quinta-feira, agosto 25

Imitar os Melhores

Mais algumas ideias úteis para a APAH.
Diz bem o Sarney: «não sei para quê ou porquê (ou talvez saiba) é que se anda a discutir "modelos de saúde" eficientes em Portugal há 30 anos, se eles existem por essa Europa fora». Tenho aqui referido aquele que é considerado pelos parâmetros da OCDE o melhor sistema de saúde do mundo - o francês – o único, não sei se será por este motivo que é o melhor, que aposta na Saúde com o espírito de serviço público e tem como seu actores principais, no âmbito hospitalar, administradores hospitalares de carreira, formados numa Escola Nacional de Saúde Pública (de Rennes) em que se decalcou a nossa Escola e a nossa carreira. O sistema de gestão hospitalar é basicamente o mesmo, em França, desde 1941, sem alterações significativas. A não ser para o aperfeiçoar. A seguir transcreverei em que sentido. A única diferença em relação àquilo que se passa em Portugal, não diria desde há 30 anos, mas sim desde 1988, com Leonor Beleza, é que não só o SNS tem vindo a ser ferido de morte como os Administradores Hospitalares foram afastados dos centros de decisão nos hospitais. Essse tem sido o principal problema da saúde em Portugal. Tal como sucede com as empresas públicas, o SNS só não é mais eficiente por força da partidarização da gestão hospitalar criada por Leonor Beleza, não contrariada pelo PS (nem antes nem agora) e reforçada por LFP. Nunca o SNS evoluiu tanto como desde a sua criação, em 1979 até 1988. Coincidência ou não foi nesse período que os Administradores Hospitalares estiveram na ribalta. Coincidência ou não a degradação do SNS começa quando os AH foram afastados. Tivéssemos nós a nível intelectual e o espírito de missão demonstrado pelos franceses no domínio da gestão hospitalar e estou certo que o nosso companheiro Sarney não teria tantas razões de queixa do SNS. Sabe o que dizia o Eça: «Portugal não é um país, é uma imitação e ainda por cima mal feita!). O mal não está na imitação está em não saber fazê-la bem.
Veja o que dizem os franceses no Relatório do Conselho Económico e Social «O Hospital Público em França: balanço e perspectivas», de 2005, que aqui nos foi dado a conhecer pelo Xavier:
«A função de direcção [faço um reparo: em França quando se fala em direcção, fala-se dos administradores hospitalares de carreira] é uma missão essencial e difícil. Ela necessita que se revalorize a função do chefe do estabelecimento [ou seja, explico, do administrador principal do hospital] e que se modernize os procedimentos de gestão do corpo de administradores. Três elementos permitirão modernizar a gestão:
1º Elemento, um Centro nacional de gestão (DRHS, ou outro organismo a criar no nosso caso?), tal como sucede para os médicos hospitalares, deveria assumir as tarefas de gestão operacional da carreira de administração hospitalar. Este Centro publicaria as vagas de administradores em tempo real (quer dos lugares de administradores hospitalares adjuntos quer dos administradores hospitalares principais do estabelecimento) utilizando os mesmos instrumentos modernos de comunicação e de difusão de informação (Internet). As vagas seriam publicadas à medida das necessidades e não em data fixa, e nenhuma vaga de administrador hospitalar deveria ser provida sem ter sido objecto prévia publicação. O Centro asseguraria a gestão das vagas «fora do quadro» criadas pelos hospitais (explico: pelo administrador principal, no caso de França). Definiria ainda e implementaria uma política e uma metodologia de avaliação dos administradores. Acompanharia a evolução da carreira e das avaliações.
2º Elemento, a criação de um grupo ad hoc [espécie de uma bolsa de candidatos como já existe entre nós, ao menos em alguns hospitais] de 200 a 300 pessoas (administradores hospitalares), destinado a alimentar as vagas de administradores hospitalares do 200 maiores hospitais [está a falar-se da situação em França, como é óbvio]. Este grupo seria alimentado por vagas de diferente natureza (corpo de administradores hospitalares de carreira prioritariamente, mas também de candidatos externos), na sequência de um processo de selecção por uma comissão de habilitação de modo transparente, objectivo e profissional, podendo preconizar - se uma formação posterior adaptada a certos candidatos. A pertença a este grupo teria uma duração determinada. Por outro lado, a transformação da ENSP em grande estabelecimento integrado no âmbito do Ensino Superior Universitário permitiria que a formação por ela ministrada daria lugar a um diploma universitário [nota: de certo modo é o que sucede já com a com a nossa ENSP após a sua saída do Ministério da Saúde e a sua integração na Universidade Nova de Lisboa];
3º Elemento: uma profunda modernização do processo de avaliação dos administradores hospitalares. O sistema actual de notação já mostrou as suas limitações. A avaliação dos administradores poderia ser confiada aos directores das Agencias Regionais Hospitalares [nota: não existe órgão semelhante entre nós] e levada a cabo segundo procedimentos profissionais e segundo uma metodologia elaborada pelo Centro Nacional de Gestão da Carreira de Administração Hospitalar, encarregada igualmente pela verificação do respeito pela legalidade na aplicação desta metodologia e pelo acompanhamento das avaliações.

