O SNS foi o 25 de Abril da Saúde
A Saúde é, porventura, o único sector das
políticas públicas onde a comparação internacional favorece o nosso país, e
esse mérito cabe por inteiro ao SNS.
O Serviço Nacional de Saúde celebrou esta semana o seu 37.º aniversário.
Foi em 1979 que o deputado socialista António Arnaut transformou em Lei o projecto no qual tinha estado a trabalhar alguns meses antes, enquanto Ministro
dos Assuntos Sociais do governo de coligação PS-CDS.
Apesar de hoje ser praticamente consensual,
o SNS teve o seu início envolto em polémica. À época, a Ordem dos Médicos
opôs-se ferozmente à solução encontrada e, pouco depois, o governo da Aliança
Democrática (PSD-CDS) chegou mesmo a legislar no sentido da sua dissolução,
diploma que foi travado no Tribunal Constitucional.
Nas décadas seguintes, o SNS afirmou-se na
sociedade portuguesa em função dos valores de que é portador e dos resultados
que nos permitiu, enquanto povo, alcançar. Graças às suas universalidade e
tendencial gratuitidade, este serviço público permitiu o acesso à Saúde a todos
os portugueses, independentemente da sua condição social e/ou geográfica.
Concretizando a democratização da utilização do progresso científico e tecnológico
da medicina, que até então estava apenas ao alcance de algumas pessoas, o SNS
foi o verdadeiro 25 de abril da Saúde
Ao mesmo tempo, estimulando a liderança
técnica dos seus profissionais, o SNS contribuiu decisivamente para a melhoria
do panorama sanitário do país. O melhor exemplo é a Saúde materno infantil,
onde um destacado grupo de profissionais liderou um processo de mudança que
trouxe a mortalidade infantil para um dos melhores níveis mundiais e quase fez
desaparecer a mortalidade materna. À frente dessa equipa pontificava o médico
Albino Aroso, um exemplo que nos deve inspirar a todos, de alguém que nunca
abandonou um comportamento ético e profissional irrepreensíveis, designadamente
quando abraçou funções políticas da maior responsabilidade.
Mas o sucesso do SNS mede-se, também, no
aumento da esperança média de vida à nascença; na posição destacada no domínio
da transplantação de órgãos; ou no tratamento das doenças oncológicas de acordo
com os mais exigentes padrões.
A Saúde é, porventura, o único sector das
políticas públicas onde a comparação internacional favorece o nosso país, e
esse mérito cabe por inteiro ao SNS. Isso não significa, todavia, que a sua
continuação e desenvolvimento estejam automaticamente assegurados. Essa lição
foi-nos dada, aliás, nos últimos anos, tempos dramáticos em que testemunhámos o
definhar das políticas públicas para a Saúde.
Embora com um discurso meloso de elogio ao
SNS, o governo PSD-CDS tomou medidas que abalaram profundamente os seus
fundamentos. Fomentou a desigualdade no acesso a tratamentos inovadores entre
diferentes hospitais do SNS, e outros subsistemas públicos, como a ADSE, por
exemplo, e colocou em causa a liderança profissional sempre que ela contestava
as restrições injustificáveis que ocorriam.
O SNS saiu combalido da política
austeritária dos últimos anos e a confiança dos cidadãos foi abalada.
O atual governo tem, por isso, um enorme
desafio pela frente. Retomar o passo na reforma dos cuidados de Saúde
primários, que devem ver reforçado o seu papel de porta de entrada dos
utilizadores do sistema, combinando, de forma harmoniosa, qualidade e
proximidade. Desenvolver os cuidados continuados, cada vez mais necessários
face às mudanças demográficas que ocorrem no país. Intervir nos hospitais, atacando
decisivamente os seus maiores problemas: barreiras no acesso à consulta
externa, afluxo exagerado à urgência, crescimento da infecção em meio
hospitalar.
Para o conseguir é imperioso devolver a
confiança aos cidadãos. Por isso aplaudo muitas das medidas que têm sido
tomadas. Reduzir as taxas moderadoras; retomar a isenção para os dadores de
sangue; facilitar o acesso ao médico de família por todos os portugueses;
permitir a livre circulação das pessoas nas instituições do SNS; promover o
diálogo com os profissionais e as suas organizações; são medidas na direcção certa.
No actual contexto de restrição orçamental é
imperioso que a equipa do Ministério da Saúde tenha ao seu dispor os recursos
de que necessita, mas é também fundamental que eles sejam alocados com o
adequado equilíbrio regional e que sejam adoptadas medidas que devolvam às
instituições a necessária autonomia de gestão. O centralismo doentio da
governação da direita foi e é responsável por parte importante das
ineficiências que se verificam no SNS.
Para proteger o bem precioso que é o SNS,
temos que o desenvolver. Agir nesse sentido é a obrigação de todos os que
acreditam que o acesso de todos os cidadãos aos cuidados de Saúde é uma
componente inalienável da protecção da dignidade humana.
Manuel Pizarro, JP 17.09.16
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