segunda-feira, abril 26

AS LISTAS DE ESPERA

1. - O Semanário Expresso, na sua edição de 24 de Abril, dá notícia da decisão do Hospital da Figueira da Foz SA, em abandonar o PECLEC, por não ser aliciante do ponto de vista económico.
A recuperação dos doentes em lista de espera, de acordo com a mesma decisão, será efectuada através da actividade cirúrgica normal, com recurso à prática de altas precoces (dois dias de internamento) e rentabilização dos tempos do Bloco Operatório.

Não possuindo mais dados, além dos referidos na notícia, o que terá pesado mais na decisão do hospital em suspender o Peclec: a fraca rentabilidade do programa, desmotivação dos profissionais devido à fraca compensação financeira, prejuído da actividade cirúrgica normal, baixo aproveitamento da capacidade cirúrgica instalada, possibilidade de encaminhar os doentes em lista de espera prolongada para outros hospitais ?

A decisão do hospital da Figueira da Foz é muito curiosa, pois suspende um programa, especialmente criado pelo actual governo para o combate às listas de espera e propõe-se resolver o problema através da melhor rentabilização da capacidade instalada.


2. - A acessibilidade, traduz a possibilidade de o utilizador do Serviço Nacional de Saúde, obter a prestação de cuidados de saúde, no momento e no local em que necessita.

A falta de resposta do SNS tem originado repetidas situações de crescimento do número de utilizadores em espera.

A resolução do problema dos doentes em espera cirúrgica só é exequível através de uma gestão global e eficiente do acesso aos cuidados de saúde.

A melhoria da capacidade de resposta das unidades cirúrgicas poderá ser conseguida mediante o desenvolvimento articulado de várias medidas:

- Melhoria do aproveitamento da capacidade instalada mediante a reorganização eficiente dos serviços.

- Melhoria dos meios das especialidades mais carenciadas ?

- Recurso à utilização de programas especiais de recuperação das listas de espera, sem prejuízo da actividade normal e em articulação com medidas visando a melhoria da organização dos serviços.


3. - Até 1992 não se conhecia a verdadeira dimensão do problema das listas de espera. O primeiro estudo exaustivo remonta a Junho de 1992, referindo, os seus autores, que a existência de doentes com uma média global de 223 dias de espera era de 92 000.

A partir de 1995, os governos da república, pressionados pela opinião pública, desenvolveram sucessivos programas específicos de recuperação das listas de espera.

- PERLE - Programa específico de recuperação de listas de espera - criado em 1995 pelo ministro da saúde do XII governo, o qual remetia a resolução da espera cirúrgica para o sector privado através da celebração de contratos com os hospitais.

- PPA - Programa de promoção do acesso - Criado em 1999 pelo governo socialista de António Guterres, remetia a solução das listas de espera para o melhor aproveitamento da capacidade hospitalar (actividade desenvolvida fora do horário normal).
Esta produção hospitalar adicional era paga através de uma linha de financiamento especial criada para o efeito.

- PECLEC - Programa especial de combate às listas de espera cirúrgicas - criado pelo XV governo constitucional a partir de finais de 2001.


4. - A resolução do Conselho de Ministros n.º 100/2002 de 26 de Abril, publicada no Diário da República n.º 121 de 25 de Maio, que criou o Peclec, refere que o número de doentes em lista de espera, em Dezembro de 2001, era de 90 451.

Para agravar a polémica sobre a determinação correcta do elevado número de doentes em espera cirúrgica, o actual ministro da saúde decidiu criar duas listas de espera: a herdada da gestão anterior e a nova, constituída pelos doentes lançados em lista de espera a partir de 31 de Dezembro de 2001.

Apesar do desenvolvimento de sucessivos programas especiais e do recente anunciado aumento de produção dos hospitais do SNS, o número de doentes em lista de espera, cresceu, significativamente, durante a gestão do actual governo, atingindo o número de 135 000.

Reconhecendo a ineficácia do Peclec, o ministro da saúde vai apresentar, amanhã, 27 de Abril, o SIGIC - Sistema integrado de gestão de inscritos para as cirurgias, segundo o qual, os utentes poderão escolher o hospital público, privado ou social, quando a Unidade de Saúde da sua zona não realizar a cirúrgia em tempo útil.

A medida não é nova.
Na gestão de Maria de Belém, foi publicada legislação que previa um sistema de escolha idêntico, caso se verificasse atraso na execução da cirúrgia por parte da unidade onde o utente se encontrava inscrito.
Trata-se da criação de um sistema de encaminhamento dos doentes, em espera prolongada, para unidades onde a cirurgia pode ser efectuada em tempo útil, ou seja, procura-se com esta medida encontrar solução para o problema das listas de espera através de um melhor aproveitamento da capacidade instalada do SNS.


5. - O que está provado, ao fim destes anos todos, é a incapacidade dos sucessivos governos em gerir, de forma eficiente, o complexo problema do acesso aos serviços de saúde através da rigorosa quantificação da espera ( o que se tem feito é a manejar números como arma de guerra política), determinação dos tempos de espera clinicamente aceitáveis, avaliação rigorosa da capacidade cirúrgica instalada nos hospitais do SNS, modo de funcionamento e produtividade dos serviços de ambulatório(de onde vem a maioria dos doentes, após diagnóstico), organização do processo de contratualização com a rede de hospitais do SNS e sector privado, monitorização dos programas de recuperação, criação de um sistema de informação adequado.

A decisão do Hospital da Figueira da Foz SA, de inserir a recuperação das lista de espera cirúrgica no quadro da produção normal, através do melhor aproveitamento da capacidade instalada dos serviços, parece acertada, pressupondo que a mesma foi alicerçada no estudo prévio das premissas que definem este problema.
Ou será que, a sua decisão foi tomada a contar com a alternativa que o novo SIGIC lhe dá de poder drenar ou utentes em lista de espera prolongada para outras unidades de saúde e, assim, reduzir custos, melhorando a sua posição no "Ranking" dos hospitais ?