Saúde, 2014 em revista
O frio, o calor e a legionella
Foi o excesso de óbitos por gripe entre as quinta e décima
primeira semana de 2012, foi o excesso de óbitos durante a onda de calor do
verão de 2013, foram mais de 300 casos e dez óbitos por legionella nos meses de
Outubro e Novembro de 2014, representando, segundo a comunicação social, o
terceiro maior surto de sempre por esta bactéria. Em menos de três anos, os
portugueses estiveram expostos a riscos cujas consequências, tanto no excesso
de morbilidade como no excesso de mortalidade, podiam ter sido evitados.
No primeiro caso, a uma baixa taxa de cobertura vacinal da
população mais susceptível para um vírus da gripe com elevada virulência,
associaram-se condições climatéricas particularmente adversas para as quais não
foram tomadas as medidas que protegessem antecipadamente aquela população da
associação de um elevado risco ambiental, um elevado risco biológico e a
vulnerabilidade social dos idosos. Resultado: 6 110 óbitos em excesso.
Onda de calor
Relativamente à onda de calor verificada no Verão de 2013,
embora o Ministério da Saúde dispusesse de um plano de contingência, desde Maio
desse ano, para prevenir os efeitos sobre a saúde humana –- sobretudo sobre a
saúde dos idosos -- de temperaturas elevadas que se prolongassem no tempo, o
grau em que esse plano foi aplicado revelou-se tão insuficiente ou tão
negligentemente aplicado que teve como consequência pelo menos 1702 óbitos em
excesso.
Legionela
Quanto à mais recente ocorrência, o surto de infecção por
legionella com epicentro em instalações fabris de Vila Franca de Xira, existem
pelo menos dois tipos de acções que estão sob escrutínio: a avaliação da
qualidade do ar interior dos locais de trabalho e a avaliação da higiene dos
sistemas de ventilação desses espaços.
Padrão de actuação
Em síntese, é legítimo poder inferir-se que estes três
acontecimentos configuram um padrão de actuação, a ausência de uma política
de prevenção dos riscos para a saúde humana e, particularmente, de higiene e
segurança no trabalho. Tudo somado, é igualmente legítimo afirmar-se que,
nestes casos, o desprezo pela conhecida lei de Murphy, em três anos, e em
Portugal, foi responsável por uma taxa de mortalidade acumulada de 80/100000
habitantes, que vai muito para além de qualquer consideração estatística
que se faça do fenómeno.
Considerando que o governo português tem presente a
estratégia de Saúde em Todas as Políticas, fixada em 2006, durante a
presidência finlandesa da União Europeia, a qual exige uma estreita colaboração
intersectorial e um reforço do papel da saúde pública, e considerando também
que deve competir ao ministro da Saúde liderar essa estratégia, foi com
perplexidade que assistimos no final do passado dia 14 a uma insólita sessão de
propaganda dos ministérios da saúde e do ambiente, transmitida em directo pelas
televisões, para iludir as medidas preventivas que não foram tomadas em devido
por quem tinha a responsabilidade de as promover. A confiança na rede
hospitalar pública não deve justificar o menosprezo pelo que devia ter sido
feito a montante. Não é admissível que, simbolicamente, se transmita aos
portugueses a mensagem de que os governantes podem ser negligentes porque há
sempre um hospital, há sempre uma equipa de profissionais da Saúde pronta a
acolher e a tratar quem adoece naquelas circunstâncias, ficando as responsabilidades
políticas por estes acontecimentos sempre por apurar.
Sugestão
Deixo, por isso, uma sugestão ao primeiro-ministro. Realize
um, dois, três, os que forem necessários, conselhos de ministros, para tratar
de uma política de prevenção dos riscos para a saúde humana, que comprometa
todos os ministros, todos os secretários de estado, todos os diretores-gerais,
toda a administração pública, todos os agentes económicos. Vai ver que é bom, é
barato e dá a ganhar milhares de anos potenciais de vida.
Cipriano Justo, in Tempo de Medicina
Etiquetas: Crise e politica de saúde
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home