Mais troikistas que a troika e povo que se lixe
A única previsão plausível é a de que o futuro é um país
condenado à austeridade crónica
Ao que parece, as notícias que anunciavam com insistência
que o país já se estava a preparar para o pós- troika, animado pelo sucesso de
algumas emissões nos mercados, eram um pouco exageradas. Ou, pelo menos,
distorcidas, apesar de terem tido origem no próprio Governo. Nada que nos
espante. Afinal de contas, a primeira evidência que ressalta da conferência de
imprensa do ministro das Finanças é que as previsões do Orçamento do Estado
para 2013 pertenciam ao domínio da fantasia. Nem foi preciso o primeiro trimestre
do ano acabar para isso ficar claro. Uma vez mais, as previsões falharam e a já
debilitada credibilidade política do Governo caiu mais uns valentes pontos.
Pelo que é legítimo perguntar se as previsões, muitas das quais dramáticas, que
Vítor Gaspar ontem revelou não pecarão por defeito. O que é grave, uma vez que
estamos sobretudo a falar de pessoas e de postos de trabalho. A previsão de que
a taxa de desemprego poderá situar-se acima dos 18% até 2015 — atingindo um
pico de 19% no final deste ano, segundo o ministro — é uma sentença terrível
para o futuro, um sinal de que a esperança numa recuperação, por ténue que
seja, ainda vem longe, ao contrário do que o Governo deixara antever. A
previsão de que o PIB cairá 2,3% é o sintoma de uma economia em recuo, de um
país que empobrece, de uma sociedade cada vez mais asfixiada. A terapia da
austeridade não melhorou as coisas; pelo contrário, a cura fragilizou ainda
mais o doente. E a queda vai continuar. Por mais que a troika diga que o país
está no bom caminho, mais ninguém, excepto (ou talvez já nem mesmo) o Governo,
consegue dizer o mesmo.
Mesmo assim, o Governo e a troika parecem ensaiar agora
alguma mudança do discurso. O alargamento do prazo para cumprir as metas do
défice e para cumprir os cortes de quatro mil milhões de euros do Estado
significam que poderá não haver agravamento da austeridade, o que é positivo.
Muito provavelmente um sinal de que os credores começam a ficar assustados com
as consequências da austeridade que querem impor de forma implacável aos países
do Sul. E de que esse susto terá dois nomes: Beppe Grillo e Silvio Berlusconi,
os políticos que nas recentes eleições italianas derrotaram os
“bem-comportados” Bersani e Monti.
A política financeira de um país sob tutela faz-se sob o signo
da Europa. Mas andaram mal o PSD e o CDS ao criticarem o “desenho original” do
memorando, para justificar o alargamento das metas. Governo e partidos da
maioria alinharam muito tempo pelo diapasão do “mais troikistas do que a
troika”. O executivo acreditou no memorando com a firmeza e a convicção dos
bons alunos. O dogma da austeridade arrastou o país para o fundo e só agora o
Governo aceita (sem o reconhecer) que são precisos prazos mais dilatados e
terapias mais suaves. Mas o futuro é um país condenado à austeridade crónica
que durará muitos anos. E isso já não é possível esconder após esta avaliação
da troika. A tragédia do bom aluno é uma derrota inapelável do Governo.
JP 16.03.13
Etiquetas: troika
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