terça-feira, outubro 30

Ainda o parecer da CNECV…

 Ontem, o presidente da CNECV, apareceu na comunicação social a representar o papel de virgem ofendida na sequência do arquivamento do processo de averiguações anunciado pela Ordem dos Médicos link acerca do conteúdo do parecer emitido em Setembro de 2012 sob o título: “PARECER SOBRE UM MODELO DE DELIBERAÇÃO PARA FINANCIAMENTO DO CUSTO DOS MEDICAMENTOS” link 
O arquivamento deste processo foi um passo sensato para não alimentar uma inútil polémica. Na verdade, entendendo deontologia como um conjunto de deveres que impendem sobre grupos profissionais ou outros e a ética, entre outras coisas, como um indefectível respeito pela vida que deve prevalecer em todas as circunstâncias (qualidade, custos, oportunidade, etc.). 
Ao aceitar alinhar a sua agenda interventiva (consultiva, neste caso) com uma solicitação expressa pelo Ministério da Saúde – como se escreve no preâmbulo do parecer – a CNECV deu o flanco exactamente porque hipotecou uma das suas mais importantes características, a independência (autonomia, se quisermos). A Ética que não pode divorciar-se de condutas (das pessoas ou das instituições) não deve ser condicionada por imperativos de qualquer espécie, muito menos, orçamentais. E este condicionamento é particularmente visível quando se verifica que o parecer em discussão é solicitado à CNECV pelo MS para pronunciar-se acerca do “financiamento de três grupos de fármacos, a saber retrovirais para doentes VIH+, medicamentos oncológicos e medicamentos biológicos em doentes com artrite reumatóide  (in preâmbulo do parecer). Ao abdicar de analisar, sob o ponto de vista ético, os princípios universais de intervenção (neste caso da prescrição medicamentosa) para ater-se a problemas circunstanciais (de ‘acordo com a evolução de custos’) comprometeu a sua alardeada independência. Se necessitássemos de provar esta asserção bastaria ler o preâmbulo do citado parecer que transcrevemos: “Em qualquer caso, porque há uma dimensão ética no racionamento dos cuidados de saúde que importa explicitar, este racionamento – quando exista – deve ser tornado transparente aos cidadãos e profissionais de saúde, valorizando os recursos disponíveis como um inestimável bem social ao serviço da solidariedade e universalidade. “ (pág. 2). 
O conceito de racionamento não pode ser encarado de forma abstracta ou nas suas variantes etimológicas, muito menos, quando se insinua que ele – de facto - pode existir. Deve ser analisado eticamente e, nesse contexto, fundamentar uma tomada de posição sem escamotear a sua gravidade e ao arrepio dos ‘momentos’. Mas há outro problema: o da ‘ética da linguagem’ ou ‘da comunicação’. A palavra (racionamento, p. exº.) não pode albergar situações dúbias. Para uma ‘Comissão de Ética’ as palavras devem ser a expressão de valores positivos, claros e insofismáveis. Tal não aconteceu com a elaboração deste parecer. A discussão semântica que resultou da interpretação acerca do conceito racionar versus racionalizar matou definitivamente o parecer. E retirou-lhe uma outra prerrogativa necessária: a transparência. 
A tentativa de o fazer ressuscitar à volta de minudências formais, de desforras, de ressabiamentos (pessoais ou institucionais) é inútil e extemporânea. O melhor será aproveitar a oportunidade para encetar, por parte da ‘sociedade civil’, uma discussão aberta e séria sobre este assunto. 
Nota: A Ordem dos Médicos abriu um processo de averiguações (não de intenções) aos médicos subscritores do referido parecer. No final, averiguou que o melhor seria arquivá-lo. Porque razão – mesmo submerso nas águas turvas do ‘hilariante’ – o presidente da CNECV quer ressuscitá-lo? 
E-pá

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