E-Pá
sexta-feira, novembro 14
Paulo Macedo: um novo Bandarra?…
O Ministro Paulo Macedo, na cerimónia de posse do Conselho
Directivo do Instituto Ricardo Jorge, teve a ousadia e a ligeireza de tentar
teorizar sobre um flagelos nacionais, repetidamente denunciado nos meios
políticos, sociais e académicos, a emigração massiva de quadros técnicos.
Sob este propósito, disse:
“Questionado sobre esta situação, o ministro da Saúde, Paulo
Macedo, defendeu que o mercado de trabalho de "qualquer profissão
diferenciada, das pessoas com competências específicas, (...) é o mercado internacional",
lembrando nomes de profissionais que foram trabalhar para fora "e
regressaram como mais-valias", como João Lobo Antunes, Manuel Antunes ou
Sobrinho Simões. O valor que nós pagamos aos nossos médicos, quer quando acabam
a licenciatura, quer quando acabam a especialidade, é do valor mais alto que
pagamos a qualquer licenciado em Portugal. (...) À saída da faculdade, no
Estado e mesmo no sector privado, em muitos casos, ninguém paga valores tão
elevados como nós pagamos aos médicos. E também, ao fim de quatro anos, são dos
valores mais altos que qualquer licenciado ganha em Portugal" link.
A propositada e insidiosa confusão entre as necessidades
específicas de formação no exterior que no passado alguns médicos enfrentaram e
que foi feito a expensas próprias, com recurso a bolsas ou às chamadas
‘comissões gratuitas de serviço’ (outros tempos!) com emergência de um mercado
de trabalho internacional, fruto da globalização, é um insulto às múltiplas
dificuldades que os profissionais diferenciados (e não só os médicos) enfrentam
para, em Portugal, sobreviverem (este será o termo adequado).
Os 3 exemplos citados são verdadeiramente ‘espantosos’ e
revelam como esta equipa dirigente vive de expedientes e toma os ‘outros’ por
ignorantes ou mentecaptos.
O Prof. João Lobo Antunes, depois de licenciado em Medicina,
dando continuidade a uma tradição familiar na área das neurociências,
desloca-se entre 1971 e 1984 para Nova Iorque, Universidade de Columbia, onde
preparou o seu doutoramento (efectuado em 1983) como bolseiro (Comissão
Fullbright) na área de neurocirurgia. Em 1984 regressa à FMUL para assumir o
lugar de professor catedrático e dirigir o respectivo serviço clínico no H.
Sta. Maria.
O Prof. Manuel Antunes, licencia-se em 1972 na Faculdade de
Medicina de Lourenço Marques (Moçambique), ‘refugiou-se’ – perante a
‘instabilidade’ derivada do processo de independência – em Joanesburgo (África
do Sul) de 1975 a 1988 para fazer a formação cirúrgica, na área da cirurgia
cardio-torácica, ingressando posteriormente nos quadros do Johannesburg
Hospital e desenvolvendo paralelamente a sua carreira académica na Universidade
de Witwatersrand onde obtém o grau de ‘Master of Medicine’ em 1982. Em 1987 faz
o seu doutoramento na Universidade de Coimbra.
Em 1988, foi ‘convidado’ a deixar a África do Sul para
dirigir e desenvolver o Serviço de Cirurgia Cardiotorácica dos Hospitais da
Universidade de Coimbra (actuais CHUC) e ocupar o lugar de professor
catedrático na FMUC.
O Prof. Sobrinho Simões, licenciou-se em 1971 na Faculdade
de Medicina no Porto e posteriormente, no Hospital de S. João, especializou-se
em Anatomia Patológica tendo, em 1979, concluído o doutoramento na área de
Patologia.
Em Julho 79 e Julho 80) faz um estágio de pós-doutoramento
na Noruega (Norsk HydroŽs Institute for Cancer Research) onde, a par de um
contacto mais próximo com as técnicas de microscopia electrónica (patologia
ultra-estrutural), dedica-se à investigação das patologias da tiróide. Desde
1989, que integrando o núcleo de fundadores, tem dedicado o seu trabalho, o
saber e o entusiasmo pela investigação e pela formação ao IPATIMUP (Instituto
de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto).
