segunda-feira, junho 3

Bastonário da OM lança um «sério aviso ético»

O dever de obediência cessa perante ordens que conduzam à prática de crimes
«Provavelmente, vamos começar a assistir aos primeiros processos-crime  por recusa de medicamentos, e lanço aqui um sério aviso ético aos colegas  que ocupam cargos de direcção para que não racionem medicamentos, não é esse o seu papel», disse o bastonário da Ordem dos Médicos, José Manuel Silva, na conferência inaugural do 19.º Congresso Nacional de Medicina Interna, que decorreu em Vilamoura de 22 a 25 do passado mês de Maio. «O dever de obediência cessa perante ordens que conduzam à prática de crimes».
Na conferência «Ética em tempo de crise», José Manuel Silva acentuou que, sendo a Ética o acto de viver, não admira que existam dela visões tão díspares. Por isso, frisou, «ninguém tem o direito de impor o seu conceito de Ética à sociedade. A Ética tem de ser discutida livremente e consensualizada». Esta diversidade, acrescentou, faz com que os médicos não tenham um Código de Ética, mas um Código Deontológico, «porque a deontologia é o somatório médio da visão ética de cada médico; e desde que há um Código Deontológico aprovado, todos temos de o respeitar».
O bastonário da O.M. considerou que a troika impôs algumas medidas positivas para a Saúde, porque «estávamos a precisar de alguém que nos governasse», mas levou à questão de saber se o SNS é ou não sustentável. A este respeito, lembrou que, «em 2009, gastávamos 10,1% do PIB em Saúde, despesa pública e privada (a despesa pública é pouco superior a 6% do PIB), e dizem-nos que isso não é sustentável. Alguém perguntou aos Portugueses se acham que é ou não sustentável? Quem tem de decidir como é aplicado o Orçamento do Estado são os Portugueses, não é um Governo apoiado num partido que vai para eleições com um programa e depois faz o contrário. Se querem decidir quanto devemos gastar na Saúde façam um referendo a perguntar se 10% do PIB é ou não de mais. Não tenho dúvidas de que o povo português dirá que não é de mais».
Analisando a despesa per capita, «temos das despesas mais baixas da OCDE», prosseguiu José Manuel Silva, acusando a classe política, «por demagogia consciente», de falar sempre em percentagem do PIB. «A despesa privada per capita está muito acima da média da OCDE, 26% contra 19,5%. Já contribuímos muito do nosso bolso para a saúde», concluiu.
O orador discordou da intenção de reduzir o número de camas hospitalares, pois «temos 3,4 camas por 1000 habitantes e a média da OCDE é de 4,9», e concordou com o objectivo de reduzir o tempo de internamento, embora o nosso seja «excelente», já que ele é de 5,9 dias, em média, contra 7,1 da OCDE. Por último salientou os últimos dados de mortalidade infantil (2010): 2,5/1000, quando a média da OCDE é de 4,3/1000. «Isto significa que temos um sistema de Saúde barato, de altíssima qualidade e, em termos globais, muito bem gerido, embora haja espaço para o gerir muito melhor». O único indicador em que comparávamos menos bem, adiantou, era o consumo de medicamentos per capita, o qual, porém, tem vindo a baixar, «e hoje já nos comparamos favoravelmente com a média da OCDE».
Obviamente sustentável
Assim, «temos obviamente um SNS sustentável. A forma como o País tem sido governado é que é insustentável. Aquilo que a troika está a fazer ao nosso SNS é inaceitável», considerou José Manuel Silva.
Depois de defender a prescrição de genéricos, mas considerar «intolerável que todos os meses troquem as caixas dos medicamentos a milhares de idosos que vivem sozinhos e fazem confusões tremendas que acabam muitas vezes na Urgência e geram mais despesa — infelizmente, o Ministério da Saúde, a Assembleia da República e a Ordem dos Farmacêuticos não tem esta preocupação ética de defender as pessoas menos letradas» —, o orador referiu algumas das consequências da «redução brutal do Orçamento da Saúde». Falta de médicos para viaturas de emergência; hospitais falidos que param cirurgias («no Hospital das Caldas, com temperaturas de 30 graus no bloco, o Conselho de Administração propôs aos colegas que fizessem cirurgias minor quando o tempo estivesse mais fresco...»); doentes que são uma bola de pingue-pongue entre hospitais — «e há colegas nossos envolvidos neste jogo de ténis de mesa profundamente chocante»; hospitais que racionam medicamentos por terem um financiamento insuficiente; medicamentos negados para algumas patologias. 
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João Paulo de Oliveira, Tempo Medicina, 03.06.13

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