sexta-feira, dezembro 23

Empobrecer. Emigrar. Morrer?



O nosso pequeno mundo aqueceu de indignação com as declarações do obscuro secretário de Estado da Juventude, que sugeriu aos jovens portugueses que emigrassem, à falta de oportunidades aqui no retângulo. A temperatura ferveu quando o primeiro-ministro, lui même, sugeriu aos professores que não têm emprego por cá que se lançassem na busca de uma remuneração no mundo da lusofonia. E mesmo o ministro mais omnipresente dissertou didaticamente sobre o tema, para colocar as palavras nos carris e minorar os danos — não evitando contudo farta troca de argumentos entre os deputados da maioria e da oposição na Assembleia da República.

Na verdade, não havia necessidade de três membros do Governo se exporem às críticas de jornalistas, fazedores de opinião, deputados e aos vitupérios da populaça. Com efeito, basta o Governo continuar a aplicar com grande entusiasmo e dedicação a receita da troika, acrescida do fermento nacional, para não restar outra solução à generalidade dos jovens que saem das faculdades senão tentar no estrangeiro aquilo que nem com uma lupa encontrarão no mercado nacional.

Para a geração que está agora na casa dos 20-25 anos, é muito claro que o seu futuro profissional, no curto/médio prazo, não passa por Portugal. Só que este movimento não pode ser visto com uma fatalidade, cuja tendência se inverterá dentro de alguns anos. Com efeito, esta é uma emigração profissionalmente bem diferente daquela que ocorreu nas décadas de 50 para o Brasil e de 60 para a França e Alemanha. São jovens sem dificuldade de arranjar bons empregos mesmo em países altamente exigentes como a Alemanha (que precisa de milhares de engenheiros, por exemplo). São na generalidade solteiros, pelo que a ideia de enviarem remessas para Portugal é bem mais remota do que a dos emigrantes do século XX e aponta para que muitos deles casem no estrangeiro, acabando por se radicar nos países que os acolherem. E o seu cosmopolitismo (são a geração Erasmus) facilita a sua integração fora de Portugal, pelo que o regresso motivado pelas saudades é provavelmente uma ideia romântica associada aos anteriores fluxos migratórios. Em resumo, estes emigrantes altamente qualificados não enviarão remessas e acabarão por fazer a sua vida no estrangeiro. Ao contrário do que escreveu José Rodrigues Miguéis, a estes não lhes nascem raízes nos pés, mas apenas dedos. Rogério Carapuça, chairman da Novabase, diz não estar muito preocupado com este movimento, desde que ele seja compensado pela vinda de jovens de outros países para trabalhar em Portugal. O problema é que não se vê como isso será feito. Que condições tem hoje o país para atrair jovens talentosos para viver e trabalhar por cá? Não se descortinam. E se isso não acontecer, então estamos perante uma fuga de cérebros, que foram formados com dinheiro dos impostos dos portugueses, nas universidades portuguesas, por professores portugueses — e que irão aplicar esses conhecimentos ao serviço dos países para onde irão trabalhar.

O primeiro-ministro já tinha dito que só saímos desta crise empobrecendo. Agora seguem-se as recomendações para os jovens e professores emigrarem. Falta acrescentar que daria jeito que os portugueses com mais de 65 anos morressem. Resolviam-se assim vários problemas que nos afligem: o desequilíbrio externo; o desemprego; e a sustentabilidade do sistema de segurança social. Uma receita própria da quadra que atravessamos: Jesus era pobre, emigrou e morreu jovem. Excelente Natal para todos — porque ainda vamos ter muitas saudades do Natal de 2011.

Nicolau Santos, expresso 23.12.12

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