ANF e Fundo Público
O acordo com a ANF
Um observador neutro dificilmente aceita como “bom” o acordo Estado/ANF, o qual se foi mantendo ao longo do tempo com mais ou menos “foguetório” político. Essa posição deriva dos seguintes aspectos:
a) Havendo entre os múltiplos fornecedores do Estado tantos Grupos de interessados, não se compreende como se entregou à ANF, e apenas àquela Associação, um benefício e um poder que a mais nenhum Grupo foi concedido, tendo o Estado continuado a defender, perante outros fornecedores, o não pagamento de juros de mora;
b) O acordo gerou dois blocos (centralizados) de interesses, desvalorizando os agentes locais (ex. hospitais/CS, farmácias) que se desinteressaram bastante da promoção da racionalidade da prescrição e da monitorização da facturação;
c) O acordo coloca “na mão” da ANF informação essencial (valiosa) sobre os prescritores e Serviços de saúde em que se integram bem como sobre o consumo de medicamentos, preços e produtores.
Podia admitir-se que o acordo traria maior responsabilidade do Estado induzida pelos juros de mora, pelo menos nas farmácias. Os muitos milhões de contos de juros de mora pagos infirmam essa hipótese.
Por outro lado não é verdade que os restantes fornecedores são sempre prejudicados com os prazos de pagamento do Estado. Em mercados imperfeitos como o são os da saúde (ex. medicamentos, material e equipamento clínico) o fornecedor, perante prazos longos de pagamento, responde através de: i) Subida de preço, incorporando juros de mora e uma margem (daí não ser uma surpresa os 30% referidos pelo Prof. Miguel Gouveia no estudo sobre HHSA); ii) Procurando eximir-se a responsabilidades (ex. deixa de oferecer actos menos remuneradores); iii) Outros mecanismos (ex. reforço do poder de mercado através de integração vertical).
Quando não garante prazos de pagamento (pagamento é certo, o momento é incerto) é o Estado que perde, directa e indirectamente:
i. Por menor poder negocial e suas consequências, em preço e nas restantes condições de aquisição;
ii. Porque se reduz a concorrência (ex. alguns fornecedores deixam de concorrer, só estão dispostos a fornecer a pronto e o hospital não “pode”);
iii. Porque as responsabilidades dos Serviços não são devidamente relevadas (dívidas, juros) gera-se:
Menor responsabilização dos dirigentes/gestores que ficam, por um lado, mais livres para gastarem mais do que orçamentado em investimento e exploração (e ficarem à espera de mais uma “limpeza” de dívidas!) por outro para não exercerem todos os direitos na medida do incumprimento do prazo contratado e pelo não pagamento de juros de mora;
Menor transparência porque as contas dos organismos (ex. HH) não reflectem adequadamente as responsabilidades assumidas e/ou as suas consequências futuras.
Assim seríamos levados a concluir:
O fim do acordo com a ANF é uma boa notícia sendo de reconhecer a coragem da decisão do MS;
O Estado deve modificar a forma como se relaciona com os seus fornecedores.
Fundo público para pagar às farmácias?
Criar um fundo público para pagar às farmácias curto-circurtando a ANF é uma boa ideia pois gera, à partida, benefícios para o Estado e para as farmácias, permitindo reforçar o poder negocial do Estado. No entanto não parece ser a solução definitiva visto que: não abrange todos os fornecedores; não elimina os problemas derivados da falta de responsabilização dos Serviços e do próprio Estado (fica livre para gastar mais que o orçamentado aumentando a dívida a pagar em anos vindouros). Para completa transparência e rigor de actuação seria porventura preferível que o Estado assumisse uma posição exemplar e passasse a pagar “a horas” (questão: não há Directiva Europeia que manda pagar a 60 dias, findos os quais há direito automático a juros de mora?).
Caso enveredasse por essa via seria de esperar os seguintes benefícios:
i. Procura de melhores condições de aquisição, nas compras de cada Organismo e na promoção de verdadeira Central de Negociação de âmbito supra-Regional, e de gestão financeira mais apurada;
ii. Maior dificuldade de assumir responsabilidades para além do orçamentado – também maior rigor e envolvimento na elaboração do contrato-programa e do orçamento;
iii. Melhoria do sistema de informação e da transparência das contas (conhecer o encomendado, comprometido, entrado, facturado/por facturar do período, juros devidos) – o MS deveria promover a aquisição de SI actualizado (cf. necessidades das Unidades, permita comparação, consolidação, etc.);
iv. Maior responsabilização dos CA (nos aspectos positivos e negativos) e “ajustamento” de gastos de utilidade duvidosa (ex. alguns serviços clínicos, prescrições de medicamentos em ambulatório hospitalar);
v. Melhores decisões de investimento e de exploração através de: diferentes opções (ex. comprar ou fazer – via aquisição/leasing/aluguer); melhor informação; contabilização das dívidas e dos juros gerados; maior responsabilização geral (profissionais e gestores); etc.