Quando confrontado com os dados e as razões porque muitos
médicos recém-formados e especializados, nos dias que correm, emigram para a UE
e outras paragens do Mundo, o Ministro vai buscar ao arsenal argumentativo, os
3 exemplos acima referidos, está tudo dito sobre a idoneidade política e
intelectual do cidadão a quem foi entregue o encargo de dirigir o Ministério da
Saúde. Quando ousa aquilatar ou comparar a tradicional migração de (alguns,
poucos) médicos no século passado para adquirir um melhor formação, granjear
experiência e aceder a um bom percurso profissional (e universitário) com a
‘nova migração’ ditada por motivos económicos (empobrecimento abrupto), de
desinvestimento nacional e desmantelamento do Estado Social, o ministro Paulo
Macedo está deliberadamente a ‘apoucar’ o discernimento dos portugueses.
A questão real e objectiva é outra e muito simples e
directa. O ‘mercado nacional’ não é propriamente ‘livre’ já que está
condicionado pela universalidade do SNS.
Ao invocar e justificar a migração de competências
específicas ao sabor e aos apetites dos ‘mercados internacionais’ é deixar
subentender que não existem condicionantes nacionais que obrigatoriamente
(constitucionalmente) balizam a sua acção e intervenção política. Tudo parece
ao Ministro como sendo livre e aberto à especulação da exportação de competências
segundo a lei da concorrência, derivadas dos interesses dos mercados.
Na realidade, a ‘cobertura nacional’, isto é, a condição
primordial para afirmar a sua universalidade, é deficitária – e assim
continuará - essencialmente porque não existe motivação política e erguem-se
barreira ideológicas para não proceder ao investimento público neste sector
social. Cerca de um milhão e meio de utentes do SNS não têm médico de família link
, apesar de porfiados expurgos administrativos. Os médicos sem motivação
profissional link,
sem remunerações condignas e com condições de trabalho restritivas e limitadas link
, no território nacional, emigram.
O ministro para justificar-se invoca avulsos e excepcionais
exemplos garantindo que – um dia – os médicos emigrantes voltarão carreando
‘mais-valias’ adquiridas lá fora para, benemeritamente, imolá-las no altar da
pátria (que lhes foi madrasta).
É uma nova versão do sebastianismo. Só que um denso nevoeiro
já envolve o SNS, ameaça encalhá-lo nas ardilosas fragas da ‘iniciativa
privada’ e nada de aparecerem personagens salvíficas.
Afinal, o ministro não passa de uma bastarda e tosca
imitação do histórico Bandarra.
E-Pá!
Etiquetas: E-Pá, Paulo Macedo
terça-feira, outubro 7
Ébola em Espanha e as ‘marés’…
Para os europeus que se julgavam ao abrigo da epidemia ebola
chegou hoje uma notícia alarmante. O surto estará entre nós até ao fim de
Outubro link.
O caso da auxiliar de enfermagem que contraiu a doença ao
integrar a equipa profissional criada no Hospital Carlos III em Madrid para
lidar com o primeiro doente evacuado para a Europa, o religioso Miguel Pajares
proveniente da Libéria e falecido a 12 de Agosto, bem como do médico
missionário espanhol Manuel García Viejo, evacuado da Serra Leoa e que veio a
falecer, em 26 de Setembro, no Hospital Carlos III (Madrid), vítima de febre
hemorrágica por ebola, levanta algumas questões que não podem ser escamoteadas.
Assim: ou os cuidados a ter perante este tipo de doentes não
foram bem planeados e concebidos; ou existiram falhas na sua prestação. Ambas
as questões circunscrevem-se ao domínio das falhas organizativas e/ou técnicas.
Em relação às circunstâncias até agora apuradas não existiu
qualquer comunicação de acidente de trabalho, como por exemplo, rotura de luvas
(que no protocolo de equipamento de protecção individual em vigor deverão ser
duplas) em eventuais contactos com os doentes evacuados da Africa Ocidental ou,
onde a poderá haver maior risco, relativas a eventuais percalços ocorridos no
despir do equipamento individual de protecção.
Segundo o jornal ABC.es link
foi solicitada pelos representantes de enfermagem uma investigação ‘a fundo’
sobre este novo caso, procedimento que é de manifesto interesse público e
profissional.
Existe, uma terceira hipótese que pode levantar algumas
interrogações e incide sobre a eventualidade de existência de hiatos na cadeia
de transmissão do vírus do reservatório (morcegos frutíferos) ao homem, onde
vectores intermédios (macacos, comida, etc.) sempre se apresentaram como
carecendo de melhor verificação e esclarecimento. Mas a existência destes
pontos frágeis e ainda obscuros parecem dizer respeito ao ‘ambiente e tradições
culturais africanos’ onde, de facto e por ora, a doença permanece acantonada e
continua a proliferar de modo endémico.
De qualquer modo, e perante a inexistência de factos que
comprovem estarmos perante falhas inequívocas (humanas ou técnicas) toda a cadeia
epidemiológica deverá ser revisitada. Neste momento deixou de haver lugar para
dogmas.