Paralelamente, o processo de nomeação dos administradores hospitalares deveria ser simplificado. Aqui também, esta simplificação não deveria pôr em causa a nomeação pelo Ministro mas assegurar uma gestão mais rápida e mais simples das vagas existentes. Os administradores hospitalares adjuntos, que são os quadros de administração hospitalar que nos hospitais não têm a responsabilidade da administração principal do estabelecimento, poderiam ser recrutados pelo administrador principal do estabelecimento (depois de publicação da vaga). Para os lugares de administrador principal do estabelecimento, o processo de nomeação seria simplificado. Depois da especificação do perfil da vaga a preencher e do «mandato», pelo Conselho de Administração [Cuidado, estamos aqui perante um órgão e funções que não têm paralelo com a nossa legislação. Não fazer extrapolações abusivas, portanto!], do director que se procura, os candidatos serão examinados pelo conselho após publicação da vaga pelo Conselho Nacional de Gestão da Carreira de Administração Hospitalar. Pronto para a nomeação, o conselho de administração do hospital dará o seu parecer ao Ministro, que nomeia.
Bom, dei-me ao trabalho de traduzir (livremente, mas o mais à letra possível) a página 184 do Relatório atrás referido pelas seguintes razões:
1º- Para demonstrar que em França, o melhor sistema de saúde do mundo, a gestão dos hospitais assenta nos Administradores Hospitalares de carreira;
2ª- Que o actual sistema de gestão hospitalar em França existe desde 1941 sem grandes modificações;
3º- Que os franceses continuam a estar satisfeitos com ele não se vendo nenhuma voz contra e todas as achegas vão no sentido de melhorar o sistema reforçando a posição dos administradores e não em sentido diverso, muito menos contrário;
4º- Este exemplo, por muitas semelhanças que tem com a nossa carreira e com o modelo de gestão que esteve em vigor até 1988, poderia ter sido seguido entre nós e não contrariado, não fosse a avidez dos tachos pelos partidos e a ideia fixa de destruir o SNS que tem existido da parte do PSD e que o PS, pese embora o discurso oficial não ser esse, não tem sabido defender (repito o que aqui já disse noutras ocasiões: o PS tem cavalgado as alterações ao sistema de gestão hospitalar feitas pelo PSD e nunca apresentou qualquer alternativa até hoje. Vai sempre a reboque, porque lhe interessa, sobretudo aos correligionários. Aliás, o mesmo se tem passado com o Presidente da nossa Associação. Berra quando não mama, quando pode vir a mamar ou quando está a mamar, cala-se, aproveita e arranja umas teses de carreira minimalista, «a modernaça» para os papalvos se calarem)
5º- Em face de uma provável mexida no sistema de gestão hospitalar e na carreira de administração hospitalar (Oh meu Deus, porque é que me fizeste tão ingénuo?) a APAH tem aqui algumas ideias que podem ser úteis.

E mais não digo.

Não fora o Sarney e eu não me dava ao cuidado de perder uma tarde das minhas férias a estar a aqui com estas lérias.

Por isso, caros colegas, deixem falar quem tiver algo de útil a dizer (saibamos encarar com fair play algum humor mais corrosivo. Às vezes encontramos surpresas onde elas menos se esperam). Que mais não seja, para nos tirar de algum comodismo quando as observações são pertinentes e algumas têm sido, é a minha opinião, ainda que possamos não estar de acordo naquilo que é dito (mas é sentido? Cheira-me que não!).
Vivóporto

6 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Será que a Lei de Gestão Hospitalar vai ser alterada?

Será que o CC não vai aceitar como boa a Lei de Gestão Hospitalar do LFP...

4:52 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Tudo indica que o CC vai manter o essencial da política seguida por LFP.

A experiência dos 31 hospitais SA, vai alargar-se aos novos hospitais em PPP que neste caso envolve o financiamento, construção e exploração.

Vai-se mais longe do que as PPPs do HNS britânico apesar das más experiências ocorridas com algumas dessas parcerias no serviço de saúde inglês.

Será só uma questão de tempo para termos o Grupo Mello, o Grupo Espírito Santo Saúde, Fundação Oriente e outros com um share significativo do mercado de prestação de cuidados de sáude.

O apetite dos privados é enorme e o deficite orçamental do SPA constitui mais um factor de pressão.

Aliás o modelo dos HH SA iniciado por LFP e seguido por CC não tem tanto por objectivo melhorar a qualidade dos serviços de saúde prestados à população mas essencialmente reduzir o enorme deficite das contas da saúde.

Neste contexto o factor Qualidade usado como um "chavão" é marginal.

CC limitou-se a mudar a forma jurídica de constituição dos hospitais SA, para hospitais EPE.

Diria que é só mera questão de tempo - nova legislatura - para que os EPE voltem à formula SA e o respectivo capital seja alianável para os grupos interessados na maior privatização dos serviços de saúde...

6:24 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Sem querer ser aborrecido o melhor sistema de saúde do mundo é o do Canadá. A França de momento está com graves problemas para manter o nível de despesa gerada.
Mas este será um assunto de somenos, será?

11:11 da tarde  
Blogger RAF said...

Esta é das maiores anedotas que tenho lido nos últimos tempos!

4:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Para fazer um comentário destes mais valia ter ficado quieto.
É de um puro pensador.

2:04 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Obrigado pela referência.

Perante um tão longo post, retiro como principal:

1. Profissionalizar a "gestão da saúde", no sentido de deixar de ser a "corrente dos boys laranjas ou rosas". Isto é, "mandatos" de 3, 4 ou 5 anos, com a inerente responsabilidade.

2. Não vejo na actual conjuntura outra alternativa, que não seja o aparecimento dos Espírito Santo, do acentuar dos Mellos e do "aumento da presença" da F. Oriente (a Maçonaria também quer o seu quinhão....), pois o Estado Português, no seu todo, está HIPER endividado, e não vai conseguir reorganizar-se para uma estrutura mais leve.....

3. Concordo que o Estado deva ser um REGULADOR de toda a actividade da saúde, e não um mero "acolhedor" das habituais aves de rapina! O sector público só teria a ganhar com a competitividade gerada pelo sector privado. O Contribuinte só teria a ganhar também. Mas, é preciso estar atento....

6:59 da tarde  

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