Paulo Macedo
Um
trabalho razoável ?
A falta de confiança na liderança do SNS é incontestável,
apesar das acções de propaganda
Nos momentos em que surge na opinião pública um conjunto de
dúvidas em relação à qualidade da actuação do actual ministro da Saúde, a nação
é intoxicada com uma série de peças jornalísticas sobre alegadas intervenções
que hão-de ter enormes efeitos positivos… daqui a uns meses. Para confundir a
opinião pública em relação à denunciada incompetência na gestão do SNS, a
equipa ministerial da saúde anuncia, por exemplo, que vai tomar importantes
decisões para apoiar os cuidados continuados e os cuidados de saúde primários…
em 2016.
Quiçá influenciado por este processo contínuo de propaganda
clássica, um comentador de uma rádio afirmou, recentemente, estar indignado com
o facto de, a este ministro, ter sido cantada a notável obra da nossa cultura
popular Grândola, Vila Morena, uma vez que o “ministro está a fazer um trabalho
razoável”. Vindo de um ignorante das questões de gestão de sistemas de saúde, o
comentário não pode ser levado a sério e acreditamos que ele próprio não leve a
sério o que diz sobre o SNS na rádio em que comenta.
No entanto, o conceito de trabalho razoável é profundamente
manipulador e subversivo. Sobretudo quando dirigido a um sector em que ainda
imperam dirigentes politicamente nomeados sem qualificações específicas para as
funções exercidas. Nesta interpretação, todo o trabalho de dirigentes medíocres
poderia ser classificado como razoável, sobretudo quando não se conhecem as
realidades em que operam e não se identificam imobilismos táctico-partidários
como factores que promovem o descalabro do SNS. Não decidir por tacticismo,
quando o sistema de saúde necessita de intervenção e liderança, é imoral.
Decidir mal e procurar branquear os seus efeitos negativos, deve ser entendido
como uma acção fraudulenta e um desrespeito pelas expectativas dos cidadãos e
dos profissionais de saúde, com a cumplicidade de “analistas” que comentam
qualquer sector de forma ignorante e irresponsável.
Interessa, porém, indagar se o tal comentador terá levado em
linha de conta as trapalhadas com as três cartas encomendadas para a reforma
hospitalar? O mistério do encerramento compulsivo da Maternidade Alfredo da
Costa? O mistério do contrato atribuído ao hospital da Cruz Vermelha, e outros
que se poderão estar a preparar? A falta de sensibilidade em relação aos
dadores de sangue que resultou na crise de fornecimento aos hospitais? O
aumento exponencial dos tempos de espera para a realização de exames e análises
de diagnóstico? A enorme transferência de despesa para o bolso dos doentes e
famílias? As polémicas nomeações para a direcção dos Agrupamentos de Centros de
Saúde? As trapalhadas com a lei do tabaco e a lei do álcool? A falência técnica
de unidades de cuidados continuados? O descalabro do Plano Nacional de Saúde
como elemento central das políticas de saúde? A incapacidade de dinamizar o
crescimento das Unidades de Saúde Familiar? O desrespeito pelas necessidades do
foro materno-infantil do Norte? A incapacidade de produzir uma única ideia para
a reforma do sistema de saúde? A total desorientação estratégica das funções de
regulação da saúde? A recente lei kafkiana exigindo justificação plausível para
faltar a consultas nos hospitais? Com aparente leveza de análise, alguns
comentadores arriscam imitar Beppe Grillo como uma espécie de Governo-sombra à
moda italiana.
A falta de confiança na liderança do SNS é incontestável,
apesar das acções de propaganda. Os agentes do sistema, incluindo sindicatos,
indústria farmacêutica e investidores privados, têm noção da desorientação
estratégica e dos perigos que enfrentam na medida de decisões que promovem o
colapso do SNS turvado com o discurso incoerente da sua defesa. O pior é a
falta de transparência nas decisões e, sobretudo, nas intenções.
O vazio de direcção estratégica e a constante propaganda
encomendada contrastam com os tempos de inovação de Luís Filipe Pereira e
Correia de Campos e com a realidade europeia. Triste.
Paulo Moreira, JP 09.03.13
Etiquetas: Paulo Macedo, PKM
4 Comments:
Cataventos
Os neo-liberais “convertidos” têm esta particular singularidade de se transformarem em oráculos da “resistência” encontrando novos apoios nos velhos adversários enjeitados que foram pela “família”.
Quanto ao resto: mais do mesmo. “Analisar” em tom paternalista o que nunca se deu prova de saber fazer, “julgar intenções” e insinuar, insunar…
O que é triste não é política, nem sequer a Europa. O que é triste é vender a “alma ao diabo”.
Cegueira, sectarismo, bota-abaixo são o melhor contraponto à criticada “propaganda”.
Faz pena o SaúdeSA transformado em caixa de ressonância da demagogia oportunista.
Ver disto ao pé de gente coerente que escreve com alma e com ética (como é bom exemplo o e-pá) diminui a vontade de “revisitar” um blogue sério e resistente.
Talvez valha a pena lembrar e ouvir Sérgio Godinho: “Arranja-me um emprego”
«O vazio de direcção estratégica e a constante propaganda encomendada contrastam com os tempos de inovação de Luís Filipe Pereira e Correia de Campos.»
