sábado, maio 19

Fórmula falhada

Saúde e Uma fórmula falhada

As medidas definidas pela troika para o sector da saúde foram baseadas em evidência? Ou resultaram de sugestões circunstanciais? O contínuo descontrolo financeiro dos hospitais, conhecido faz uns dias, não deixa dúvidas. As medidas são erradas e contraproducentes. Ignoram a origem dos problemas.
Vejamos alguns dados para reflexão. A elevada duração média do internamento hospitalar em Portugal (8,4 dias em 2009; dados da OCDE) deveria ter levado a definir recomendações urgentes para a sua redução. Repare-se que, quando comparados por exemplo com Espanha (6,4 dias) e Suécia (4,6 dias), os dados de Portugal são preocupantes. A média de internamento nas doenças infecciosas em Portugal com 11,4 dias (tendo aumentado de 10,7 em 2007) contrasta, igualmente, com a Espanha (8,8 dias) e a Suécia (5,8). A troika não sabia?
Entretanto, o recente acordo com a indústria farmacêutica é uma espécie déjà vu. Na ausência de qualquer pensamento elaborado para a política de medicamento, trata-se de uma medida isolada, e desesperada, cujos efeitos financeiros nas contas do SNS são apenas de curto prazo. Na verdade, o acordo actua sobre os efeitos deixando incólumes as causas do excesso de consumo de medicamentos em Portugal. Medidas alternativas de longo prazo não parecem estar na mira da actual equipa ministerial, com a agravante de que a descida forçada dos preços dos medicamentos de marca para o nível dos genéricos promove o risco de destruição da ainda frágil indústria farmacêutica nacional de exportação. A troika não sabia?
Aumentar exponencialmente as taxas moderadoras não tem efeitos directos na redução da despesa pública global com a saúde. Pelo contrário, taxas moderadoras elevadas do tipo de co-pagamentos estarão na origem de outros efeitos indesejados sobretudo no contexto de um SNS sem alternativas sólidas ao hospital e com taxas excessivas de internamento hospitalar. O aumento de abandonos precoces de planos de intervenção clínica e/ou terapêutica e a agudização indevida de doentes crónicos são alguns dos feitos negativos previsíveis. O decisor político ignora que os custos gerados por apenas um caso de agudização e hospitalização indevida da doença crónica podem ser superiores ao valor de dezenas de pagamentos de taxas moderadoras?
Infelizmente, a evidência macroeconómica dos efeitos negativos das medidas estará disponível apenas dentro de alguns anos. Entretanto, a protecção do cidadão em relação aos efeitos das medidas fica dependente da boa vontade dos profissionais de saúde e da denúncia casuística dos meios de comunicação social livres.
Inadvertidamente, as medidas da troika exercem a defesa do de quem, faz anos, impede a transferência de recursos para os centros de saúde, os cuidados continuados, o apoio social e os cuidados domiciliários.
Em suma, as recomendações da troika são apenas um conjunto de medidas redutoras e avulsas que, na sua totalidade, vão revelar-se inúteis para o propósito de “redução da despesa pública na saúde”. Os efeitos ficarão, muito previsivelmente, aquém dos objectivos financeiros definidos para os hospitais e potenciarão novos problemas na saúde dos portugueses. Faltam medidas sistémicas para a redução do internamento hospitalar indevido e para a sustentação da redução da despesa com medicamentos. As actuais medidas desta equipa ministerial fragilizam as alternativas na comunidade e perpetuam o problema que gerou a falência dos hospitais e o colapso financeiro do SNS.
Adicionalmente, a ausência de uma estratégia nacional para o medicamento antecipa que não haverá qualquer efeito positivo perdurável no tempo. Algumas das medidas, pelo contrário, colocam em risco o enorme potencial de exportação de genéricos de produção em território nacional. Sendo que esta actividade permite a Portugal a entrada num sector com enorme capacidade de geração de riqueza, quem pode acender essa luz na cabeça dos actuais governantes na saúde?
Já agora, a quem telefonamos para falar com a troika?

prof. Paulo Moreira, debate políticas de saúde, JP 18 Maio 2012

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5 Comments:

Blogger Clara said...

Há cada vez mais doentes psiquiátricos que não conseguem comprar a medicação de que precisam por razões financeiras, um fenómeno que tem aumentado nos últimos meses.link

12:09 da tarde  
Blogger DrFeelGood said...

José de Mello Saúde mais forte para aquisição dos HHs da Caixa

O Doughty Hanson comprou aos Mello a sua fatia no grupo Quirón depois de ter adquirido outro gigante espanhol na área da saúde, a USP Hospitales (outrora parceira da HPP) por €355 milhões. A intenção dos britânicos é serem a maior rede de cuidados médicos privados no país vizinho, pois, entretanto, acordaram com a família Cordón uma fusão entre a UPS e a Quirón, da qual vai resultar uma nova sociedade onde o Doughty Hanson terá cerca de 65% do capital, segundo o diário digital “El Confidencial”.
A JMS lidera o mercado nacional dos cuidados de saúde privados com a marca CUF e, além dessa operação, está em duas parcerias público-privadas com os hospitais de Braga (que abriu as portas em maio de 2011) e de Vila Franca de Xira (com conclusão prevista para o primeiro semestre de 2013).
104,5 milhões de euros foi por quanto a José de Mello Saúde vendeu, ao fundo de investimento britânico Doughty Hanson, a participação de 35% que tinha no grupo espanhol Quirón
expresso 19.05.12

12:13 da tarde  
Blogger saudepe said...