Um observador neutro dificilmente aceita como “bom” o acordo Estado/ANF, o qual se foi mantendo ao longo do tempo com mais ou menos “foguetório” político. Essa posição deriva dos seguintes aspectos:
a) Havendo entre os múltiplos fornecedores do Estado tantos Grupos de interessados, não se compreende como se entregou à ANF, e apenas àquela Associação, um benefício e um poder que a mais nenhum Grupo foi concedido, tendo o Estado continuado a defender, perante outros fornecedores, o não pagamento de juros de mora;
b) O acordo gerou dois blocos (centralizados) de interesses, desvalorizando os agentes locais (ex. hospitais/CS, farmácias) que se desinteressaram bastante da promoção da racionalidade da prescrição e da monitorização da facturação;
c) O acordo coloca “na mão” da ANF informação essencial (valiosa) sobre os prescritores e Serviços de saúde em que se integram bem como sobre o consumo de medicamentos, preços e produtores.
Podia admitir-se que o acordo traria maior responsabilidade do Estado induzida pelos juros de mora, pelo menos nas farmácias. Os muitos milhões de contos de juros de mora pagos infirmam essa hipótese.
Por outro lado não é verdade que os restantes fornecedores são sempre prejudicados com os prazos de pagamento do Estado. Em mercados imperfeitos como o são os da saúde (ex. medicamentos, material e equipamento clínico) o fornecedor, perante prazos longos de pagamento, responde através de: i) Subida de preço, incorporando juros de mora e uma margem (daí não ser uma surpresa os 30% referidos pelo Prof. Miguel Gouveia no estudo sobre HHSA); ii) Procurando eximir-se a responsabilidades (ex. deixa de oferecer actos menos remuneradores); iii) Outros mecanismos (ex. reforço do poder de mercado através de integração vertical).
Quando não garante prazos de pagamento (pagamento é certo, o momento é incerto) é o Estado que perde, directa e indirectamente:
i. Por menor poder negocial e suas consequências, em preço e nas restantes condições de aquisição;
ii. Porque se reduz a concorrência (ex. alguns fornecedores deixam de concorrer, só estão dispostos a fornecer a pronto e o hospital não “pode”);
iii. Porque as responsabilidades dos Serviços não são devidamente relevadas (dívidas, juros) gera-se:
Menor responsabilização dos dirigentes/gestores que ficam, por um lado, mais livres para gastarem mais do que orçamentado em investimento e exploração (e ficarem à espera de mais uma “limpeza” de dívidas!) por outro para não exercerem todos os direitos na medida do incumprimento do prazo contratado e pelo não pagamento de juros de mora;
Menor transparência porque as contas dos organismos (ex. HH) não reflectem adequadamente as responsabilidades assumidas e/ou as suas consequências futuras.
Assim seríamos levados a concluir:
O fim do acordo com a ANF é uma boa notícia sendo de reconhecer a coragem da decisão do MS;
O Estado deve modificar a forma como se relaciona com os seus fornecedores.
Fundo público para pagar às farmácias?
Criar um fundo público para pagar às farmácias curto-circurtando a ANF é uma boa ideia pois gera, à partida, benefícios para o Estado e para as farmácias, permitindo reforçar o poder negocial do Estado. No entanto não parece ser a solução definitiva visto que: não abrange todos os fornecedores; não elimina os problemas derivados da falta de responsabilização dos Serviços e do próprio Estado (fica livre para gastar mais que o orçamentado aumentando a dívida a pagar em anos vindouros). Para completa transparência e rigor de actuação seria porventura preferível que o Estado assumisse uma posição exemplar e passasse a pagar “a horas” (questão: não há Directiva Europeia que manda pagar a 60 dias, findos os quais há direito automático a juros de mora?).