É neste ponto que a governação de Paulo Macedo é surpreendentemente frustrante.
O actual ministro da saúde limita-se quanto muito a ser um bom aluno do seu secretário de estado Manuel Teixeira.
Governação administrativa e pouco mais.
E não venham com a desculpa que os tempos são de profunda crise. Nestes período conturbado é que necessitávamos de um ministro estratega que conseguisse conciliar o objectivo de efectuar cortes na despesa com o imperativo de levar a cabo as reformas necessárias à sobrevivência do SNS.
Ao invés, saiu-nos um ministro que apenas consegue efectuar cortes a eito sem tocar no que é necessário realizar.
Saúde pública ao serviço das pessoas
A lógica de poupança tem sido embrulhada na ilusão de sucessivas reestruturações do SNS
Ninguém parece interessado em debater outra forma de organizar o SNS
O Governo decidiu avançar com uma medida para optimizar a prestação de serviços aos cidadãos que recorrem ao Serviço Nacional de Saúde (SNS). A partir de agora quem faltar às primeiras consultas de especialidade nos hospitais do SNS e não apresentar “um ‘motivo plausível’ para a ausência no prazo de sete dias vai passar a ter falta injustificada” (PÚBLICO, 05/03/2013) Numa primeira leitura, a decisão parece sensata. Afinal, as listas de espera para consultas na especialidade são longas e um utente que falta, se avisar com alguns dias de antecedência, pode permitir que outro vá no seu lugar. Além disso, a medida prevê que, mesmo faltando em cima da hora, o utente possa remarcar a consulta, alegando um “motivo plausível”.
Reflectindo sobre o assunto e analisando o tipo de motivações apresentadas, o que transparece desta notícia é a intenção de fiscalizar e punir comportamentos dos utentes do SNS, de centrar sobre as pessoas o ónus da optimização dos serviços públicos. É verdade, repetimos, que um utente que falta a uma consulta está a ocupar um lugar que pode ser atribuído a outro, pelo que deve ser incentivado que não haja faltas. Mas a forma como a solução encontrada é apresentada, como é atirado para cima do utente a culpabilização e a responsabilidade pelas falhas, é sintomático de como a visão do actual Governo sobre o que é o serviço público de saúde não está centrada nas pessoas, mas na lógica do funcionamento e na optimização e da rentabilização do sistema.
Para mais, quando esta medida surge num contexto de cortes orçamentais que tém afectado a Saúde. Cortes de despesa pública que têm sido feitos com o objectivo assumido de poupança de dinheiro e que prejudicam os cidadãos no que se refere à qualidade dos serviços de saúde oferecidos. Isto quando está previsto um corte de cerca de 200 milhões de euros nas verbas para a Saúde no Orçamento do Estado para 2013 e é sabido que em 2012 foram reduzidos 753 milhões de euros no SNS.
Uma lógica de poupança que tem sido embrulhada num atractivo papel de embrulho propagandístico que vende a ilusão de sucessivos planos de reestruturação e de reforma do sector público da saúde, que na prática funcionam apenas como formas de encher o espaço comunicacional e servirem de argumentário à redução das prestações de cuidados de saúde à população, reduzindo assim os custos do Estado e diminuindo a canalização do produto dos impostos em Portugal para o sector da saúde.
Só que ninguém parece interessado em sequer debater uma outra forma de organizar o sector público da saúde que permita uma maior racionalização de custos sem pôr em causa o que é o interesse das populações e a segurança de que estas recebem cuidados de saúde adequados – ou seja, uma reorganização do Serviço Nacional de Saúde que acabe com o que são os negócios da saúde construídos em seu redor e que vivem do desvio de financiamento do Orçamento do Estado ao sector.
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São José Almeida, JP 09.03.13
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Falo, por exemplo, do que tem sido o desinvestir na saúde pública e, nomeadamente, dos hospitais públicos, para que, ao lado, nasçam hospitais privados, que substituem os públicos na prestação de cuidados à população e que são pagos pelo Orçamento do Estado. Assim como falo da imensidão de centros de exames médicos e de tratamentos que se têm instalado como negócios e que são alimentados pelo Orçamento do Estado.
É certo que os serviços existentes servem a população dentro do que é o equilíbrio do actual modelo. Mas de certeza também que, se o modelo em vigor for mudado apenas em função da poupança de dinheiro, vai entrar em colapso e vai deixar de servir de base à manutenção dos níveis de saúde pública e da qualidade de vida da população portuguesa.
E essa diferença irá expressar-se social e historicamente em indicadores demográficos e civilizacionais como a média de vida, a esperança de vida, a mortalidade infantil. Mas também indicadores como a progressão ou controlo de doenças, como é o caso de alguns tipos de doenças oncológicas ou de doenças infectocontagiosas como a tuberculose ou a sida. E também do combate a problemas de saúde pública como a toxicodependência.
Perante o ruir de um modelo de organização social, que se foi construindo na Europa na segunda metade do século XX, é necessário repensar a organização social de acordo com o que são as potencialidades e as necessidades do mundo de hoje. Mas esse mundo de hoje tem de ser equacionado em termos do que é o interesse das pessoas e a dignidade humana como referência de uma civilização europeia, que não pode ser tratada como uma folha de papel que se amarrota e atira para o caixote do lixo.
São José Almeida, JP 09.03.13
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