quinta-feira, julho 6

Cuidados Continuados



Estamos perante um projecto de que há muito o País precisa.
O mais difícil será a sua implementação e o risco de se criarem nas populações expectativas que os meios financeiros escassos irão contrariar.
Falta na verdade informação sobre os custos envolvidos e a envolver no final. E sabe-se já que as IPSS's estão "pouco" entusiasmadas com os preços em negociação.
Como não será o Estado a construir novas estruturas (e não deve ser) corre-se o risco de falta de respostas e de custos elevados.
Depois poderá assistir-se a uma certa tendência das familias para "deixar que os seus doentes" continuem em situação de internamento institucional, tornando a oferta (sempre) insuficiente.
O projecto exige também a disponibilidade de significativos RH especializados o que não deixará de constituir uma dificuldade adicional, particularmente quando se trata das equipas de cuidados paliativos.
Os hospitais têm alguma dificuldade em resolver alguns problemas de internamento (alta) por falta de estruturas de apoio em cuidados continuados e paliativos.
Alguns internamentos chegam a prolongar-se por tempo demasiado longo, ou porque os doentes não têm familiares ou porque o seu estado de saúde é incompatível com os cuidados que a família lhes pode prestar.
Mas não deixa de haver também uma inadequada gestão de altas, fruto de uma cultura de tolerância gerada ao longo dos anos (por exemplo, ao fim de semana não há - ou quase não há - altas).
As medidas anunciadas são portanto de louvar. Quanto à sua implementação seria desejável que o País tivesse uma cobertura geral e adequada em prazo mais curto.
PS: se eu não estiver errado, há um erro de cálculo nas equipas de cuidados apliativos, pois 40 equipas x 250 000 h = 10 000 000 habitantes e 50 equipas x 150 000 h = 7 500 000 habitantes. Será assim?

tonitosa

Sublinho a unanimidade e o sentido positivo das intervenções no blogue sobre os designados cuidados continuados (CCont). Subsistem ainda dúvidas, muito bem apontadas pelo nosso amigo Tonitosa, e também algumas questões que justificam este post.

A – As dúvidas

a) “IPSS estão «pouco» entusiasmadas com os preços em negociação”

Uma “parte” parecer pouco entusiasmada vá lá…, seria preocupante era se estivesse muito entusiasmada (ou desinteressada). Temos todos consciência que o processo negocial ainda não acabou e também que a âncora anterior era inapropriada, tendo sido fixada demasiado próxima das eleições.

b) “O projecto exige … disponibilidade de «significativos» RH especializados”

Não devia ser assim visto que este tipo de cuidados requer, globalmente e à partida, muito poucas horas de médico, poucas de enfermagem e bastantes de auxiliar/apoio. O volume de horas necessárias será maior conforme a carga de cuidados institucionais (“camas”), o “Gap” na oferta actual em cuidados domiciliários (CS) e a possível atomização/pulverização de unidades (falta de dimensão) – algumas horas são libertadas do internamento hospitalar onde agora se processam parte dos cuidados.
Poderá não ser o caso nos cuidados paliativos se forem transformados em “quase serviços” de medicina interna, mas estamos em crer que não será essa a opção, antes mix de apoio ambulatório (domiciliário, de dia) e de internamento em CCont (também promoção de morte digna em família).

c) “… risco de se criarem nas populações expectativas que os meios financeiros irão contrariar… tendência das famílias para «deixar» que os seus doentes continuem …em internamento….”

Completamente de acordo. Não devemos alimentar falsas expectativas de novos “direitos” que ninguém paga, antes definir com clareza o quadro de referência: que serviços irão ser oferecidos e com que qualidade (quais as alternativas), qual a contribuição do doente/família, quanto custa o serviço e quanto paga o Estado (também a partir de que estadia deixar de pagar, cf. GDH). Exige-se clareza nos aspectos de qualidade e na monitorização/controlo de utilização.
Os cuidados de longa duração não são cuidados de saúde (são sociais), e como tal não devem ser «tendencialmente gratuitos», antes pagos dentro das capacidades dos doentes (o montante da sua reforma deve ser a primeira garantia de contribuição – idem no caso de crónicos de psiquiatria) e da família. A não ser assim a “tendência” referida terá grande probabilidade de acontecer, pondo em risco todo o edifício que se quer construir.

d) “… desejável que o País tivesse uma cobertura geral e adequada em prazo mais curto.”

A impaciência é grande porque tanto se prometeu/falou ao longo de dezenas de anos (diversos governos) que estamos todos desejosos de ver os CCont a funcionar. No entanto será de admitir o gradualismo e a experimentação por várias razões:

i. A concretização das unidades com internamento deve ser coordenada com a devolução e transformação de alguns hospitais que agora integram a rede de HH agudos;
ii. A implementação faseada permite:
 Ao Estado aprender com a experiência e “corrigir o tiro” oportunamente, evitando prejuízos e riscos desnecessários (para todos, incluindo para os doentes e privados envolvidos);
 A absorção progressiva de recursos humanos à medida que forem formados e/ou libertados pelos serviços públicos (SNS, doutros serviços);
 O ajustamento da oferta pelos privados, na medida do que for considerado conveniente e tendo em conta a experiência acumulada e a capacidade de investir;
iii. Trata-se de serviço inovador e é conhecida a dificuldade da Administração Pública no apoio e acompanhamento de qualquer novo serviço produzido privadamente.

