domingo, setembro 9

Hospitais PPP


Renovação do contrato da PPP de Cascais 
 «O que levou à renovação do actual contrato de gestão com o grupo Lusíadas Saúde até 2020, tempo que permitirá — como explica a presidente da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARSLVT), Rosa Matos — que o grupo de trabalho defina o caderno de encargos, lance o concurso público internacional e seja escolhido um novo gestor. Além da revisão do número de consultas e cirurgias, o hospital terá mais especialidades, como oncologia, e irá receber mais 90 mil pessoas com a transferência de utentes que até agora pertencem ao Hospital Amadora-Sintra.» 
Em perspectiva, novo caderno de encargos, lançamento de concurso público internacional, escolha de novo gestor, alargamento do negócio, aumento da dotação financeira da PPP de Cascais. 
As coisas poder-se-iam ter passado de maneira diferente? 
Podiam! Não fosse o compromisso político do governo e do PR de manter em funcionamento as PPP da Saúde. 
Haverá justificação técnica, alicerçada em evidência de ganhos de eficiência e qualidade para manter em funcionamento as PPP da Saúde? 
Não há. Em Portugal, as PPP da Saúde (gestão clínica+ gestão do edifício) implementadas pelo Dr. Correia de Campos (pai das PPP), uma profunda nódoa a manchar o seu distinto curriculum, têm demonstrado nos anos que levam de funcionamento constituírem um modelo de exploração de unidades de saúde complexo, pesado, pouco flexível, caro, gerido na sua grande maioria por empresas internacionais de gestão de fundos, que não conseguiram evidenciar, até à data ganhos de eficiência e qualidade apreciáveis relativamente à gestão pública de hospitais que, como se sabe, confrontam-se com graves dificuldades (atendimento de doentes de patologias mais pesadas – oncologia, queimados, doenças infecciosas como o HIV/Sida, hepatite; instalados geralmente em edifícios em maus estado de conservação, obsoletos, muitos sem condições base de funcionamento). 
Razões políticas da manutenção  das PPP
O mega objectivo político pretendido com a manutenção das PPP, não tem nada a ver com a eficiência, eficácia, qualidade dos cuidados prestados por estas unidades, visa, essencialmente, contornar o regime da função pública com o enquadramento dos profissionais em unidades regidas pelo direito privado. Aliviar a carga do Estado prestador directo de cuidados, reduzindo-o à condição de regulador/financiador do sistema.
Hospitais PPP sem mais qualidade  
Onde as PPP da Saúde falharam de forma clara foi na obtenção de ganhos de qualidade dos cuidados, pese embora todas as certificações e acreditações em qualidade e ambiente obtidas junto de prestigiadas empresas internacionais. 
Estas acreditações e certificações (sem por em causa a sua utilidade como instrumento impar de processos de melhoria da qualidade), escamoteiam a verdadeira realidade que teima em não conseguir os padrões de qualidade de funcionamento a que se propõem. Acontece que nos períodos imediatamente anteriores às auditorias são constituídos grupos de trabalho encarregues de intensificarem a aprendizagem e implementação de procedimentos de actualização. Trabalha-se, então, afincadamente para o exame final. Obtidas as reacreditações/certificações volta tudo ao normal, ou seja, equipas “curtas”, pouco motivadas, muitas mal enquadradas, sem tempo e paciência para porem em prática o nível de funcionamento recém adquirido. Assim sendo, vai-se continuando a fazer tudo assim assim. 
O âmago da questão está, para que a cultura de qualidade se entranhe na nova prática hospitalar (elevação do nível de cuidados), na realização de mais e melhor investimento, essencialmente inovação tecnológica e recursos humanos habilitados. E quanto a isto as PPPs da Saúde são muito cautelosas e o parceiro Estado também não está disponível para andar sempre a reequacionar a repartição de risco. Acresce que o lucro constitui a pedra de toque, o principal objectivo do parceiro privado gestor de fundos. Certo que privilegiam gastos avultados em propaganda, muita propaganda. 
Primado da gestão pública
