Debate da Saúde
O debate sobre a grave crise do SNS está quase exclusivamente centrado nos hospitais.
Trata-se de uma preocupante deturpação conceptual, uma vez que algumas soluções, comprovadas internacionalmente, desenvolvem-se nas comunidades locais, nos cuidados continuados, na parceria com o apoio social e cuidados domiciliários.
Vejamos 7 dimensões afectadas pelo enviés do debate.
1) Ideias? O debate está sob uma espécie de “anestesia geral”. Há um medo generalizado de emitir opinião e de ousar apresentar evidência que contrarie a “corrente” dominante. Terá sido efeito das nomeações para cargos no SNS de indivíduos que deveriam ser críticos activos e informados, incluindo uma série de pessoas próximas, e até ex-governantes, do Partido Socialista? A verdade é que há um bloqueio total de ideias inovadoras. Há uma espécie de pensamento único imposto e centrado na premissa de manter a actual distribuição desequilibrada de recursos e a excessiva oferta hospitalar que nos trouxe à bancarrota do SNS em detrimento da defesa do reforço dos recursos pré e póshospitalares. Perdeu-se a visão sistémica. Não há uma única ideia mobilizadora para o futuro do SNS.
2) Actores? O peso excessivo do subsector hospitalar, descontrolado durante pelo menos duas décadas, continua a ser demagogicamente negado por indivíduos envolvidos nas comissões e painéis de “debate” sobre o SNS. Será possível promover a redistribuição equilibrada de recursos, se entregamos quase exclusivamente aos seus representantes o poder de influenciar a intervenção? Que dizer sobre a repetida constatação de vermos na boca destes a defesa dos cuidados de saúde primários ou o valor da prevenção promovida pela saúde pública após mais de 20 anos de meras “boas intenções” discursivas? Pela via das dúvidas, o actual ministro da Saúde cria e recria comissões de reflexão e pede a todos os agentes do sistema que lhe “enviem ideias”. Será necessária uma comissão para estruturar as ideias entretanto recebidas? Ou, como aconteceu para as normas de orientação clínica (NOC), terá recebido apenas duas sugestões por cada tema, de entre mais de 90.000 profissionais incluindo médicos e enfermeiros?
3) Cidadãos? Continuam fora do debate. Não por falta de boas ideias, mas simplesmente porque foram excluídos.
Trata-se de um erro cometido em momentos políticos anteriores e que nos leva a confi rmar a natureza demagógica da afirmação repetida nos fóruns de debate: “o cidadão deve estar no centro do SNS”…
4) Resultados? Já é possível compreender que a visão da actual equipa ministerial reflecte a lógica de racionalização aplicada pelos seguros de saúde: reduzem-se as comparticipações e os preços a pagar pelos serviços e aumentam-se os co-pagamentos do cidadão. Ao SNS só falta introduzir plafonds cuja aplicação poderá cair sob os médicos prescritores via NOC. Tal como o segurado antes procurava o SNS como alternativa às limitações do seu seguro de saúde, a mesma fórmula aplicada no SNS gera o processo inverso!
Também aumentou a procura dos hospitais privados.
5) Políticas de saúde? Inexistentes. Não há uma única linha escrita neste âmbito. Assume-se que não existe SNS para além da troika?
6) Regulação? Invisível. Uma Entidade Reguladora da Saúde entretida a encomendar estudos para não se sobrepor a outras entidades do SNS e sem saber que mais fazer com o basto orçamento de que dispõe. É um reflexo de um SNS que nunca definiu um papel coerente e concreto para a regulação.
7) Indicadores de saúde? Em rápida evolução negativa. Esta regressão reflecte o colapso de um sistema orientado quase exclusivamente para a intervenção na doença com base hospitalar e incapaz de distribuir, desenvolver e fortalecer recursos na comunidade local.