O professor PM, justiça lhe seja feita, é o único analista da área da saúde que eu vejo criticar com coragem a política de saúde esastrosa deste governo.

A maioria dos comentadores perante o clima de intimidação em que vivemos encolhem-se.
Sim, porque nesta matéria o José Sócrates ao pé do Miguel Relvas era um aprendiz de terceira classe.

12:31 da tarde  
Blogger tambemquero said...

Obviamente, despeçam-se

Tem toda a razão o nosso primeiro-ministro: o desemprego não é nenhuma tragédia. É uma oportunidade para mudar de vida. Portanto, uma oportunidade para o crescimento interior do indivíduo, neste caso, do português. Com o desemprego, aprende o português (e a portuguesa) a encontrar resistências à pieguice, a ficar mais forte, com mais desenvoltura de espírito e coração.
Estar desempregado só traz vantagens. A primeira de todas é que se descobrem novas formas de poupar. E como precisamos dessa aprendizagem, nós, os portugueses, que tanto esbanjámos e continuamos a esbanjar, que levámos este país ao estado catastrófico em que ele se encontra! Sim, porque a culpa não foi dos governos, conluiados com a banca e os mercados financeiros. Quando se ouvia na rádio aqueles anúncios a dizer “Não tem casa porque não quer!”, ou “Não tem carro porque não quer!”, quem nos mandou acreditar e ir fazer empréstimos? Devíamos ter tido tino e lido nas entrelinhas, e percebido que aquilo era tudo uma manobra de diversão para nos conduzir a poupar. Nós é que fomos incautos e nos deixámos corromper. Esbanjadores, pois. E corruptos – e gananciosos.
Por isso sabemos agora que devemos fazer, e bem feitinho, o trabalho de casa. Ora parte desse trabalho de casa é poupar, está claro. O que é infinitamente mais possível quando se fica desempregado! É esta, de resto, uma lógica muito simples e muito parecida com aquela que nos manda emigrar. No emigrar é que está o ganho, podíamos dizer; e, da mesma maneira, no estar desempregado.
Depois, além de fonte de aprendizagem de poupança, o desemprego é como a necessidade: aguça o engenho. Depressão?! Mas que depressão pode provocar ser-se despedido? O que é preciso é arregaçar as mangas. Tem-se um emprego? Ganha-se um ordenado certo ao fim do mês? Paga-se o aluguer da casa e a prestação do carro? Mas isto, além de coisa enfadonha, é um desaproveitamento de energias: o emprego é a repetição, o hábito entranhado, a falta de imaginação e de criatividade. Por seu turno, o desemprego ajuda a combater essa inércia de ir todos os dias trabalhar, uma chatice. E quanto mais velho se for, mais necessidade se tem de treinar o cérebro e exercitar o espírito, portanto, e contrariamente ao que se ouve dizer por aí, mais apto se está a usufruir dessa oportunidade de ouro.
O pequeno comércio (o que dele resta) não é solução? Não há problema: basta bater à porta de uma grande empresa, de preferência uma multinacional, de capital sólido e desalavancada, levar currículos bem organizados, mostrar os dotes, batalhar, e de certeza que alguma coisa se consegue arranjar. Sobretudo, se se tiver mais de cinquenta anos. Pois não é isto óbvio? Só quem não quer é que não arranja emprego, só quem não quer é que não tira o proveito devido de ter ficado sem ele. É a lei do mercado, livre como um pássaro, esvoaçando sem fronteiras sobre o país e a Europa. A verdadeira democracia, em suma. Lei sem leis da sobrevivência do que é, pelas piores razões, mais forte, espécie de adaptação nos nossos dias do Senhor da Moscas.
Ah, fôssemos nós os mestres dos nossos governantes, e não eles os sabedores mestres, concluiríamos, em gesto magnânimo e altruísta: “Obviamente, despeçam-se”. Assim poderiam também provar desta grande oportunidade de vida.
Mas não concluímos nada, resta-nos neste triste presente fazer trabalhos de casa. As conclusões, quem puder, no futuro (se ainda o houver), que as tire —
Ana Luísa Amaral JP 18.05.12

11:45 da tarde  
Blogger DrFeelGood said...

Medidas de política do medicamento «no essencial estão terminadas»

Referindo-se à área dos medicamentos, Leal da Costa salientou que «uma questão fundamental foi tomar medidas neste campo», que representa «27% da nossa factura». O desafio, garantiu o governante, «é não só pagar o que devemos mas também não contrair mais dívida, e daí a necessidade de um conjunto muito alargado de medidas que tomámos a nível da política do medicamento, que no essencial estão terminadas».

Tempo Medicina 1º caderno de 2012.05.21

Quanto à politica do medicamento esta equipa da saúde ou está a pensar já nas férias ou na queda para breve deste Governo.

12:03 da manhã  

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