Caso enveredasse por essa via seria de esperar os seguintes benefícios:
i. Procura de melhores condições de aquisição, nas compras de cada Organismo e na promoção de verdadeira Central de Negociação de âmbito supra-Regional, e de gestão financeira mais apurada;
ii. Maior dificuldade de assumir responsabilidades para além do orçamentado – também maior rigor e envolvimento na elaboração do contrato-programa e do orçamento;
iii. Melhoria do sistema de informação e da transparência das contas (conhecer o encomendado, comprometido, entrado, facturado/por facturar do período, juros devidos) – o MS deveria promover a aquisição de SI actualizado (cf. necessidades das Unidades, permita comparação, consolidação, etc.);
iv. Maior responsabilização dos CA (nos aspectos positivos e negativos) e “ajustamento” de gastos de utilidade duvidosa (ex. alguns serviços clínicos, prescrições de medicamentos em ambulatório hospitalar);
v. Melhores decisões de investimento e de exploração através de: diferentes opções (ex. comprar ou fazer – via aquisição/leasing/aluguer); melhor informação; contabilização das dívidas e dos juros gerados; maior responsabilização geral (profissionais e gestores); etc.
semmisericórdia
Etiquetas: Semisericórdia
4 Comments:
Criação de um Fundo Público para pagamento às farmácias? O que é isso?
Sinceramente que tenho muitas dúvidas sobre o que vai na cabeça do Senhor Ministro da Saúde.
Com que recursos será dotado esse fundo? Com recursos do OE/OMS? Com emissão de títulos, vencendo juros mais baixos do que os pagos à ANF?
Mas afinal o OE de 2006 não é realista? O que se esconde por detrás de tudo isto?
Obter ganhos com o pagamento atempado às farmácias é possível. Mas também será possível que a ANF estaja disponível para se aproximar dos custos prováveis do Fundo.
Porque qualquer que seja a forma de obtenção das receitas do Fundo, sempre ocorrerão custos finasnceiros. A não se seja apenas um estratagema para escapar ao défice no OS; uma forma criativa de reforçar o Orçamento?!
Apetece dizer que com esta questão do fundo público a ANF soma e segue na sua batalha contra CC.
O fundo público foi criado de modo a que o Estado possa pagar às farmácias sem os habituais atrasos. Criando uma fonte segura e mais fiável de pagamento, CC acredita que as farmácias deixarão de recorrer à ANF como intermediária, passando a negociar directamente com Estado. Deste modo, CC tenta fazer com que sejam as próprias farmácias a rejeitar a intervenção da ANF, o que teoricamente seria uma abordagem mais inteligente que as sucessivas tentativas falhadas de legislar em sentido contrário.
O que CC ainda não percebeu é que o efeito de confiança acrescida proporcionado pela criação do fundo público já tinha sido conseguido com a introdução das entidades bancárias nos esquemas de pagamentos às farmácias. Assim, este fundo terá como única consequência prática que a ANF passará a receber a tempo e horas, o que para a associação é igual ao litro, uma vez que era o Estado quem suportava os juros devidos aos atrasos de pagamentos.
Por outro lado, é um acto de ingenuidade acreditar que as farmácias aceitam pagar à ANF o equivalente a um juro de cerca de 20% ao ano apenas em troca do adiantamento do dinheiro (pois isso também poderia ser conseguido através de acordos de factoring com a banca)... o que verdadeiramente dá o poder à ANF é a excelente qualidade e multiplicidade dos seus serviços, para além, obviamente da mais uma vez recentemente demonstrada capacidade de defender brilhantemente os interesses dos seus associados.
Ou seja, o tratamento preferencial dado ao fornecedor-farmácia pode ser interpretado de duas formas:
- Como apenas mais um capítulo da capitulação de CC aos braços da ANF;
- Como obediência a uma qualquer exigência das entidades bancárias que agora intermediam o processo de pagamento.
O Estado português é o que mais se atrasa nos pagamentos entre 22 países europeus. De acordo com um estudo de uma consultora internacional, os fornecedores são obrigados a esperar, em média, 158 dias.
A título de exemplo, a Estónia que ocupa o meio da tabela, demora, em média, apenas 19 dias a pagar as dívidas. A média europeia está nesta altura em quase 17 dias.
No lugar de atacar este problema de fundo o Estado Português permite que o seu ministro da Saúde crie um fundo especial para assegurar o pagamento a uns fornecedores privilegiados: as farmácias.
Se isto é legal não deixa de ser imoral.
Os restantes credores do Estado têm de se organizar para combater esta injustiça.
«Criar um fundo público para pagar às farmácias curto-circurtando a ANF é uma boa ideia pois gera, à partida, benefícios para o Estado e para as farmácias, permitindo reforçar o poder negocial do Estado.»
Caro SemMisericórdia, este raciocínio parece-me completamente errado.
Julgará que os Farmacêuticos se deixarão curto-circuitar por esta jogada? Como confiar num Estado cronicamente mau pagador? Como confiar num Ministro assumidamente hostil?
A famosa cota que as Farmácias cedem à ANF excede em muito um mero factoring. Não perceber isto é não perceber nada; é o caso Correia de Campos - ele passará, a ANF continuará.
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