O processo de “negação” da profundidade da crise do SNS domina o debate. Reflecte a “anestesia geral” aplicada. Reflecte uma espécie de pensamento único que terá sido, inadvertidamente (?), promovido pelo próprio “sistema”. “Depois das torrentes, a ameaça vem das águas paradas…”
Paulo Moreira, Debate Crise do SNS, JP 04.04.2012
Vejamos 7 dimensões afectadas pelo enviés do debate.
1) Ideias? O debate está sob uma espécie de “anestesia geral”. Há um medo generalizado de emitir opinião e de ousar apresentar evidência que contrarie a “corrente” dominante. Terá sido efeito das nomeações para cargos no SNS de indivíduos que deveriam ser críticos activos e informados, incluindo uma série de pessoas próximas, e até ex-governantes, do Partido Socialista? A verdade é que há um bloqueio total de ideias inovadoras. Há uma espécie de pensamento único imposto e centrado na premissa de manter a actual distribuição desequilibrada de recursos e a excessiva oferta hospitalar que nos trouxe à bancarrota do SNS em detrimento da defesa do reforço dos recursos pré e póshospitalares. Perdeu-se a visão sistémica. Não há uma única ideia mobilizadora para o futuro do SNS.
2) Actores? O peso excessivo do subsector hospitalar, descontrolado durante pelo menos duas décadas, continua a ser demagogicamente negado por indivíduos envolvidos nas comissões e painéis de “debate” sobre o SNS. Será possível promover a redistribuição equilibrada de recursos, se entregamos quase exclusivamente aos seus representantes o poder de influenciar a intervenção? Que dizer sobre a repetida constatação de vermos na boca destes a defesa dos cuidados de saúde primários ou o valor da prevenção promovida pela saúde pública após mais de 20 anos de meras “boas intenções” discursivas? Pela via das dúvidas, o actual ministro da Saúde cria e recria comissões de reflexão e pede a todos os agentes do sistema que lhe “enviem ideias”. Será necessária uma comissão para estruturar as ideias entretanto recebidas? Ou, como aconteceu para as normas de orientação clínica (NOC), terá recebido apenas duas sugestões por cada tema, de entre mais de 90.000 profissionais incluindo médicos e enfermeiros?
3) Cidadãos? Continuam fora do debate. Não por falta de boas ideias, mas simplesmente porque foram excluídos.
Trata-se de um erro cometido em momentos políticos anteriores e que nos leva a confi rmar a natureza demagógica da afirmação repetida nos fóruns de debate: “o cidadão deve estar no centro do SNS”…
4) Resultados? Já é possível compreender que a visão da actual equipa ministerial reflecte a lógica de racionalização aplicada pelos seguros de saúde: reduzem-se as comparticipações e os preços a pagar pelos serviços e aumentam-se os co-pagamentos do cidadão. Ao SNS só falta introduzir plafonds cuja aplicação poderá cair sob os médicos prescritores via NOC. Tal como o segurado antes procurava o SNS como alternativa às limitações do seu seguro de saúde, a mesma fórmula aplicada no SNS gera o processo inverso!
Também aumentou a procura dos hospitais privados.
5) Políticas de saúde? Inexistentes. Não há uma única linha escrita neste âmbito. Assume-se que não existe SNS para além da troika?
6) Regulação? Invisível. Uma Entidade Reguladora da Saúde entretida a encomendar estudos para não se sobrepor a outras entidades do SNS e sem saber que mais fazer com o basto orçamento de que dispõe. É um reflexo de um SNS que nunca definiu um papel coerente e concreto para a regulação.
7) Indicadores de saúde? Em rápida evolução negativa. Esta regressão reflecte o colapso de um sistema orientado quase exclusivamente para a intervenção na doença com base hospitalar e incapaz de distribuir, desenvolver e fortalecer recursos na comunidade local.
O processo de “negação” da profundidade da crise do SNS domina o debate. Reflecte a “anestesia geral” aplicada. Reflecte uma espécie de pensamento único que terá sido, inadvertidamente (?), promovido pelo próprio “sistema”. “Depois das torrentes, a ameaça vem das águas paradas…”
Paulo Moreira, Debate Crise do SNS, JP 04.04.2012
Etiquetas: XIX gov
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