sábado, junho 9

Dimensão da redução da despesa

É discutível.
Na última década, no âmbito da OCDE, Portugal é dos países onde os encargos com a Saúde menos cresceram, observa o antigo governante.
Em tempos de profunda crise, a Saúde não pode «ficar de fora» dos cortes na despesa pública, concede Francisco Ramos, que, nos consulados socialistas de António Guterres e José Sócrates, foi secretário de Estado da Saúde. O problema, conforme chamou a atenção, no passado dia 6 de Junho, em Lisboa, reside é na «dimensão» do esforço de «contracção» pedido ao sector.
O actual presidente conselho de administração do Instituto Português de Oncologia (IPO) de Lisboa Francisco Gentil, dando voz aos profissionais de saúde, manifestou, por isso, um «enorme sentimento de injustiça» face à austeridade que fustiga a área na sequência da aplicação do Programa de Ajustamento Económico e Financeiro.
«Na presente situação tem de haver, naturalmente, uma contracção da despesa em todos os sectores de actividade. Agora, já é discutível a dimensão da redução exigida à Saúde», contestou o economista de formação, ao participar no último de três debates organizados pelos autores do livro Três Olhares sobre o Futuro da Saúde em Portugal — Adalberto Campos Fernandes, João Varandas e Pedro Pita Barros, a quem coube desta vez a tarefa de moderar — e que tomaram o pulso à realidade «um ano depois da troika»
O «sentimento de injustiça» agrava-se, notou igualmente Francisco Ramos, quando o «passado recente», ou o que tinha sido conseguido anteriormente, não entrou na equação que determinou os compromissos assumidos por Portugal perante o FMI, BCE e Comissão Europeia.
«Na última década, entre 2000 e 2009, a despesa pública da saúde em Portugal cresceu a um ritmo anual de 1,5% — ainda acima, é verdade, do crescimento da economia», lembrou o economista da saúde, acrescentando ainda outro dado: «Somos o segundo país, no âmbito da OCDE, que menos cresce na despesa da saúde nesse conjunto de anos.»
Ou seja, já tinha começado a ser trilhado, no seu entender, o caminho que dá para uma maior eficiência. Daí que tenha criticado a forma como as medidas previstas no memorando de entendimento firmado entre Portugal e as entidades internacionais estão a ser executadas.
«A injustiça é tratar todos por igual, independentemente do passado recente», contestou então o também professor auxiliar convidado da Escola Nacional de Saúde Pública.

Financiamento merecia capítulo no memorando
Aludindo sempre ao referido sentimento, a Saúde sai ainda a perder, segundo a mesma opinião, na comparação com outros sectores considerados «essenciais» para o País — como o financeiro, por exemplo.
«Por que não um capítulo no memorado de entendimento com a troika para o financiamento da Saúde, como mereceu o sector bancário?», questionou, em jeito de sugestão, Francisco Ramos.
Continuando a alimentar o «sentimento de injustiça», o presidente do IPO da capital verificou que «nem todas as medidas» constantes do programa de ajustamento «têm igual execução».
O corte no financiamento público dos subsistemas de saúde — ADSE (funcionários públicos), ADM (militares) e SAD (polícias) —, conforme foi ilustrado, não saiu do papel até agora — menos 30% este ano e outros 20% em 2013.
«Ou estou muito distraído, ou ainda falta executar essa medida. Isso tem uma leitura política. Significa uma escolha de onde cortar a despesa», comentou o ex-governante.
Passados 12 meses sobre a chegada da troika a Portugal, Francisco Ramos apontou pelo menos uma área na qual se regista «evidente sucesso». Trata-se da «redução de custos dos factores de produção».
Os encargos com pessoal, medicamentos, transporte de doentes e meios complementares de diagnóstico e terapêutica foram os casos mencionados. «Estes custos reduziram-se de forma significativa», constatou o economista da saúde em tom elogioso.
Noutros domínios, em contrapartida, persistem «dúvidas» sobre o ritmo de implementação das medidas. É o caso da reforma hospitalar, identificou — «aconteceu pouco nesta área».
O que não é necessariamente mau, sustentou Francisco Ramos, argumentando que, por imposição do memorando de entendimento, tem havido «falta de tempo para pensar» as alterações mais profundas e estruturais.
«A reforma hospitalar é importante, com certeza, mas é algo que precisa de tempo para ser feito. Não acredito em balas de prata que, de um momento para outro, resolvam as questões», afirmou Francisco Ramos.
«Provavelmente, o facto de estarmos aparentemente atrasados neste aspecto até poderá ser um factor positivo. Ou seja, ganhamos o tempo suficiente para fazer as coisas bem-feitas», concluiu.
A continuidade da reforma dos cuidados de saúde primários, com as entidades internacionais a louvar o modelo organizacional das USF (unidades de saúde familiar), querendo inclusivamente a sua replicação, bem como os cuidados continuados, constituem entretanto vertentes do memorando «ausentes» do terreno.
«São questões passíveis de crítica, pois vemos poucas coisas a acontecerem nesta área. Ela pode fazer a ponte entre os resultados que queremos obter e a redução da despesa que temos também de conseguir», relevou o economista da saúde.
Tempo de Medicina, 08.06.12


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