sábado, março 16

Mais troikistas que a troika e povo que se lixe


A única previsão plausível é a de que o futuro é um país condenado à austeridade crónica
Ao que parece, as notícias que anunciavam com insistência que o país já se estava a preparar para o pós- troika, animado pelo sucesso de algumas emissões nos mercados, eram um pouco exageradas. Ou, pelo menos, distorcidas, apesar de terem tido origem no próprio Governo. Nada que nos espante. Afinal de contas, a primeira evidência que ressalta da conferência de imprensa do ministro das Finanças é que as previsões do Orçamento do Estado para 2013 pertenciam ao domínio da fantasia. Nem foi preciso o primeiro trimestre do ano acabar para isso ficar claro. Uma vez mais, as previsões falharam e a já debilitada credibilidade política do Governo caiu mais uns valentes pontos. Pelo que é legítimo perguntar se as previsões, muitas das quais dramáticas, que Vítor Gaspar ontem revelou não pecarão por defeito. O que é grave, uma vez que estamos sobretudo a falar de pessoas e de postos de trabalho. A previsão de que a taxa de desemprego poderá situar-se acima dos 18% até 2015 — atingindo um pico de 19% no final deste ano, segundo o ministro — é uma sentença terrível para o futuro, um sinal de que a esperança numa recuperação, por ténue que seja, ainda vem longe, ao contrário do que o Governo deixara antever. A previsão de que o PIB cairá 2,3% é o sintoma de uma economia em recuo, de um país que empobrece, de uma sociedade cada vez mais asfixiada. A terapia da austeridade não melhorou as coisas; pelo contrário, a cura fragilizou ainda mais o doente. E a queda vai continuar. Por mais que a troika diga que o país está no bom caminho, mais ninguém, excepto (ou talvez já nem mesmo) o Governo, consegue dizer o mesmo.
Mesmo assim, o Governo e a troika parecem ensaiar agora alguma mudança do discurso. O alargamento do prazo para cumprir as metas do défice e para cumprir os cortes de quatro mil milhões de euros do Estado significam que poderá não haver agravamento da austeridade, o que é positivo. Muito provavelmente um sinal de que os credores começam a ficar assustados com as consequências da austeridade que querem impor de forma implacável aos países do Sul. E de que esse susto terá dois nomes: Beppe Grillo e Silvio Berlusconi, os políticos que nas recentes eleições italianas derrotaram os “bem-comportados” Bersani e Monti.
A política financeira de um país sob tutela faz-se sob o signo da Europa. Mas andaram mal o PSD e o CDS ao criticarem o “desenho original” do memorando, para justificar o alargamento das metas. Governo e partidos da maioria alinharam muito tempo pelo diapasão do “mais troikistas do que a troika”. O executivo acreditou no memorando com a firmeza e a convicção dos bons alunos. O dogma da austeridade arrastou o país para o fundo e só agora o Governo aceita (sem o reconhecer) que são precisos prazos mais dilatados e terapias mais suaves. Mas o futuro é um país condenado à austeridade crónica que durará muitos anos. E isso já não é possível esconder após esta avaliação da troika. A tragédia do bom aluno é uma derrota inapelável do Governo.
JP 16.03.13

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