segunda-feira, março 19

Alargamento

Do Regime Especial de Comparticipação do Estado no preço dos medicamentos a todos os beneficiários com baixo rendimento

Exposição de motivos

O acesso atempado aos cuidados de saúde pode evitar muitos custos desnecessários e significativamente mais elevados no futuro. No entanto, numa época de crise social como a que vivemos, as famílias reduzem o consumo de cuidados de saúde, porque não têm como pagá-los, conforme concluiu um estudo recente da DECO.

Quase metade dos inquiridos foi obrigada a adiar um tratamento farmacológico. Um quinto interrompeu a terapêutica e outros tantos inquiridos nem sequer pensaram em iniciar a toma de um medicamento por impossibilidade de o pagar. Entre os cidadãos mais afectados encontram-se, naturalmente, os que têm baixos rendimentos.

No mesmo sentido foram as conclusões do estudo de Villaverde Cabral e Alcântara da Silva (2009), sobre “A adesão à terapêutica em Portugal”. Neste estudo, 25,2% dos inquiridos declarou ter frequentemente abdicado de comprar medicamentos, no último ano, por não poder comportar os custos.

Os ataques sucessivos à protecção social de que as pessoas com menores rendimentos têm sido alvo, têm exposto estes cidadãos a uma situação de ainda maior fragilidade social e económica. Garantindo o acesso atempado aos medicamentos, evitam-se futuros custos desnecessários com outros cuidados de saúde e significativamente mais elevados.

Por essa razão, justifica-se o alargamento do regime especial de comparticipação do Estado no preço dos medicamentos, de que beneficiam os pensionistas que têm baixo rendimento, a todos cidadãos nas mesmas condições de rendimento.
A medida agora proposta é uma medida que pretende minorar os efeitos da grave crise económica e social que atravessamos, mas sem pôr em causa o acesso a medicamentos com qualidade e segurança garantidas.

Pelo contrário, o Governo ao propor a reutilização de medicamentos e a sua distribuição a famílias carenciadas, assume que há portugueses de que têm direito a medicamentos com garantia de qualidade e segurança, enquanto outros só têm direito a medicamentos cuja qualidade e segurança não estão garantidas e podem mesmo estar adulteradas. A partir do momento em que os medicamentos saem do circuito formal de distribuição do medicamento, ou seja, saem das farmácias, deixam de estar asseguradas as condições necessárias de temperatura e humidade, que asseguram a manutenção da qualidade dos medicamentos e a segurança na sua utilização.

Por isso mesmo, a OMS, nas Linhas de Orientação para as Doações de Medicamentos (revistas em 1999), refere explicitamente que “todos os medicamentos doados devem ser obtidos através de uma fonte confiável e respeitar os padrões de qualidade” e que “não devem ser doados medicamentos que tenham sido dispensados a doentes e depois devolvidos a uma farmácia ou outra entidade”. Neste contexto, a reutilização de medicamentos que já saíram das farmácias deve ser entendida da mesma forma que a doação de medicamentos. O INFARMED - a Autoridade Nacional para o Medicamento - não permitirá uma tão evidente violação das regras e garantias de qualidade e segurança dos medicamentos assim dispensados.

O SNS - e, portanto, as comparticipações do Estado nos medicamentos, são financiados solidariamente por todos os portugueses, através dos impostos que pagam. Numa situação de crise, em que não pára de crescer o número de cidadãos sem recursos suficientes para comprar os medicamentos de que precisam, o governo deve mobilizar os recursos disponíveis para apoiar aqueles cidadãos, alargando a comparticipação pública no preço dos medicamentos como já acontece com os pensionistas com rendimentos inferiores ao salário mínimo nacional.

A solidariedade social, enquanto valor fundamental da democracia portuguesa, responde com medidas políticas de apoio efectivo aos mais desprotegidos, como aquela que o Bloco de Esquerda agora propõe neste projecto de lei. A caridade, erigida em política do estado como agora o governo propõe, pode tranquilizar a má consciência dos partidos de direita mas não é resposta às dificuldades dos cidadãos. Ao contrário, é um acrescido factor de agravamento das diferenças e das desigualdades entre os portugueses. Todos os portugueses têm direito ao apoio do Estado na compra de medicamentos, devendo esse apoio ser maior para os que dele carecem absolutamente para os poder comprar. A solidariedade e a democracia social rejeitam que haja portugueses que se tratem com as sobras dos outros, com medicamentos cuja qualidade e segurança não podem ser garantidas. Direitos iguais para cidadãos em iguais condições é um princípio basilar do estado social.
BE, 14 de Março de 2012

Projeto de Lei completo em anexo.
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