Os dados conhecidos em relação às normas de manuseamento,
condições de isolamento e outros cuidados preventivos a prestar e que
determinam o desenvolvimento de medidas cautelares para os profissionais de
saúde e restante pessoal hospitalar são taxativos e decorrem de postulados
divulgados pela conceituada agência sanitária norte-americana (CDC) link.
Todavia, as primeiras denuncias não tardaram a aparecer e
provêm do pessoal do Hospital Carlos III. E referem que os ‘equipamentos de
protecção individual’, utilizados nesse Hospital, poderão não cumprir, na
plenitude, as normas definidas para estas situações link.
No entanto, as (más) notícias não acabam aqui e mais recentemente foi referido
pela Associação de Enfermeiros de Madrid link
que pessoal hospitalar com possibilidades de ter de lidar com doentes de ebola
recebeu uma formação de 45 minutos…
Existe porém uma outra ‘história’ (pregressa) que tenderá a
permanecer oculta. Essa diz respeito ao Hospital Carlos III e as recentes
alterações da rede hospitalar em Madrid feitas em nome de uma eficiência sempre
denominada como ‘reformista’ e ‘estrutural’ para esconder medidas orçamentais
restritivas (cortes).
Parece cada vez mais notório que o Hospital Carlos III foi
preparado de ‘improviso’ (ad hoc) para receber o primeiro doente de ebola
evacuado para a Europa link.
Foi lançada a suspeição de que o hospital em causa tem um nível 2 de isolamento
e, por exemplo, nos EUA, os dez hospitais preparados para estes doentes teriam
um nível 4 (mais avançado).
Mas, recuando no tempo, verificamos que antes de todo o
actual imbróglio existiu o ‘plano de reestruturação sanitária de Madrid’. E,
também, antes da ‘mexida sanitária’, o hospital em referência, especializado em
doenças tropicais e infecto-contagiosas, que possuía capacidade instalada
(condições físicas, técnicas e humanas) apropriada para especiais situações de
contingência no domínio da infecciologia, i. e., quartos com pressão negativa,
duplo acesso, incineração própria, câmaras de vigilância, ascensor próprio.
Interessa saber o que foi desactivado pela referida
«reestruturação» porque, neste momento, é impossível ignorar todo o processo de
“reconversão” do hospital num centro geriátrico e de doentes terminais link
foi vítima de um ‘transformismo reformador’ que, na altura, levantou profunda
celeuma.
Independentemente do apuramento da realidade á volta deste
caso particular da infecção de uma profissional pelo vírus ébola que tem espalhado
algum pânico (profissional e social) há, desde logo, responsabilidades
políticas a apurar.
Certo que o ‘acidente’ se trata de uma contingência
excepcional – o Governo Autónomo de Madrid não podia prever o presente surto de
ébola - mas as decisões políticas em saúde não podem ignorar ou passar ao lado
dos imponderáveis. Esta é uma característica da gestão em saúde que faz com que
gestores indiferenciados tropecem na primeira dificuldade.
Para que não existam dúvidas sobre as perturbações na rede
sanitária e hospitalar de Madrid será conveniente recordar que tudo começou com
a proposta de ‘externalização’ (eufemismo de ‘privatização’) de 6 hospitais,
nessa área geográfica, decididas pelo conselheiro Javier Fernández-Lasquetty,
com o apoio do partido no poder (PP), que não resistiu a uma providencia
cautelar judicial, pedindo a demissão.
O projecto ‘global’ não avançou mas, de imediato, o Governo
da Comunidade de Madrid deu início a manobras de ‘desmantelamento’ à volta do
sacrossanto conceito de sustentabilidade (financeira) link.
O Hospital Carlos III é uma das vítimas da ‘reestruturação’
em curso sendo ‘desactivado’ e foi transformado naquilo que por cá se designa
por unidades de cuidados continuados e/ou cuidados paliativos.
Quando em Maio de 2013 o pessoal sanitário da comunidade de
Madrid entrou em greve link
contra a ‘reforma sanitária’ que o Governo Autonómico de Madrid, sob a batuta
do PP, tentava impor aos madrilenos, os profissionais de saúde estavam a tentar
prevenir casos como o presente. Não foram ouvidos. O resultado (embora
indirecto e desfasado no tempo) está à vista. A ‘maré branca’ que então varreu
a Espanha (e não só Madrid) link
contra a destruição do sistema público de saúde corre o risco de transformar-se
agora numa ‘maré escarlate’ (hemorrágica).
E-Pá!
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