Todos os gestores públicos sabem o que é qualidade em Saúde. Acesso fácil às consultas, internamento, cirurgias, tratamentos de reabilitação. Com cumprimento dos tempos de espera estabelecidos. Atendimento competente e humanizado, ambiente seguro (controlo eficaz da infecção hospitalar), limpo, bem higienizado, confortável (temperatura ambiente, equipamento adequado em bom estado de funcionamento, acesso a informação). Consultas resolutivas o que exige boa articulação com os MCDTS. Organização eficiente do internamento com equipas bem dimensionadas, bem coordenadas, distribuição de alimentação adequada (dietas terapêuticas) dentro dos horários estabelecidos, doentes correctamente assistidos nos tratamentos, medicação (sem erros). alimentação, higiene. Demora médias adequadas sem forçar a saída naquelas salas de pré-alta onde os doentes aguardam com todas as incomodidades a chegada de familiares a beber chazinhos (prática que nada ter a ver com a competente gestão centralizada de camas). 
Como vão as coisas relativamente ao 1.º hospital PPP? 
 Foi aprovada em 18.08.18 a minuta do contrato de renovação e autorizada a celebração do aditamento ao Contrato de Gestão do Hospital de Cascais despacho n.º 7941-A/2018. Autorizada, mais recentemente, a realização da despesa no montante máximo estimado de 217 552 999,88 euros, inerente à renovação do contrato de gestão do Hospital de Cascais Resolução do Conselho de Ministros n.º 110/2018 .
Entretanto, começaram as pressões 
«Segundo o presidente da Câmara de Cascais, a indefinição do futuro da gestão do Hospital de Cascais pode vir a ter repercussões na qualidade do serviço prestado. «Esta indefinição é perigosa porque, nestas circunstâncias, nem o Estado nem o privado que está na PPP fazem investimento, o que pode levar à deteorização dos serviços». O autarca nega que haja problemas no serviço do Hospital de Cascais e refere que não tem conhecimento da existência de queixas: «Pela informação que tenho e também pela utilização indireta através de familiares, só tenho a dizer bem da prestação de serviços do Hospital de Cascais». Sol, 28.08.18 .
Não se passa nada, não há qualquer indefinição (como se poderá verificar através da leitura dos diplomas colocados em link), mas o autarca PSD entende que é melhor ir avisando. A eventual reversão da gestão PPP de Cascais para o Estado (gestão pública) parece trazer o autarca inquieto, perceptível na investida ao ministro da saúde: «Agora, parece-me que o próprio ministro da Saúde fez uma tese de doutoramento onde demonstra que o investimento direto do Estado é mais vantajoso na área da Saúde do que as PPP. A grande questão é saber se o Estado tem dinheiro para fazer esse investimento. Para passar para o SNS, o Estado tem de garantir que tem meios financeiros próprios para assegurar sozinho e com mais eficácia do que a PPP». 
Nunca ouvimos (lemos) tal coisa de ACF. O senhor autarca saberá, certamente, que quem paga até ao último cêntimo às sociedades gestoras dos Hospitais PPP somos nós contribuintes na esperança de termos mais e melhores cuidados prestados por gestão pública mais eficaz, humanizada e melhor qualidade. 
Também Pita Barros entende que a não renovação automática da PPP de Cascais “é custo, criado pelo Estado, para esta relação, impedindo que um contrato mais adequado às necessidades da população coberta possa ser estabelecido”, esquecido dos anos em que a referida PPP tem andado manca (deficiente cobertura dos cuidados de oncologia, infecciologia, utentes das freguesias de Sintra) 
Nota: Um autarca e um professor universitário. Só falta juntar um eclesiástico. O presidente república aparece na TV um dia destes a abordar o tema.
Somos contra a visão do doente como dado estatístico, GDH facturável ao Estado, acompanhado no PC da sala dos médicos, à distância (onde passam cada vez mais tempo), cliente a quem é necessário facturar serviços (esmiuçar GDHs). Resmas de gestores impreparados, gestão almanaque, pronta a usar, que apela ao imediato e improviso, onde o que é preciso é saber brilhar. Mercantilização, sinónimo de desumanização dos cuidados. Transferência de investimento para o sector privado enquanto o SNS perde capacidade e qualidade.
Clara Gomes

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