segunda-feira, março 11

Mais trapalhadas


Mais de 1,6 milhões de pessoas que não vão há três anos aos centros de saúde estão a ser contactadas para dizerem se querem ou não revalidar a inscrição. Fazer chegar a resposta não é fácil.
A primeira fase da mega-operação de "limpeza" das listas de utentes dos centros de saúde está concluída. Já foram enviadas 1,6 milhões de cartas aos cidadãos que há mais de três anos não vão aos centros de saúde, metade das quais na região de Lisboa e Vale do Tejo. Todos os que não revalidarem a sua inscrição no prazo de 90 dias passam para uma lista de não frequentadores e ficam sem médico de família para darem lugar aos milhares que não têm clínico assistente.
Se todos concordam com a necessidade da actualização de ficheiros dos utentes dos centros de saúde, há quem conteste a forma como a operação está a ser conduzida no terreno. Desde logo porque nas cartas enviadas pelas administrações regionais de saúde do Norte e de Lisboa e Vale do Tejo as pessoas são convidadas a contactar, pelo telefone ou presencialmente, os respectivos centros de saúde e algumas queixam-se da dificuldade de conseguir que alguém atenda o telefone do lado de lá, apesar da insistência, o que as obriga a deslocar-se às unidades. "É verdade. Nós próprios [os médicos] às vezes temos que ligar para os telemóveis uns dos outros porque não conseguimos telefonar para as unidades. Os administrativos não podem estar a atender doentes e a atender chamadas ao mesmo tempo", constata Rui Nogueira, vice-presidente da Associação Portuguesa de Médicos de Clínica Geral (APMCG).
Além disso, e devido à "complexidade" das cartas enviadas nalgumas regiões de saúde, há quem não entenda bem o que está em causa. "Algumas pessoas estão a marcar consulta só para dizerem que existem", lamenta João Rodrigues, da Federação Nacional dos Médicos (Fnam). "Gerou-se alguma confusão. Há quem pense que é necessário ir a uma consulta, o que não tem sentido nenhum", corrobora Rui Nogueira, apesar de concordar plenamente com a operação. João Rodrigues não entende também por que motivo é que não está prevista a resposta por correio ou por correio electrónico. "Na era da informática, não se podem actualizar dados por email?", questiona, perplexo.
Na Administração Regional de Saúde (ARS) do Centro, a possibilidade de resposta por correio ou por email está prevista, garante o médico, para quem a forma ideal de resolver de uma vez por todas este problema, que se arrasta há anos, era fazer "uma lei que estipulasse o dever do cidadão de actualizar os seus dados de três em três anos".
O Bloco de Esquerda enviou, no final de Fevereiro, um requerimento ao Ministério da Saúde, perguntando justamente por que é que neste processo se eliminaram "formas de comprovação da inscrição que seriam expectáveis e mais simples (como a carta, o fax ou o correio electrónico)". Até porque, nota, a "confirmação telefónica não permite que os utentes fiquem com um comprovativo do contacto".
Listas desactualizadas
A operação tem ainda sido alvo de críticas por parte de movimentos de utentes. O porta-voz do Movimento dos Utentes dos Serviços de Saúde, Manuel Vilas Boas, considera que se trata de "mais um acto de publicidade do Ministério da Saúde" que não vai resolver o problema de fundo - a falta de médicos de família - e defende que os centros de saúde é que deviam ter a responsabilidade de fazer este "rastreio".
Sublinhando que os profissionais de saúde sempre foram a favor da "limpeza" dos utentes-fantasma, Jorge Roque da Cunha, secretário-geral do Sindicato Independente dos Médicos, discorda destas críticas, pois não acha que uma deslocação ao centro de saúde seja pedir de mais aos cidadãos. "É um acto cívico", argumenta. "Esta operação faz todo o sentido. De outra forma estamos a incentivar os doutores preguiçosos", considera, aludindo aos casos de médicos, "poucos", que têm listas inflacionadas com utentes que foram para o estrangeiro ou morreram, entretanto.
Estimando que a lista de utentes se desactualize a um ritmo de 1% a 2% ao ano, o grupo de especialistas nomeado por este Governo para estudar a reforma dos cuidados de saúde primários propôs uma actualização permanente das inscrições. Se não houver actualização de listas, avisavam, ao fim de alguns anos o número de inscritos vai continuar a ultrapassar largamente o número de residentes no país, como acontece agora - em Dezembro de 2012 estavam inscritos mais de 11,4 milhões de utentes (quando os residentes no continente são 10,1 milhões). Mas também eles sugeriam que a "relação do utente com o SNS deve ser feita através de procedimentos simples", designadamente "por ocasião de qualquer contacto com os serviços onde se encontre inscrito, por Internet e por outros meios que se revelem adequados".
Alexandra Campos,JP 11.03.13

Paulo Macedo apostou nesta operação como forma de resolver o problema dos portugueses sem médico de família. Uma espécie de milagre administrativo de multiplicação dos MGF. O resultado está à vista.Tudo leva a crer que, mais uma vez, a montanha pariu um rato.

Clara Gomes

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