B –
As questões

a) Pretende-se maximizar benefícios e evitar o risco de, com os CCont, se verificar multiplicação de efectivos e despesas, incluindo sobreconsumo de actos e cuidados. Como se fará a coordenação (sincronização) do aumento da oferta em CCont com a evolução das unidades com internamento (devolução, transformação de HH) e da capacidade de CS, em especial a expansão da oferta em cuidados domiciliários?
b) Como se vai repartir o financiamento (doentes/familiares, MS, Seg. Social e receitas do jogo) e que mecanismos estão previstos para evitar a tendência referida em “A-c)”? (provocaria muitos e longos internamentos donde maior necessidade de recursos, conduzindo à inviabilidade dos CCont).
c) Quais são os benefícios e consequências esperadas em: i) CCont: produção e benefícios para os doentes (na saúde e autonomia/bem estar doentes) e famílias; custo global e encargo para Estado; ii) adequação da capacidade dos HH (nº camas, produção, RH, custos), dos CS e dos C. Sociais;
d) Admitindo que a produção deverá ser privada, maioritariamente não lucrativa, como se fará o controlo de qualidade, a auditora (clínica e económico-financeira), a monitorização e fiscalização (verificar que produção houve, em que condições, com que resultados)? Como se fará a articulação e coordenação clínica com o MF e com o médico hospitalar (quando for o caso)?
e) Na definição dos recursos (ex. camas por 1000 hab acima de 65 anos) houve a preocupação de levar tanto longe quanto possível o atendimento domiciliário e de dia? O nº de camas previstas (de 1,4 a 1,5/1000 hab., seja entre 14 e 15 mil camas globalmente) não é um pouco elevado? Inclui ou não as camas existentes para crónicos de psiquiatria?
f) Como evitar os efeitos indesejados da segmentação dos diferentes tipos de serviços? (pior coordenação/continuidade de cuidados; pulverização de unidades de CCont e problemas de escala). Pergunto: vale a pena separar as unidades de “convalescença” do internamento de “média duração”? (pode influenciar negativamente a exploração, por problemas de dimensão/escala)
semmisericórdia

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2 Comments:

Blogger tonitosa said...

SemMisericordia
Nada tenho que seja contrário às ideias expostas no seu comentário.
Breves notas, porém, para aprofundar algumas das ideias explanadas anteriormente e complementadas com o seu comentário.
1. Porque razão as IPSS's (nem todas) parecem pouco entusiasmadas.
A explicação tem a ver com os preços mas também com um outro problema por si colocado: "qual a contribuição do doente/família, quanto custa o serviço e quanto paga o Estado (também a partir de que estadia deixar de pagar"). "Os cuidados de longa duração não são cuidados de saúde (são sociais), e como tal não devem ser «tendencialmente gratuitos», antes pagos dentro das capacidades dos doentes (o montante da sua reforma deve ser a primeira garantia de contribuição – idem no caso de crónicos de psiquiatria) e da família".
Ora é precisamente aqui que alguns problemas se colocam.
As IPSS's precisam de gerar receitas para sobreviverem e o seu comportamento nem sempre é neutro na selecção dos utentes/doentes.
Sei, por experiência própria, que quando os recursos do utente e seus familiares são baixos a tendência é para se "fecharem" as vagas. E se o Estado deixar de pagar, no internamento de longa duração (concordo que o pagamento a manter-se será da Segurança Social) as Instituições de "acolhimento" tudo farão para se "libertarem" dos "internados".
E a definição das obrigações contratuais nesta matéria parece ser condição "sine qua non" para o tal "entusiasmo" que falta.
No âmbito da Segurança Social o que se sabe é que as IPSS's estão sempre ávidas de apoios para contrução de novos equipamentos, mas dificilmente admitem utentes que não sejam comparticipados pelo Estado (SS) ou que não tenham recursos próprios para suportar os a estadia (e as mensalidades não são tão baixas quanto se possa pensar).
2. Quanto à disponibilidade de RH mais do que a especialização dos mesmos as dificuldades estão, a meu ver, associadas ao tempo de deslocação em meios urbanos congestionados ou em locais dispersos. Às horas de prestação de cuidados acrescerão os tempos de deslocação. O trabalho de uma equipa (médica, de enfermagem ou outra especialidade) a prestar em diversos locais vai ocupar muito mais tempo do que o necessário quando os doentes se localizam numa mesma instituição. E se os RH são já hoje escassos, mais escassos se tornarão. E vejo alguma dificuldade na libertação de meios (horas) no internamento hospitalar.
3. Concordo com a necessidade e vantagens de uma implementação gradual, mas o desejável seria uma cobertura mais rápida de todo o país. Veja-se, por exemplo, que as experiências-piloto deixam de fora alguns distritos (Bragança, Leiria, Setúbal, e outros).
4. Uma última reflexão: se por um lado há situações claras de famílias que não têm condições para cuidar dos seus doentes (por razões financeiras, humanas e habitacionais) a verdade é que cada vez mais assistimos à procura de "libertação" dessa missão por parte dos familiares; os doentes e os "velhos" são afinal um estorvo...uma grande "chatice"?! Mesmo, e às vezes até mais, para aqueles que melhor o podiam fazer. Assim as medidas anunciadas implicarão, também, mecanismos de verificação e controlo da capacidade de "retorno a casa" dos doentes e não faltarão formas e tentativas de enganar as instituições.

11:57 da manhã  
Blogger Clara said...

Excelente diálogo.
Uma matéria que merece a pena ser discutida.
Gostaríamos de ver aqui o comentário da Maria que num "post" anterior sobre os Cuidados Continuados pôs questões muito interessantes.

2:09 da tarde  

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