domingo, dezembro 28

Saúde, 2014 em revista

O frio, o calor e a legionella
Foi o excesso de óbitos por gripe entre as quinta e décima primeira semana de 2012, foi o excesso de óbitos durante a onda de calor do verão de 2013, foram mais de 300 casos e dez óbitos por legionella nos meses de Outubro e Novembro de 2014, representando, segundo a comunicação social, o terceiro maior surto de sempre por esta bactéria. Em menos de três anos, os portugueses estiveram expostos a riscos cujas consequências, tanto no excesso de morbilidade como no excesso de mortalidade, podiam ter sido evitados. 
No primeiro caso, a uma baixa taxa de cobertura vacinal da população mais susceptível para um vírus da gripe com elevada virulência, associaram-se condições climatéricas particularmente adversas para as quais não foram tomadas as medidas que protegessem antecipadamente aquela população da associação de um elevado risco ambiental, um elevado risco biológico e a vulnerabilidade social dos idosos. Resultado: 6 110 óbitos em excesso.
Onda de calor
Relativamente à onda de calor verificada no Verão de 2013, embora o Ministério da Saúde dispusesse de um plano de contingência, desde Maio desse ano, para prevenir os efeitos sobre a saúde humana –- sobretudo sobre a saúde dos idosos -- de temperaturas elevadas que se prolongassem no tempo, o grau em que esse plano foi aplicado revelou-se tão insuficiente ou tão negligentemente aplicado que teve como consequência pelo menos 1702 óbitos em excesso.
Legionela
Quanto à mais recente ocorrência, o surto de infecção por legionella com epicentro em instalações fabris de Vila Franca de Xira, existem pelo menos dois tipos de acções que estão sob escrutínio: a avaliação da qualidade do ar interior dos locais de trabalho e a avaliação da higiene dos sistemas de ventilação desses espaços.
Padrão de actuação
Em síntese, é legítimo poder inferir-se que estes três acontecimentos configuram um padrão de actuação, a ausência de uma política de prevenção dos riscos para a saúde humana e, particularmente, de higiene e segurança no trabalho. Tudo somado, é igualmente legítimo afirmar-se que, nestes casos, o desprezo pela conhecida lei de Murphy, em três anos, e em Portugal, foi responsável por uma taxa de mortalidade acumulada de 80/100000 habitantes, que vai muito para além de qualquer consideração estatística que se faça do fenómeno.
Considerando que o governo português tem presente a estratégia de Saúde em Todas as Políticas, fixada em 2006, durante a presidência finlandesa da União Europeia, a qual exige uma estreita colaboração intersectorial e um reforço do papel da saúde pública, e considerando também que deve competir ao ministro da Saúde liderar essa estratégia, foi com perplexidade que assistimos no final do passado dia 14 a uma insólita sessão de propaganda dos ministérios da saúde e do ambiente, transmitida em directo pelas televisões, para iludir as medidas preventivas que não foram tomadas em devido por quem tinha a responsabilidade de as promover. A confiança na rede hospitalar pública não deve justificar o menosprezo pelo que devia ter sido feito a montante. Não é admissível que, simbolicamente, se transmita aos portugueses a mensagem de que os governantes podem ser negligentes porque há sempre um hospital, há sempre uma equipa de profissionais da Saúde pronta a acolher e a tratar quem adoece naquelas circunstâncias, ficando as responsabilidades políticas por estes acontecimentos sempre por apurar.
Sugestão
Deixo, por isso, uma sugestão ao primeiro-ministro. Realize um, dois, três, os que forem necessários, conselhos de ministros, para tratar de uma política de prevenção dos riscos para a saúde humana, que comprometa todos os ministros, todos os secretários de estado, todos os diretores-gerais, toda a administração pública, todos os agentes económicos. Vai ver que é bom, é barato e dá a ganhar milhares de anos potenciais de vida.
Cipriano Justo, in  Tempo de Medicina


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